Arquitetura
Publicado por João Cerqueira
Sem sol, o Rio de Janeiro
apaga-se, encolhe-se e quase deixa de existir.
O Rio de Janeiro é a cidade mais bonita do
mundo – eis uma frase que muita gente repete. Eu próprio, antes de lá ter ido,
também repetia esta espécie de mantra, como se fosse uma verdade
inquestionável. Até que fui pela primeira ao Rio e tive uma tremenda decepção,
confirmada pela segunda ida, dois anos depois.
O Rio de Janeiro é, sim, uma cidade bonita se
o viajante se limitar às zonas do Leblon e Ipanema, se passear junto à lagoa
Rodrigues de Freitas, se subir os morros do Corcovado, do Pão de Açúcar ou
visitar Santa Teresa – e pouco mais. O resto da cidade – e nem me vou referir à
zona Norte – é um caos urbanístico com ruas sujas, passeios esburacados, locais
nauseabundos e prédios grafitados onde o visitante se perde e desilude. À
medida que se avança para o interior a desilusão aumenta e, em vez da
‘’maravilha’’, afirma-se a banalidade.
Uma das razões dessa banalidade é a escassez
de zonas históricas. Reformas urbanísticas como a de 1921 destruíram parte da
herança colonial. Nessa infeliz intervenção foi arrasado o Morro do Castelo – o
primeiro núcleo urbano do Rio de Janeiro - onde havia fortalezas e edifícios
construídos pelos Jesuítas, como a igreja de São Sebastião. Na ânsia de se
europeizar, os políticos da época resolveram imitar o modelo higienista de Haussman,
destruindo assim o seu berço histórico. Alguma imprensa protestou, o Jornal do
Século uso o título ‘’ O Rio tem o coração arrancado’’, mas de nada serviu.
Porém, o resultado é uma cidade que renegou o
passado sem chegar a ser moderna. E esse é o drama do Rio. Ficou entre dois
mundos, querendo-se afastar do primeiro, mas sendo incapaz de alcançar o
segundo, e assim perdeu a identidade – tendo para tal que recorrer a
estereótipos como o samba, o futebol e a praia como forma de afirmação.
Todavia, as praias do Rio são outra
desilusão: a água é mais fria do que no sul de Portugal, os níveis de poluição
são elevados, os vendedores ambulantes incomodam e a segurança é inexistente.
Nada do que se espera de uma cidade tropical destinada ao turismo. Quem já
tenha estado nas praias do mediterrâneo, das Caraíbas, do sul da Ásia, da
Austrália, ou tão só de Maceió ou João Pessoa, achará decerto as praias de
Ipanema, de Copacabana ou do Leme de má qualidade.
Assim, num dia chuvoso o Rio transforma-se
então numa cidade deprimente da qual apetece fugir. O céu cinzento ofusca as
belezas paisagísticas, a chuva torna ainda mais caótico o trânsito e o lixo
aparece a boiar nas ruas. É a própria natureza que põe a nu as fragilidades da
cidade. Resta ao visitante procurar museus ou ir a um shopping – mas, suponho,
não foi esse o motivo da vinda. Sem sol, o Rio de Janeiro apaga-se, encolhe-se
e quase deixa de existir.
Na minha opinião, no Nordeste brasileiro
existem cidades muito mais interessantes, com riquezas naturais e históricas de
outra qualidade. Por exemplo, o Recife. Comparado com o Recife, onde existe um
património histórico fascinante como a parte velha (o Recife antigo) ou, mais
adiante, Olinda, praias com areia mais fina e água mais quente e uma gastronomia
que não se verga às modas, o Rio de Janeiro pouco tem para oferecer. Mais ainda
do que em Salvador da Bahia, é no Recife que encontro o que considero ser o
genuíno Brasil, onde a cultura europeia, africana e índia resistiram ao passar
dos séculos e para esse mesmo passado nos remetem desde que queiramos explorar
a cidade. No Recife e noutras cidades nordestinas encontrei edifícios com traça
barroca, escutei cantores repentistas entoando versos feitos no momento – uma
herança dos cantares ao desafio minhotos – descobri festas populares, figuras
de folclore e delícias gastronómicas onde as três referidas culturas se
miscigenam.
No Rio – à exceção do Real Gabinete Português
de Leitura – nada disso encontrei. A cidade é como uma mansão que possui uma
bela fachada, mas, por dentro, está degradada, desarrumada e, nalguns cantos,
vazia.
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