O maior escândalo do
século XX
À primeira vista, Patricia Hearst é uma
milionária da mais alta sociedade de Nova York que, graças à imensa fortuna
herdada de sua família, pode dedicar todo o seu tempo a fazer obras de
caridade.
Ela é neta do lendário magnata da
imprensa William Randolph Hearst (1863 – 1951), dono de um império midiático
que existe até hoje – e que já foi inspiração para o famoso filme Cidadão Kane, de Orson
Welles.
Mas Hearst, que hoje tem 61 anos, não ficará
conhecida na posteridade por suas ações filantrópicas - e sim por ter
protagonizado um dos sequestros mais lembrados da história.
Na última sexta-feira, completaram-se 40 anos
desde que ela foi libertada – ou melhor, desde que foi presa por agentes do FBI
nos Estados Unidos.
Em 18 de setembro de 1975, Patty Hearst foi
presa por ter participado de atividades criminais junto com a guerrilha
marxista que a havia sequestrado um ano e meio antes – um caso que chamou a
atenção do público e da imprensa do mundo inteiro.
Circo
midiático
Pouco depois das nove da noite do dia 4 de
fevereiro de 1974, Hearst, que tinha 19 anos à época e era estudante da
Universidade de Berkeley, no norte da Califórnia, foi sequestrada após ter uma
arma apontada para ela no apartamento que dividia com seu namorado.
Os sequestradores eram membros do Exército
Simbiótico de Libertação (SLA, na sigla em inglês), um grupo guerrilheiro que
na época tinha dez membros e tinha como objetivo derrotar a "ditadura
corporativa" do governo do então presidente Richard Nixon.
Image copyrigh Image captionearst Acabou condenada a 7 anos
de prisão após ter se juntado aos guerrilheiros
Inspirados por movimentos guerrilheiros de
esquerda da América Latina, eles consideravam que a família Hearst era "de
uma classe superfascista" que controlava os Estados Unidos.
O sequestro foi assunto de grande interesse;
poucas horas de ser anunciado, centenas de jornalistas se aglomeravam na porta
da casa dos Hearst em busca de qualquer novidade.
Segundo Linda Deutsch, veterana jornalista da
AP, alguns veículos chegaram a instalar telefones em árvores na frente da casa
da família para pegar ou passar informações.
Mudança
inesperada
Os membros do SLA se comunicavam com a
família Hearst por meio de gravações de áudio que eram enviadas à imprensa – e
que eles exigiam que fossem reproduzidas por todos os veículos.
Em algumas delas, era possível escutar a
própria Patty Hearst pedindo a seus pais que atendessem as exigências dos
sequestradores.
No início, eles pediam a libertação de um dos
membros do grupo que havia sido preso por suposto envolvimento em um
assassinato.
As autoridade, porém, negaram o pedido. O
SLA, então, pediu à família Hearst que investisse milhões de dólares em um
programa para alimentar os pobres da Califórnia.
Image copyright Image caption Imagem de Patty Hearst
participando do assalto junto com os guerrilheiros fizeram com que ela fosse de
'vítima de sequestro' a 'criminosa'
Os Hearst concordaram em gastar US$ 2 milhões
nisso – mas a operação de distribuição da comida foi caótica e gerou revoltas e
saques.
O SLA exigiu, em seguida, que fossem
investidos outros US$ 4 milhões - o que fez com que as negociações entre os
sequestradores e a família fossem interrompidas.
O caso teve uma mudança inesperada em 3 de
abril de 1974, quando Patty Hearst anunciou em uma gravação que havia se unido
ao SLA, adotando o nome de Tania, em homenagem à companheira de Che Guevara.
"Pátria ou morte. Venceremos", foi
o que ela disse em espanhol em um áudio enviado à imprensa.
Dez dias depois, membros do SLA organizaram
um assalto a um banco na cidade de San Francisco, onde duas pessoas acabaram
feridas.
As câmeras de segurança da agência flagraram
a imagem de Patty Hearst com uma arma participando do assalto, um das imagens
que mais circularam o mundo nos anos 70.
Criminosa
A partir desse momento, as autoridades
deixaram de considerá-la uma "vítima de sequestro" e passaram a
chamá-la de "criminosa".
No dia 16 de maio de 1974, Hearst se viu
envolvida em um tiroteio em uma loja de Los Angeles, que membros do SLA
tentaram assaltar.
A jovem conseguiu escapar junto com dois
outros membros do grupo, mas não sem deixar rastros. Eles levaram uma multa de
trânsito na fuga, o que acabou dando pistas às autoridades sobre o esconderijo
onde estavam no bairro de Compton.
No dia seguinte, a polícia foi até o local.
Após uma intensa troca de tiros, houve um incêndio na casa, em que acabaram
morrendo seis membros da guerrilha, incluindo o líder do grupo, com quem Hearst
tinha tido um envolvimento amoroso.
A jovem acompanhava os acontecimentos pela
televisão em um motel onde se escondia com outros membros do SLA, que
conseguiram fugir para Nova York e Pensilvânia, planejando retornar à
Califórnia um tempo depois.
A vida de guerrilheira de Patricia Hearst
terminou 18 meses depois do seu sequestro, quando, em 18 de setembro de 1975,
foi detida por agentes do FBI em San Francisco.
Depois de sua prisão, ela apareceu na TV
algemada, mas ainda com uma pose desafiadora, com os braços para o alto e os
punhos fechados.
'O
julgamento do século'
Hearst foi acusada de participar do assalto à
sucursal do banco Hibernia, tornando-se protagonista do que foi chamado na
imprensa americana de "julgamento do século".
Seus advogados alegaram que a jovem havia
sido obrigada a se juntar à guerrilha e que ela sofreu da chamada "Síndrome
de Estocolmo", estado psicológico descrito pela primeira vez nos anos 70,
em que vítimas de sequestros sentem "empatia" e
"dependência" por seus sequestradores.
Nas memórias
que publicou em 1981, Hearst explica que depois de ter sido sequestrada, ela
foi mantida em cativeiro em um armário por 57 dias e foi submetida a todos os
tipos de abuso, incluindo lavagem cerebral.
A estratégia de defesa não funcionou e Hearst
foi condenada a sete anos de prisão, dos quais cumpriu dois anos em regime
fechado, porque, em 1979, o presidente Jimmy Carter reduziu sua pena.
Em 2001, o
presidente Bill Clinton concedeu à ex-guerrilheira o perdão completo.
Image copyright Image captionPatty Hearst era milionária,
mas virou guerrilheira e acabou até presa pelo FBI
Dois meses depois de ser libertada, Hearst se
casou com um dos guarda-costas que a protegiam quando respondia ao julgamento
em liberdade. Eles tiveram duas filhas e permaneceram juntos até o falecimento
do marido, em 2013.
Desde então, nas quatro décadas que se
passaram desde seu sequestro, Hearst deu poucas entrevistas e manteve uma vida
discreta, com exceção de alguns eventos sociais em que marcou presença e de
pequenas participações em filmes e séries de televisão.
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