História
Mulher
que fez história: foi de prostituta a imperatriz
As principais fontes históricas para sua vida são as obras de um contemporâneo, Procópio, um escriba do general Belisário. Elas nos
oferecem três retratos contraditórios sobre a imperatriz. "As Guerras de
Justiniano", completado por volta de 545, retrata uma imperatriz corajosa
e influente. Posteriormente, ele escreveu "História Secreta", que não
foi publicado por mais de mil anos. A obra revela um autor que se tornara
profundamente desiludido com o imperador Justiniano, com a imperatriz e mesmo
com Belisário, seu patrono. Justiniano aparece como uma pessoa cruel, venal, pródiga e incompetente. Para Teodora, Procópio reserva um relato detalhado e
picante sobre uma mulher vulgar e insaciável, mas dotada de uma atitude
maligna, calculista e insidiosa. Ele chega a alegar que ambos seriam demônios
cujas cabeças foram vistas deixando os corpos para perambular pelo palácio à
noite. Mais interessante é que a obra cobre o mesmo período da anterior.
Por fim, "Obras de Justiniano", escrito por volta da mesma
época da "História Secreta", é um panegírico que retrata Justiniano e Teodora como um casal piedoso e pinta um
retrato particularmente elogioso de ambos. Sobre
Teodora, além de sua piedade, sua beleza também foi elogiada à exaustão.
Embora Teodora já estivesse morta quando esta obra foi publicada, Justiniano
estava vivo e provavelmente foi ele quem a encomendou.
Outro contemporâneo da imperatriz, João de Éfeso, escreve sobre ela em sua "Vidas dos Santos Orientais" e
menciona uma filha ilegítima não mencionada por Procópio.
Vários outros historiadores apresentaram informações adicionais sobre a
sua vida. Teófanes, o Confessor, menciona algumas relações familiares de Teodora a pessoas não
mencionadas por Procópio. Vítor de Tununa relata que ela
seria tia da próxima imperatriz, esposa de Justino II, Sofia.
Miguel, o Sírio, a "Crônica de 1234" e Bar-Hebreu afirmam que ela seria originária da cidade de Daman, perto de Calínico, na Síria. Eles contradizem Procópio ao afirmar que Teodora seria filha de um
sacerdote treinado nas práticas do miafisismo desde o nascimento. Estas são fontes miafisitas posteriores e demonstram
como ela era vista entre seus membros. Os miafisitas tendiam a considerar
Teodora como uma deles e a tradição pode ter sido inventada como forma de
melhorar a reputação da imperatriz. Esta história também contradiz a história
do também miafisita João de Éfeso. Todos esses relatos são, contudo, ignorados
em favor do relato de Procópio.
Teodora, de acordo com Michael Grant, era de ascendência grego cipriota. Há diversas
indicações sobre o provável lugar de seu nascimento. De acordo com Miguel, o
Sírio, o local seria a Síria; Nicéforo Calisto Xantópulo afirma que ela era
cipriota, enquanto que a "Pátria", atribuída a Jorge Codino, afirma que Teodora
teria vindo da Paflagônia. Ela nasceu por
volta de 500.
Seu pai, Acácio, era um treinador
de ursos para a facção "Verde" de corredores de
bigas do Hipódromo de Constantinopla. Sua mãe, cujo nome não foi preservado, era uma dançarina e atriz . Seus pais tiveram duas outras filhas e, depois da morte do pai, a mãe levou
as meninas vestidas com guirlandas para o hipódromo e as apresentou como
torcedoras da facção "Azul". A partir daí, Teodora para sempre seria
aliada deles.
Tanto João de Éfeso quanto Procópio (em sua "História
Secreta") relatam que Teodora, desde pequena, seguiu o exemplo de sua
irmão Comito e trabalhou num bordel servindo clientes de baixo escalão e, posteriormente, passou a se
apresentar nos palcos. Lynda Garland, em "Byzantine Empresses: Women and
Power in Byzantium, AD 527–1204", lembra que parece haver poucos motivos
para acreditar que ela teria trabalhado num bordel "controlado por um gigolô". A profissão de
atriz na época certamente incluía tanto "exibições
indecentes no palco" quanto
à prestação de serviços sexuais fora dele. No que Garland chama de "sórdido negócio do
entretenimento na capital", Teodora
ganhava a vida com uma combinação de suas habilidades teatrais e sexuais. No
relato de Procópio, Teodora ficou famosa por sua representação lasciva de Leda e o Ganso.
Justiniano
Com dezesseis anos, Teodora viajou para o norte da África como companheira
de um oficial sírio chamado Hecébolo quando ele assumiu o governo da Pentápolis Cirenaica. Ela permaneceu com ele por quase quatro anos antes de retornar para
Constantinopla. Abandonada e mal-tratada por Hecébolo, ela permaneceu algum
tempo em Alexandria no caminho de volta para a capital. Ali, diz-se que ela teria conhecido
o papa Timóteo III de Alexandria, um fervoroso miafisita, e foi ali que
ela se converteu ao miafisismo. De Alexandria,
Teodora seguiu para Antioquia, onde ela se
encontrou com a dançarina Macedônia, também da facção Azul, e que provavelmente
era uma informante do imperador Justiniano.
Ela chegou em Constantinopla em 522 e desistiu de sua vida pregressa, se
assentando como fiandeira numa casa próxima ao palácio. Sua beleza,
inteligência e altivez chamaram a atenção de Justiniano, que se enamorou dela e
queria se casar. Porém, ele não podia, pois era herdeiro do trono do tio, o imperador bizantino Justino I, e uma lei romana do tempo de Constantino proibia oficiais do governo de se casarem com atrizes. Até mesmo a imperatriz Eufêmia, que gostava de Justiniano e geralmente não lhe recusava nada, foi
contra o casamento. Porém, Justino também gostava de Teodora. Em 525, quando
Eufêmia morreu, Justino aboliu a lei e Justiniano pôde se casar. Nesta época,
ela já tinha uma filha (cujo nome se perdeu) e Justiniano a tratava, assim como
o filho dela, Atanásio, como sendo legítimos. Contudo, as fontes discordam
sobre se ele seria ou não pai dela.
Teodora se mostrou uma governante hábil durante as revoltas de Nika. Na primeira
metade do século VI, havia duas
facções políticas rivais na capital imperial, os "Azuis" e os
"Verdes", que começaram uma revolta em janeiro de 532 durante uma corrida de bigas no hipódromo. Elas se originaram de diversas queixas diferentes, algumas delas ações
de Teodora e Justiniano. Os rebeldes incendiaram diversos edifícios públicos e
proclamaram um novo imperador, Hipácio, o sobrinho do antigo imperador Anastácio I Dicoro. Incapaz de controlar a multidão, Justiniano e seus oficiais se
prepararam para fugir. Numa reunião do conselho governamental, Teodora foi
contra deixar o palácio dizendo que "do púrpura se faz uma fina mortalha", sublinhando assim que seria melhor morrer como um imperador, lutando
pelo trono, do que viver com medo, escondido ou exilado.
Seu determinado discurso convenceu a todos, incluindo o próprio Justiniano.
Como resultado, o imperador ordenou que tropas leais, lideradas por dois
oficiais de confiança, Belisário e Mundo, atacassem os
revoltosos no hipódromo. A ordem foi cumprida e mais de 30 000 rebeldes
(de acordo com Procópio) foram mortos. Apesar das alegações de que teria sido
eleito imperador contra sua vontade pela multidão, Hipácio foi executado,
aparentemente por insistência de Teodora. Os
historiadores concordam que foi a coragem de Teodora o fator decisivo para
salvar o reinado de Justiniano e o imperador jamais se esqueceu disso.
A imperatriz Teodora no Coliseu(óleo de Jean-Joseph
Benjamin-Constant).
Depois da revolta
de Nika, Justiniano e Teodora reconstruíram e reformaram Constantinopla e
fizeram dela a cidade mais esplêndida do mundo por séculos, construindo ou reconstruindo aquedutos, pontes e mais de
vinte e cinco igrejas. A maior delas, Basílica de Santa
Sofia (Hagia Sophia), é considerada a epítome da arquitetura
bizantina e uma das maravilhas arquitetônicas do mundo.
Teodora era meticulosa no que dizia respeito ao cerimonial da corte. De
acordo com Procópio, o casal imperial fez com que todos os senadores, inclusive
os patrícios, se prostrassem
diante deles sempre que entrassem em suas presenças, e deixaram claro que as
relações deles com as milícias civis eram da mesma natureza da que existe entre
mestres e escravos. Os dois também
supervisionavam cuidadosamente os magistrados, muito mais do que os imperadores
anteriores, possivelmente com o objetivo de reduzir a corrupção na burocracia
estatal.
A imperatriz também criou seus próprios centros de poder como Santa
Sofia. O eunuco Narses, que na velhice
se tornou um brilhante general, era seu favorito e também era o prefeito pretoriano Pedro Barsimes. João, o Capadócio, o principal coletor de impostos de Justiniano, aparece como sendo seu
principal adversário, principalmente por sua influência independente em relação
ao imperador.
Ela também participou das reformas legais e espirituais de Justiniano e
seu envolvimento na melhora dos direitos das mulheres foi substancial. Teodora
fez com que leis fossem aprovadas que proibiram a prostituição forçada e fechou bordéis. Ela criou um convento no lado asiático do Dardanelos chamado Metanoia ("arrependimento"), onde
ex-prostitutas podiam se sustentar com o trabalho. Ela também expandiu os
direitos das mulheres no divórcio e no direito de posse, instituiu a pena de morte para o estupro, proibiu o
abandono de crianças indesejadas, deu às mães algum direito de guarda sobre os
filhos e proibiu o assassinato de mulheres culpadas de adultério. Procópio conta
que ela era naturalmente inclinada a ajudar mulheres desafortunadas[10] .
A "História Secreta", contudo, apresenta uma história
diferente. Por exemplo, ao invés de impedir a prostituição forçada (como
Procópio afirmara em "Obras de Justiniano" 1.9.3), agora Teodora
aparece"prendendo à força" 500
prostitutas e confinando-as ao convento. Este fato, diz Procópio, provocou suicídios quando as prostitutas tentaram evitar "serem
transformadas de maneira grotesca contra a sua vontade"(Hist. Secr.
17).
Teodora fez o que pode contra o apoio do marido aos calcedonianos na controvérsia religiosa que dividia o
império. Apesar de Justiniano ser calcedoniano, Teodora havia fundado um
mosteiro miafisita em Gálata e dava abrigo no palácio aos líderes da facção que enfrentavam a
hostilidade da maior parte dos calcedonianos, como era o caso de Severo de Antioquia e do patriarca Ântimo I de Constantinopla. Este havia sido nomeado patriarca por influência de Teodora e, depois
de ter sido excomungado, permaneceu
escondido na seção de Teodora do palácio por doze anos, quando morreu. Quando o patriar calcedoniano Efraim de Antioquia provocou uma
violenta revolta em Antioquia, oito bispos miafisitas foram convidados a irem a
Constantinopla e Teodora os recebeu e os abrigou no Palácio de Hormisdas, adjunto do Grande Palácio, que havia sido a residência do casal imperial antes de se tornarem
imperadores.
Sarah Bernhardt como Teodora.
Retrato de W. & D.
Downey.
No Egito, quando Timóteo III morreu, Teodora
pediu ajuda a Dióscoro, o prefeito, e Aristômaco, o duque do Egito, para que
facilitassem a elevação de um discípulo de Severo, Teodósio, ludibriando assim o marido, que há muito vinha planejando colocar um
sucessor calcedoniano como patriarca de Alexandria. Mas Teodósio I, mesmo com a ajuda das tropas imperiais, não conseguiu
se manter em Alexandria contra os julianistas. Quando ele foi exilado por Justiniano, juntamente com 300 miafisitas,
para a fortaleza de Delco naTrácia, Teodora o resgatou e o colocou também no Palácio de Hormisdas. Lá ele
viveu sob a proteção dela até 548 e, depois que ela morreu, a de Justiniano.
Quando o papa Silvério recusou a exigência de Teodora para remover o anátema de Agapito contra o patriarca Ântimo, ela enviou instruções a Belisário ordenando que ele encontrasse algum pretexto para remover Silvério.
Quando o papa foi deposto, Vigílio foi nomeado em seu lugar.
Os calcedonianos da época afirmavam que Teodora não só espalhava ideias heráticas, mas também minava a unidade do cristianismo.
Em Nobatia, no sul do Egito, os habitantes haviam se convertido para o
cristianismo miafisita por volta de 540. Justiniano estava determinado a
convertê-los de volta à fé calcedoniana e Teodora, igualmente determinada a
deixá-los miafisitas. O imperador enviou missionários de Tebaida com presentes até Silko, o rei de Nobatia. Mas, ao saber disso, Teodora
preparou seus próprios missionários e escreveu para o duque de Tebaida para que
ele atrasasse a embaixada do marido para que os missionários miafisitas
chegassem primeiro. O duque foi inteligente o suficiente para perceber que era
melhor ajudar a impiedosa Teodora do que o mais maleável Justiniano e, assim,
atrasou os missionários calcedonianos. Quando eles eventualmente chegaram até
Silko, foram enviados de volta, pois a Nobatia já havia adotado o credo
miafisita de Teodósio oficialmente.
Teodora morreu do que Vítor de Tununa chamou de
"câncer", em 28 de junho de 548, aos 48 anos de idade. Relatos
posteriores frequentemente atribuem sua morte ao câncer de mama, embora a
enfermidade não seja identificada assim no relato original, onde a palavra
"câncer" provavelmente significava uma "úlcera supurada ou tumor maligno" . Conta-se que Justiniano chorou profusamente durante o funeral de
Teodora. A imperatriz foi sepultada na Igreja dos Santos Apóstolos, em Constantinopla.
Tanto Teodora quando Justiniano aparecem nos mosaicos que ainda decoram a Basílica de São Vital, em Ravena, Itália, e que foram
completados um ano antes de sua morte. Por terem sobrevivido à destruição generalizada
de obras de arte por conta do iconoclasma séculos depois, eles são muito valiosos.
A influência de Teodora sobre Justiniano era tão poderosa que, mesmo
depois de sua morte, ele trabalhou incansavelmente para tentar reunir cristãos
miafisitas e
calcedonianos e manteve sua promessa de proteger a pequena comunidade de
refugiados miafisitas que viviam no Palácio de Hormisdas.
Teodora providenciou muito do apoio político para o ministério de Jacob Baradeus e, aparentemente,
era amiga pessoal dele também. Diehl atribuí a existência ainda hoje em dia do cristianismo jacobita igualmente a Baradeus e a Teodora
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