Natureza
– Brasil
Thiago
GuimarãesDa BBC Brasil em Londres
Em meio ao vaivém intenso de
pedestres e veículos, emaranhados de fios elétricos, linhas com cerol e postes,
objetos colorem e fazem barulho no céu de Campo Grande.
A cidade no centro-oeste do Brasil ganhou o título informal de
"capital das araras", uma homenagem às aves que se adaptaram de
maneira única ao ambiente urbano da capital de Mato Grosso do Sul.
É um fenômeno sem precedentes nessa escala no país, segundo biólogos que
estudam as aves na cidade.
A proximidade do Pantanal - a maior área alagada do mundo, um mundo de
água doce e vida selvagem do tamanho de Portugal - ajudou. Campo Grande é
arborizada e ainda mantém manchas de cerrado, buritizais e inúmeras árvores
frutíferas.
As araras aproveitam um belo cardápio de espécies exóticas e nativas do
cerrado - encontram comida em pelo menos 14 árvores, como jatobá, ingá,
cedro-rosa e tamarindo.
Indiferentes ao movimento e ao barulho, as araras fizeram morada em
diferentes pontos da cidade, num fluxo que começou em 1999, após uma seca
prolongada na região.
Optam por restos de buritizais, palmeiras secas e até ninhos
artificiais, obra de moradores que começam mais e mais a se integrar com os
bichos.
As araras ficam ainda mais visíveis nessa época do ano. É período de
reprodução, que vai de julho a dezembro, e casais cruzam os ares em busca de
ninhos para procriar.
Em geral, os psitacídeos - a família das araras, que inclui papagaios e
periquitos - são monogâmicos e formam casais pela vida toda.
Migração
Uma longa estiagem no ano de 1999 marcou a chegada
das araras-canindé e de araras-vermelhas (Ara chloropterus) a
Campo Grande. A seca, somada a desmatamentos e queimadas na zona rural e
municípios do entorno, reduziu de forma brusca a oferta de alimentos para essas
aves.
Na ocasião, o Instituto Arara Azul, que pesquisa o comportamento dos
bichos, monitorou grupos de 27 a 48 araras que estavam em Terenos, a 32 km de
Campo Grande, e poucos dias depois já circulavam pela capital.
Segundo a bióloga Neiva Guedes, presidente do instituto, hoje existem
pelo menos 400 araras em Campo Grande, e mais de 200 filhotes já nasceram na
cidade desde 2010.
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copyrightJImage caption Pesquisadora do Instituto Arara Azul em ação
de captura de arara para monitoramento
De 2001 a 2005, Guedes acompanhou, a menos de 150 metros de sua casa, a
reprodução de araras em um tronco de buriti. Observou disputas de casais,
nascimento e voo de filhotes. E até interveio pela manutenção no ninho quando a
avenida foi duplicada - o traçado da via acabou sendo desviado para preservar a
árvore.
O instituto cadastrou 74 ninhos de araras em Campo Grande, dos quais 34
são monitorados. Um deles, por exemplo, fica em uma das esquinas mais
movimentadas da cidade, a da rua Dom Aquino com avenida Duque de Caxias.
E as pesquisas mostram que, apesar das dificuldades impostas pelo
ambiente urbano, as araras-canindé estão se reproduzindo na cidade com sucesso.
"Eles conseguem se manter na cidade o ano inteiro. E já fazem parte
do cotidiano, a população se acostumou a ouvi-las todo dia", afirma
Guedes.
Acolhimento
Há moradores que chegam a oferecer abrigo para as aves. O major do Corpo
de Bombeiros Pedro Centurião, por exemplo, durante uma obra na área de lazer de
sua casa, resolveu cortar as folhas de uma palmeira que sujava muito o quintal.
Foi a senha para as araras começarem a frequentar o tronco. A família de
Centurião providenciou uma estrutura de madeira no alto da palmeira para
facilitar a estadia dos hóspedes.
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copyrightJImage caption Araras chamam a atenção pela coloração, conformação
do bico e gritaria; aves se tornaram atração para moradores
Isso foi há cerca de dois meses, e hoje um casal já choca três ovos no
local. "Estamos ansiosos pela chegada dos filhotes", conta Centurião,
de 51 anos.
Ao lado de Peru e Colômbia, o Brasil é o país mais rico do mundo em aves
- são cerca de 1800 espécies. No caso dos psitacídeos, uma das famílias de
características mais marcantes, facilmente reconhecível pelo bico, patas e
cauda, é o país mais diverso do planeta, com 82 espécies.
Araras-vermelhas e araras-canindé estão entre as mais comercializadas no
planeta. A diversidade de cores, sociabilidade, capacidade de adaptação e de
imitar a voz humana atraem o interesse das pessoas em todo o mundo.
No caso das araras-canindé, que habitam desde o Panamá até a região
central brasileira passando pelas Guianas, Venezuela, Peru, Colômbia, Equador,
Bolívia e Paraguai, não há risco de extinção no Brasil, mas relatos de retirada
de indivíduos da natureza são comuns.
E afinal, o fenômeno das araras na cidade é algo bom ou ruim? Neiva
Guedes diz ter pensado muito até concluir que sim.
"Se temos araras, é porque ainda temos ambiente para elas. Bom para
elas, melhor ainda para nós, que temos uma cidade bem arborizada, com
frutíferas variadas dando suporte à biodiversidade. As araras são boas
indicadoras dessa diversidade. Dão grande valor social a cidade e transmitem
paz, tranquilidade e alegria", afirma.
O fenômeno, diz a bióloga, aponta também para a necessidade de
preservação da biodiversidade em áreas urbanas.
"Até 2030 a população urbana será 46% maior. Com isso, haverá
pressão maior para exploração das áreas naturais, cada vez mais diminuídas. As
áreas urbanas ganharão mais importância, e buscar equilíbrio entre desenvolvimento
e manutenção da paisagem deve ser meta dos dirigentes públicos e de cada
cidadão", diz a pesquisadora.
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