Design
Publicado por Graziele Lima,
24 anos, sorocabana, formada em Jornalismo, estudante de Moda e
Estilismo, pisciana (ao extremo), rata de sebo, apaixonada por zumbis, música e
unicórnios.
Em agosto de 1883, mais especificamente no dia 19, era verão na cidade de Saumur, na França. Eugénie Jeanne Devolle, uma moça com cerca de 20 anos, estava num hospital de caridade sob o comando de freiras. Grávida e mãe solteira de uma menina, deu à luz a outra criança que recebeu o nome de Gabrielle Chanel, em homenagem a uma das freiras, Gabrielle Bonheur. O Bonheur não apareceu na certidão de nascimento do bebê, porém, mais tarde, a própria Gabrielle o acrescentou. Ao todo, Jeanne teve seis filhos. Foram três meninas: Gabrielle, Julia e Antoinette; e três meninos: Alphonse, Lucien e Augustin – esse último morreu ainda na infância. As duas primeiras meninas (Julia e Gabrielle) foram as únicas a nascerem como ilegítimas, os pais estavam juntos, mas não eram casados. Por esse motivo, a família foi desaprovada pela sociedade da época.
Do outro lado temos o pai das crianças, Henri-Albert Chanel, comerciante, que viajava a serviço para várias cidades francesas a fim de sustentar os alojamentos em que sua família ficava. Era um homem que gostava de ser livre e não estava presente em momentos importantes da vida dos filhos, inclusive, no nascimento de alguns deles.
Ao registrar a pequena Gabrielle, seu sobrenome foi digitado incorretamente como “Chasnel”. Provavelmente foi um erro do escrivão. Anteriormente, Albert teve seu sobrenome também registrado com a grafia incorreta: “Charnet”. Mais tarde, ambos fora corrigidos.
Em 1884, Albert e Eugénie enfim puderam se casar, embora muitos biógrafos acreditem que foi por pressão da família dela. Onze anos depois, aos 33 anos, Jeanne faleceu. Depois desse fatídico dia, Albert decidiu colocar seus filhos homens para trabalhar numa propriedade rural, sendo tratados como órfãos, e enviar as meninas a um orfanato em Aubazine, tuteladas por freiras. Chanel tinha 12 anos quando esses acontecimentos se sucederam. Mais tarde ela mentiria ter seis anos quando a mãe faleceu. Mas acaou se contradizendo quando proferiu sua famosa frase: “Desde a infância, tive certeza de que haviam tirado tudo de mim, que tinha morrido. Soube disso aos 12 anos. Pode-se morrer mais de uma vez na vida”, se referindo a esses momentos. No orfanato, as crianças eram ensinadas a odiar os judeus e conviviam com filosofias do pecado e da penitência. Apesar de tudo, foi lá que a jovem Gabrielle aprendeu a costurar e fazer acabamentos, especialmente em chapéus.
Nessa altura do texto é importante lembrar que muitos pontos da história de Gabrielle possuem mais de uma versão, pois ela fugia de seu passado e inventava coisas para mascará-lo, a fim de ocultar suas origens. Pesquisas feitas por biógrafos como Justine Picardie e Hal Vaughan apontam os dados acima como reais.
A TRANSFORMAÇÃO DE GABRIELLE EM COCO
Ao completar 18 anos, Gabrielle mudou-se para um pensionato feminino católico em Moulins e, aos 20, começou a trabalhar como costureira. Nas horas vagas ela cantava em um cabaré frequentado por oficiais da cavalaria. Só duas canções faziam parte de seu repertório: “Ko-Ko-Ri-Ko” e “Qui qu’a vu Coco?”. A última música falava sobre uma garota que perdeu seu cachorro. Pelo repertório escasso, os frequentadores do local começaram a chama-la de Coco (nome do cachorro da música). Nos boatos que criou depois, disse que Coco era um apelido carinhoso que o pai a tinha dado.
Foi nesse mesmo cabaré que ela conheceu seu futuro amante: Etienne Balsan, dono de um haras de cavalos de corrida. Durante um encontro, Balsan convidou Chanel para ir morar com ele em Compiègne. E ela aceitou. Foi lá que teve sua formação hípica, incentivada pelo criador de cavalos.
QUANDO O AMOR CHEGA
Em 1908 Chanel conheceu Arthur Capel, mais conhecido como Boy, companheiro de montaria de Etienne. Eles se apaixonaram! Boy a colocou em um apartamento em Paris e a ajudou a abrir um ateliê de chapéus. Mais tarde ele financiou as primeiras boutiques Chanel de moda feminina (em Paris, Deaville e Biarritz).
Durante 11 anos eles ficaram juntos, mesmo depois de Boy se casar com outra mulher. Ele era aristocrata e, como Chanel tinha origens humildes, a sociedade da época jamais aceitaria que se casassem. Depois de uma de suas visitas a Chanel, Capel pretendia passar o Natal com sua esposa e filho, mas, durante a volta, sofreu um acidente de carro e morreu. O jornal Times de Londres afirmou que ele deixou uma grande herança para Chanel. Mas dinheiro nenhum no mundo compraria a alegria dela de volta. Coco ficou devastada e nunca mais se recuperou completamente. Certa vez, confidenciou a um biógrafo chamado Paul Morand: “A morte dele foi um golpe terrível para mim. Ao perder Capel, perdi tudo. O que veio depois não foi uma vida de felicidade, devo dizer”.
A COLABORAÇÃO PARA A LIBERTAÇÃO DAS MULHERES
Em primeiro lugar, Chanel nunca se casou. Ela optou por isso e mesmo com o falatório da sociedade, não se intimidou e levou essa decisão até o fim de sua vida.
Desde a época em que morou com Balsan e aprendeu a cavalgar, não gostava de montar com saia por causa do desconforto. Passou então a se vestir buscando inspirações no guarda-roupa masculino. Mais tarde comercializou peças de roupas seguindo essa linha. Também contribuiu para que os chapéus de pássaros ficassem no passado, inventando modelos mais leves e confortáveis e vendendo-os. Karl Lagerfeld, seu sucessor na Maison Chanel, disse que nessa época “se você não tinha todo um jardim na cabeça, não era boa o suficiente. Colocar uma pequena coisa em palha, toda redonda, com uma só pluma, era um ato de coragem”.
Mesmo que Boy tenha ajudado financeiramente com suas primeiras lojas, Chanel queria poder trabalhar para ter sua liberdade e não depender de outras pessoas. Ela empregou cerca de 300 operárias para confeccionar malhas em uma de suas fábricas.
Mais tarde, no auge de seu sucesso, libertou as mulheres da cintura marcada, eliminando os espartilhos e diminuindo o comprimento das vestes, revelando pela primeira vez os tornozelos femininos. Cortou o cabelo (até hoje o corte igual ao dela é conhecido como “chanel”) e voltou com a pele bronzeada depois de uma viagem, inspirando outras mulheres a fazerem o mesmo. O bronzeamento era considerado feio por representar classes mais baixas que precisavam trabalhar abaixo de sol. As mulheres em especial não podiam sair às ruas com a pele bronzeada.
Para algumas de suas criações, Coco inspirou-se no duque de Westminster (casacos de tweed, pulovers, coletes dos criados, boinas de seus marinheiros), trazendo um pouco do vestuário masculino para o guarda-roupa feminino. O tweed, que é um tecido mais barato, não era usado na alta-costura até então. Foi ela também que misturou pérolas reais com falsas, feitas de bijuteria, o que era uma verdadeira afronta naquele tempo. Se hoje mulheres usam bijuterias sem sofrerem preconceito, foi graças a esse ato. Reduziu em roupas o excesso de enfeites, usou tecidos leves e deixou os vestidos soltos ao corpo para o conforto da mulher.
Trouxe o preto, antes restrito a empregados, para a alta-costura. Uma de suas contribuições mais famosas é o vestido “pretinho básico”. Outro ícone, que surgiu com a ideia de liberar as mulheres de carregarem as bolsas com as mãos, foi o modelo 2.55, que tinham alças.
Veio a guerra, que fez Chanel fechar as portas. Quando ela se deu conta de que a moda tinha voltado a ficar sob o domínio de pessoas que trouxeram de volta sutiãs, meias-calças, barbantes de baleia e saias bufantes, ficou enfurecida. Nessa época a imprensa francesa zombava de sua velhice. Reabriu então suas lojas. Dois anos depois, lançou o tailleur feminino, sua peça mais famosa, equivalente ao terno masculino com dois botões.
Claro que ela não foi a única estilista que lutou pelo fim dos espartilhos e que fez calças para mulheres. Designers como Paul Poiret e Madeleine Vionnet fizeram antes coisas parecidas. Mas a popularização do fim do corset e o uso de calças femininas vieram junto com a coragem de Chanel.
CONTRADIÇÕES
Apesar de tudo, Coco não era feminista. Ela dizia que a mulher só devia ir às compras com seu homem, para agradar a ele. Outra evidência é sua entrevista de 1969, onde cita uma cena vista três dias antes na rua. Era um homem batendo em uma mulher. Coco disse que a mulher havia merecido: “Eu estava assistindo eles por um tempo, pensando que se ela não calasse a boca, seria esbofeteada. E ela foi”.
No final de sua vida fez várias críticas às calças femininas, mesmo sendo ela a criadora dessa ideia. Ainda na entrevista de 69, Chanel explicou por que quis produzir calças para mulheres: “Eu fiz elas porque acho que andar por aí de roupa de banho é o equivalente a estar nua. Se você se banhou e quer ficar na praia pode colocar calças. Saias não ficam bonitas, um vestido é horrível, calças são a melhor opção”. O que mais a entristecia era, segundo a própria Chanel, o fato de que 70% das senhoras usavam calças em um jantar. “É algo muito triste”, declarou. A próxima pergunta, feita na entrevista pela jornalista Micheline Sandrel, foi: “Você não acha que ela [a calça] fica bem em todas as mulheres?” ao que Chanel respondeu: “Não, não. [Calças] combinam com pessoas muito jovens. Depois de uma certa idade, parece que só as usam para parecerem mais jovens”.
Na mesma entrevista, Chanel disse que estava vivendo em um período estranho, onde mulheres estavam tentando se transformar no outro sexo, querendo ser homens; e disse, como se estivesse dando um aviso, que “vestir calças não altera seu rosto”. Em outro momento ela afirmou que teve “de brigar durante dois anos com todos os estilistas por causa dos vestidos curtos” porque os considerava indecentes. “Eu não sou desta época. (...) Eu acho que quando a gente mostra tudo, depois não se tem mais vontade de nada”.
O FIM
Coco Chanel trabalhou em uma nova coleção até o dia 9 de janeiro de 1971, em um sábado. No domingo (dia 10), faleceu em seu quarto no Hotel Ritz, ao lado de Céline, sua criada. Sua última frase teria sido “Está vendo? É assim que se morre”.
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