David
RobsonDa BBC Future
17 novembro 2015
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Quando encontro Nick Middleton pela primeira vez, ele
está cercado por globos terrestres e mapas mostrando os locais mais exóticos do
planeta. Estamos no porão da Stanfords, a maior livraria especializada em
material de viagem em Londres. Mas Middleton está aqui justamente para falar
dos países ausentes da maioria dos livros e mapas à venda na loja.
Ele os chama de
“países inexistentes”, mas embora seus nomes pareçam meio fantasiosos –
Atlantium, Christiania e Elgaland-Vargaland -, todos são lugares de verdade,
ocupados por cidadãos fervorosamente patrióticos.
Nosso
mundo está cheio de regiões que contam com o “perfil” de um país: população
fixa, governo, bandeira e moeda. Alguns até emitem passaportes. No entanto, por
uma série de razões, tais regiões não têm direito à representação na ONU e são
ignoradas pela maioria dos mapas. Middleton, geógrafo da Universidade de
Oxford, mapeou essas terras escondidas como parte do livro Atlas de Países que Não Existem.
Ao folhear as
páginas, a impressão é de entrada num mundo paralelo, com histórias e culturas
vibrantes e ricas, porém esquecidas. Esse mundo paralelo tem até uma Copa do
Mundo particular.
Conceitos
A
ideia para o projeto veio enquanto Middleton lia o clássico infantil As Crônicas de Nárnia para a filha – em que a ação
se passa em um mundo escondido atrás de um guarda-roupa. Ele teve uma epifania.
“Não precisava de mágica para visitar um país ‘que não existe’ aos olhos de
outras nações. Só não sabia que existiam tantos. Poderia ter escrito vários
livros”, explica o geógrafo.
Middleton conta que
não existe uma regra de ouro para definir o que é um país. Há quem cite a
Convenção de Montevidéu, de 1933: para se tornar um país, uma região precisa
ter território definido, população permanente, um governo e a capacidade de
estabelecer relações diplomáticas com outros países.
No entanto, muitos
locais que atendem a tais exigências não são membros da ONU, o que se considera
uma espécie de selo de aprovação para a existência de um país. Taiwan é um exemplo. Até 1971, a ilha, que
se declarou como nação após forças nacionalistas perderem a Guerra Civil
chinesa para o Mao Tsé-tung e o Partido Comunista, tinha assento na Assembleia
Geral. Perdeu-o para a República Popular da China.
O próprio Reino Unido é um caso estranho. A lei
britânica considera Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte
Estados individuais. Todos têm times de futebol e rúgbi próprios, por exemplo.
Mas o assento na ONU é o mesmo. “Sob esse quesito, por exemplo, a Inglaterra não
é um país”, afirma Middleton.
Mas o geógrafo
preferiu se concentrar em regiões que se encaixam na definição de Montevidéu. A
lista conta com alguns nomes familiares para o público – Taiwan, Tibete,
Groenlândia e Chipre do Norte -, mas também traz localidades mais obscuras e
nem por isso menos sérias.
Middleton, por
exemplo, discute os exemplos de populações indígenas buscando a recuperação de
sua soberania. E um dos casos mais impressionantes, segundo ele, é a República
de Lakotah. Com população de 100 mil habitantes e encravada na região central
dos EUA, a república é uma tentativa de retomada das Colinas Negras pela tribo
Lakota Sioux.
A causa teve início
no século 18, e em 1868 os Sioux tinham assinado um acordo com o governo
americano, que inclusive prometera posse indefinida das colinas. Porém, os
índios não contavam com a descoberta de ouro na região, o que fez o governo
esquecer rapidamente do compromisso enquanto garimpeiros de todos os cantos dos
EUA invadiam a região.
Os Lakota precisaram
esperar outro século para receber um simples pedido de desculpas. Em 1998, a
Suprema Corte Americana julgou o caso como um dos mais desonestos negócios na
história do país e determinou indenização de US$ 600 milhões. Os Lakota, porém,
recusaram o dinheiro.
“Os índios dizem que
aceitar o dinheiro seria dizer sim para um crime”, explica Middleton.
Em vez disso, em
2007 uma delegação foi até Washington declarar sua “saída dos EUA”, e desde
então os Lakota têm buscado sua independência na Justiça.
Batalhas similares
ocorrem em praticamente todos os continentes. Na África, por exemplo, há o caso
de Barotselândia, um reino com população de 3,5 milhões (de pessoas) que busca
se separar de Zâmbia, e da Ogonilândia, que almeja a secessão da Nigéria. Ambas
declararam independência em 2012.
Na Oceania, a
República de Murrawarri foi fundada em 2013 por uma tribo aborígene que
escreveu para a rainha Elizabeth 2ª (a Austrália ainda tem a Coroa Britânica
como chefe de Estado) intimando-a a provar sua legitimidade sobre suas terras.
Quando o prazo de 30 dias para uma resposta se esgotou, os Murrawarri se
declararam “livres”.
Porém, nem todos os
países no livro têm raízes históricas tão profundas. Volta e meia há casos de
nações estabelecidas por indivíduos excêntricos buscando, digamos, o que
consideram justiça. Middleton cita Hutt River, na Austrália, um “principado”
fundado em 1970 por uma família de fazendeiros buscando escapar das cotas de
produção de grãos estabelecidas pelo governo federal. Logo tinham criado
títulos de nobreza, moeda própria e mesmo um serviço postal.
“Contam com uma
venda de selos que vai de vento em popa”, conta o geógrafo britânico.
Depois de décadas de
bate-boca com o governo australiano, Hutton River, que fica na costa oeste da
Austrália, a 517km de Perth, conseguiu ao menos independência fiscal da
Austrália.
Na
Europa, há Forvik, uma ilhota no arquipélago das Shetland que virou um Estado
fundado por um inglês buscando mais transparência na política. Há ainda
Sealand, fundada em uma antiga plataforma marítima no Atlântico Norte, e
Cristiânia, um enclave hippie em plena capital dinamarquesa, Copenhague.
Cristiânia foi fundada por um grupo de squatters que
ocuparam um alojamento militar abandonado no centro da cidade, em 1971, e no
mesmo ano se declararam independentes da Dinamarca.
Desde então, o
governo do país escandinavo tem feito vista grossa para atividades do enclave:
uma delas o consumo de maconha, legal em Cristiânia mas proibido no resto do
país.
Middleton também
argumenta no livro que a dificuldade de definir o que é um país pode abrir
espaço para que o conceito de Estado-nação seja repensado. Cita o caso da
Antártida, continente que é compartilhado de forma pacífica pela comunidade
internacional, sem ser “fatiado” formalmente. E o atlas de Middleton conta com
dois exemplos mais radicais.
Atlantium é um país
cuja capital, Concórdia, fica em uma província remota da Austrália – mais
ocupada por cangurus que pessoas. Mas se trata apenas do centro administrativo:
o país é “não-territorial”, o que significa dizer que qualquer um pode se
tornar um cidadão. “Em uma era em que as pessoas são cada vez mais unidas por
interesses e propósitos comuns fora das fronteiras convencionais, Atlantium
oferece a alternativa para a prática discriminatória histórica de distribuir
nacionalidades para indivíduos sob a forma acidental de nascimentos ou
circunstâncias”, diz o site do país.
Uma coisa é certa: o
mundo que conhecemos está em constante mutação, segundo Middleton. “Ninguém da
minha época um dia imaginou que a União Soviética iria se fragmentar”, lembra.
Em um futuro distante, todos os territórios que conhecemos podem eventualmente
se tornar um país que não existe.
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