Desastre ecológico
Responsável por monitorar impacto de
mineração em Minas descreve prejuízos ambientais
Ele diz que não há como retirar rejeitos e
alerta que chuvas podem piorar situação
HELOÍSA MENDONÇA São Paulo
Para El País – O Jornal Global
Homem carrega caixão de
Emanuele, 5, vítima da tragédia. / RICARDO
MORAES (REUTERS)
Em entrevista, ele afirmou que a mineração precisa ser reinventada: "Não podemos continuar pensando que
podemos fazer modelos do século XVIII em situações do século XXI".
Pergunta. Qual a dimensão do estrago
ambiental causado pelo rompimento das barragens?
Resposta. É de uma magnitude que eu
diria imensurável a princípio. Há várias situações. A extensão do dano é tal que estamos com a lama
chegando na foz do Rio Doce, no Estado do Espírito Santo, a mais de 500 km do local do rompimento
da barragem. A avalanche de lama rompeu e despejou cerca de 62 milhões de
metros cúbicos de rejeitos. Apesar dessa lama não ter aparentemente uma
composição tóxica do ponto de vista químico, a densidade por si é altamente
impactante, porque ela foi fazendo um tsunami de rejeitos que por todos os
lugares em que passou devastou, matou e impactou. Uma mesma onda produziu três
efeitos. Ela devastou, já que arrebentou tudo que viu pela frente, ela impactou
porque se consolidou, não foi passageira, se espalhou ao longo de todo esse
trajeto. Ela praticamente produziu os três efeitos simultaneamente.
As
comunidades que estavam no caminho perderam seu meio de vida, pequenos
agricultores tiveram as fazendas devastadas
P. E como fica o ecossistema?
R. A onda foi pavimentando o
trajeto, porque aquilo é uma massa com certa densidade, não é essa lama de
enchente que é mais rala, ela tem densidade e uma liga, dessa forma foi
pavimentando onde passou. Ela ocupou tanto o leito do curso d’água como as
margens. Dependendo da região, chegou a uma faixa de 50 a 100 metros para além
da borda do rio. As comunidades que estavam no caminho perderam todas as suas
propriedades, perderam seu meio de vida, porque tinham pequenos agricultores que tiveram as fazendas
devastadas, sem contar todo o prejuízo do ecossistema que substituído. Imagina
que o ecossistema aquático foi totalmente ocupado por esse material de
rejeitos.
P. E qual situação dos rios da
região?
R. Essa tsunami toda chegou
rapidamente aos rios. A lama saiu de um afluente, que era o Guaxalu , passou
para o Rio do Carmo e atingiu o Doce que é o rio
principal, que
configura a bacia. Então foi descendo rio abaixo, trazendo outros efeitos,
matando todos os peixes já que a densidade da lama retirou o oxigênio da água.
Há cenas chocantes de peixes pulando para fora da água. Um quadro absolutamente
tétrico, horrível, inimaginável. O rio Doce tinha uma biodiversidade bem
diversificada, cerca de 80 espécies diferentes. Todos os sistemas se
interligam, tem espécie no fundo do rio outro debaixo de pedra, isso foi tudo
alterado, são danos imensuráveis, porque o que perdeu em cada metro que a onda
passou é absurdo, você perdeu e terá um reflexo na qualidade e quantidade da
diversidade aquática que sobreviveu.
P. Há uma previsão de
recuperação do rio Doce?
R. No caso do rio Doce, como
ele é maior, como tem outros afluentes, isso ajuda na recuperação. Acho que em
10 anos talvez ele consiga ter um padrão melhor, mas mesmo assim, dada a
dimensão, ainda é uma estimativa que não vai ter como medir.
P. E as comunidades
ribeirinhas qual a extensão do dano?
R. Todas as comunidades também
ao longo do curso da água tiveram seu abastecimento comprometidos. Quanto mais
próximo do rompimento, maior o comprometimento. Essas comunidades vão ficar sem
água potável por um tempo que a gente ainda não dá para calcular. Como a
intensidade foi diminuindo ao longo do percurso, existe uma tendência que o rio
Doce em alguns pontos melhore essa qualidade de uma forma mais rápida. Talvez
no prazo de uma semana a água possa ser tratada e distribuída para a população.
Mas, em compensação, esse material foi todo sedimentando ao longo do rio. E
essa situação pode piorar no próximo período das chuvas, já que grande parte do
material que foi despejado pela lama de resíduos vai ser levado para dentro do
rio, contribuindo de uma forma absolutamente incalculável para o assoreamento
do rio Doce, de importância nacional que esse ano já teve dificuldade para
conseguir chegar até a foz nesse época de seca.
P. Ou seja a chuva criaria uma
nova enxurrada de lama?
R. Sim, pois a chuva vai lavar
tudo que está pavimentado. Dessa forma, o monitoramento das águas do rio Doce
terão que ser muito frequentes para garantir a qualidade da água e a saúde das
pessoas que moram no entorno da região.
P. Há alguma possibilidade de
retirar essa lama concretada antes do período chuvoso?
R. Sem chance. Imagina tirar
62 milhões de metros cúbicos de resíduos que se espalharam numa distância de
mais de 100 km? Não há como retirar esse material, nem para onde levar. Como
isso foi feito ao longo do rio, há lugares que você nem tem acesso. A realidade
é que tivemos danos ambientais irreparáveis. Quem vê dá televisão não tem
dimensão da real situação do que foi essa situação. Esses danos são
irreversíveis. Podemos dizer que 80% do que foi danificado lá é
perda, não há
como pensar em um plano de recuperação ambiental. Não existe. Esse acidente vai
ficar para sempre na história de Minas, será sempre uma cicatriz da questão
ambiental do Estado e um alerta para que realmente a gente faça uma gestão
ambiental comprometida com a vida e com o meio ambiente. A economia é importante para gerar riqueza, mas ela
não tem juízo. Se nós não começarmos a ter mais juízo nessas práticas que a gente
faz, nós não vamos ter salvação. Imagina o custo disso além das perdas de vida,
de ecossistema, o próprio custo econômica para todos, inclusive para o próprio
Estado, é absolutamente impensável você continuar fazendo uma gestão temerária
como temos feito no meio ambiente ao longo da história.
A situação
pode piorar no período das chuvas, contribuindo de uma forma
incalculável para o assoreamento do rio Doce
P. Na sua opinião falta
fiscalização no setor?
R. Nos últimos 14 anos, já
tivemos cinco rompimentos de barragens de magnitude não tão grande como essa,
mas que foram impactantes. O que mostra que o nosso sistema está equivocado.
Primeiro de tudo temos que entender que isso não foi uma fatalidade, não
foi terremoto, cataclismo, isso diz de um projeto. E projetos são de responsabilidade da empresa, isso diz da empresa e da
falta de monitoramento do Estado. Falta fiscalização, sim. Imagina em um
desastre dessa proporção não havia nenhum plano de contingência, sequer um
alarme. Se não fosse por pessoas heroicas anônimas que saíram correndo e
avisando sobre o rompimento das barragens, o número de vítimas seria
absolutamente maior. Se tivesse acontecido às 4h da manhã então, o efeito dessa
tragédia teria quintuplicado. Isso diz muito de uma insustentabilidade
ambiental no Estado. Isso desmascara, fala contra tudo aquilo que aparentemente
se tenta produzir de propaganda e efeito. Mas um acidente desse porte não
existe apenas uma causa, o que tem é uma cadeia de causas. O evento final pode
ter sido uma fissura na barragem, mas começa lá trás, no planejamento, no
modelo de mineração, no monitoramento e na fiscalização, tudo equivocado. Um
conjunto de fatos tem que ser esclarecidos para que Mariana não seja apenas
mais um quadro na parede. Ou começamos outro modelo ou vamos continuar
enterrando biodiversidades, pessoas e histórias.
P. E como mudar esse
modelo do qual várias cidades são tão dependentes?
R. A mineração precisa ser reinventada. Já há tecnologias novas e é preciso
entender que não se pode minerar em qualquer lugar. Mas acima de tudo, não
podemos continuar pensando que podemos fazer modelos do século XVIII em
situações do século XXI.
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