Ensaio
Colaboração de Fernando
Alcoforado*
Ao longo da
história da humanidade, os detentores do poder sempre se utilizaram do aparelho
repressivo (polícia e justiça) para a manutenção da ordem política e social
vigente. Quem detém o poder do estado usa o aparelho repressivo do estado em
benefício da classe dominante na esfera social. Eles exercem sua dominação
sobre o conjunto da sociedade não apenas pelo uso da força, mas também pelo uso
da ideologia para manter o sistema econômico dominante. É preciso admitir a
existência de uma realidade que não se confunde com o aparelho repressivo de
estado: são os aparelhos ideológicos de estado. A função dos aparelhos
repressivos do estado é não só a de manter as condições políticas da reprodução
das relações sociais de produção, mas também manter, pela repressão, as
condições políticas do exercício dos aparelhos ideológicos do estado.
A diferença
básica entre os aparelhos repressivos de estado (ARE) e os aparelhos
ideológicos de estado (AIE) é a de que os ARE utilizam-se predominantemente da
força, da violência, para atingirem seus objetivos. Já os AIE utilizam
predominantemente a ideologia para manter sua dominação sobre a mente dos
indivíduos. Os AIE trabalham, portanto, para condicionar a mente das pessoas.
Segundo Althusser (ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 6ª Ed.
Rio de Janeiro: Graal, 1985), são integrantes dos AIE, dentre outros, o sistema
de diferentes igrejas, o sistema escolar (tanto público quanto privado), o
sistema familiar, o sistema jurídico, o sistema político, o sistema sindical, o
sistema de informação e o sistema cultural. Outra diferença entre os ARE e AIE
está na maneira de atuação. Os ARES utilizam-se da repressão e coerção,
enquanto os AIE utilizam-se da ideologia. Enquanto os ARE são totalmente
públicos, grande parte dos AIE pertence ao domínio privado. Isto não significa
dizer que exista alguma diferença entre AIE públicos e privados: ambos
funcionam como aparelhos ideológicos de estado.
São os
aparelhos ideológicos do estado que garantem a mais efetiva reprodução das relações
sociais de produção. É aí que a ideologia da classe dominante funciona. Os
aparelhos ideológicos de estado sempre estiveram presentes em todas as
sociedades desde a Antiguidade até a era contemporânea. Na Idade Média, o
principal AIE era a Igreja Católica, que tinha funções não só religiosas, mas
também educacionais, além de uma boa parte das funções de informação e de
cultura. Durante o século XIX, com a progressiva separação entre Estado e
Igreja, surgiram novos AIE: a escola e a mídia. Na escola, além de ler e
escrever, são aprendidas também as regras do "bom comportamento", ou
seja, aprende-se a ser submisso à ordem vigente, fazendo com que as pessoas
sejam submissas em relação à ideologia dominante. Estes AIE são os que mais
influenciam no momento, pois é a escola quem dá formação a todas as pessoas,
independentemente de classe social, desde o maternal até a universidade e a
mídia condiciona também o comportamento das pessoas, sobretudo através da TV.
Portanto, é por meio da educação e da mídia que a reprodução das relações
sociais de produção ocorre no momento.
É no totalitarismo onde o aparelho repressivo
e o aparelho ideológico de estado são utilizados em sua plenitude. Pode-se
afirmar que o principal traço do totalitarismo é exercer o controle da mente
dos indivíduos através dos aparelhos ideológicos de estado. A primeira
experiência de totalitarismo no mundo ocorreu com a Igreja Católica no 2 século
II DC quando surge a necessidade de exercer seu poder com o controle do
pensamento dos indivíduos que foi se aprimorando até chegar à Inquisição no
século XII. Esta é a tese fundamental do livro The New Inquisitions:
Heretic-Hunting and the Intellectual Origins of Modern Totalitarism de Arthur
Versluis, professor do Departamento de Estudos da Religião da Michigan State
University cuja resenha está disponível no website . Neste livro, Arthur
Versluis localiza no século II DC as origens do totalitarismo moderno e das
práticas de controle do pensamento com a institucionalização da Igreja Católica
e o surgimento da ortodoxia que iria identificar heresias e hereges. Pela
primeira vez surge na história da humanidade a necessidade do controle do
pensamento por meio de uma forma de Poder. Além de exercer a repressão, as
estratégias políticas de dominação passaram a ter necessidade de reprimir por
diversos instrumentos qualquer pensamento divergente da norma. Essa é a origem
das modernas formas de totalitarismo como o fascismo, o nazismo e o capitalismo
neoliberal globalizado na era contemporânea.
O totalitarismo
ressurgiu no século XX na Itália, na Alemanha, na União Soviética e em outros
países (China, países do Leste da Europa, Coreia do Norte, Espanha, Portugal,
Cuba, etc). O totalitarismo do século XX diz respeito ao tipo de governo onde
um único indivíduo ou partido passa a controlar as diversas instâncias do
Estado e da sociedade. Ao mesmo tempo, esse tipo de regime define um tipo de
relação em que o governo tem grande poder de intervenção na vida de seus
cidadãos. No campo político, o totalitarismo do século XX não aceitava a
existência de múltiplas orientações político-partidárias. Por isso, os regimes
totalitários preferiam reconhecer a presença de um único partido. Na economia,
o Estado totalitário planejava e controlava a atividade econômica. De forma
geral, as empresas estatais tinham grande presença econômica e atuavam
essencialmente em setores de infraestrutura e da indústria de base e
tecnológica.
O Estado
totalitário do século XX impediu o exercício das liberdades civis. As forças de
controle policial utilizavam de violência, perseguição política, prisão
sumária, tortura física e psicológica para dissolver qualquer tipo de
manifestação que pusesse em risco a hegemonia do regime. Além de utilizar da
força, intervir na economia e assumir todos os papéis do Estado, o
totalitarismo do século XX também exerceu o controle ideológico para obter o
apoio de todos os indivíduos. Para exercer o controle ideológico, o Estado
totalitário costumava utilizar os meios de comunicação para propagandear suas
ideias. De modo geral, os países que passaram por regimes totalitários no
século XX seguiram ideais patrióticos e ufanistas exacerbados, conviveram com a
grandiosa propaganda estatal e a censura e, testemunharam a militarização da
sociedade.
No século
XXI, na era contemporânea de globalização econômica e financeira, surge o
totalitarismo moderno, abarcando todo o planeta. O sistema capitalista
neoliberal dominante se define pela onipresença de sua ideologia mercantil que
ocupa ao mesmo tempo todo o espaço e todos os setores da vida. Esta ideologia
não diz nada mais do que: produza, venda, consuma e acumule! Ela reduziu todas
as relações humanas em relações mercantis e considera nosso planeta como uma
simples mercadoria. O dever que nos impõe é o trabalho servil. O único direito
que ele reconhece é o direito a propriedade privada. O único deus que ele adora
é o dinheiro. A onipresença da ideologia, o culto ao dinheiro, o partido único
disfarçado de pluralismo parlamentar, a 3 ausência de uma oposição visível e a
repressão sob todas as formas contra a vontade de transformar o homem e o
mundo. Eis o verdadeiro rosto do totalitarismo moderno que chamamos “democracia
liberal” que, porém, é necessário chamá-la pelo seu verdadeiro nome: sistema
mercantil totalitário. O homem, a sociedade e o conjunto de nosso planeta estão
a serviço desta ideologia.
O sistema
mercantil totalitário realizou o que nenhum totalitarismo conseguiu fazer
antes: unificar o mundo à sua imagem. Hoje já não existe exílio possível. O que
acaba de ser descrito nos parágrafos acima deixa evidenciada a necessidade
imperiosa de combater em escala planetária o globalizado totalitarismo moderno
que demonstra ser o maior inimigo de todos os povos do mundo. Um fato é
indiscutível: sem a derrocada do totalitarismo moderno em escala nacional e
global, não serão superados os problemas que afetam o ser humano em cada país
isoladamente.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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