terça-feira, 17 de novembro de 2015

O TOTALITARISMO AO LONGO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Ensaio




Colaboração de Fernando Alcoforado*


Ao longo da história da humanidade, os detentores do poder sempre se utilizaram do aparelho repressivo (polícia e justiça) para a manutenção da ordem política e social vigente. Quem detém o poder do estado usa o aparelho repressivo do estado em benefício da classe dominante na esfera social. Eles exercem sua dominação sobre o conjunto da sociedade não apenas pelo uso da força, mas também pelo uso da ideologia para manter o sistema econômico dominante. É preciso admitir a existência de uma realidade que não se confunde com o aparelho repressivo de estado: são os aparelhos ideológicos de estado. A função dos aparelhos repressivos do estado é não só a de manter as condições políticas da reprodução das relações sociais de produção, mas também manter, pela repressão, as condições políticas do exercício dos aparelhos ideológicos do estado.

A diferença básica entre os aparelhos repressivos de estado (ARE) e os aparelhos ideológicos de estado (AIE) é a de que os ARE utilizam-se predominantemente da força, da violência, para atingirem seus objetivos. Já os AIE utilizam predominantemente a ideologia para manter sua dominação sobre a mente dos indivíduos. Os AIE trabalham, portanto, para condicionar a mente das pessoas. Segundo Althusser (ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985), são integrantes dos AIE, dentre outros, o sistema de diferentes igrejas, o sistema escolar (tanto público quanto privado), o sistema familiar, o sistema jurídico, o sistema político, o sistema sindical, o sistema de informação e o sistema cultural. Outra diferença entre os ARE e AIE está na maneira de atuação. Os ARES utilizam-se da repressão e coerção, enquanto os AIE utilizam-se da ideologia. Enquanto os ARE são totalmente públicos, grande parte dos AIE pertence ao domínio privado. Isto não significa dizer que exista alguma diferença entre AIE públicos e privados: ambos funcionam como aparelhos ideológicos de estado.

São os aparelhos ideológicos do estado que garantem a mais efetiva reprodução das relações sociais de produção. É aí que a ideologia da classe dominante funciona. Os aparelhos ideológicos de estado sempre estiveram presentes em todas as sociedades desde a Antiguidade até a era contemporânea. Na Idade Média, o principal AIE era a Igreja Católica, que tinha funções não só religiosas, mas também educacionais, além de uma boa parte das funções de informação e de cultura. Durante o século XIX, com a progressiva separação entre Estado e Igreja, surgiram novos AIE: a escola e a mídia. Na escola, além de ler e escrever, são aprendidas também as regras do "bom comportamento", ou seja, aprende-se a ser submisso à ordem vigente, fazendo com que as pessoas sejam submissas em relação à ideologia dominante. Estes AIE são os que mais influenciam no momento, pois é a escola quem dá formação a todas as pessoas, independentemente de classe social, desde o maternal até a universidade e a mídia condiciona também o comportamento das pessoas, sobretudo através da TV. Portanto, é por meio da educação e da mídia que a reprodução das relações sociais de produção ocorre no momento.

 É no totalitarismo onde o aparelho repressivo e o aparelho ideológico de estado são utilizados em sua plenitude. Pode-se afirmar que o principal traço do totalitarismo é exercer o controle da mente dos indivíduos através dos aparelhos ideológicos de estado. A primeira experiência de totalitarismo no mundo ocorreu com a Igreja Católica no 2 século II DC quando surge a necessidade de exercer seu poder com o controle do pensamento dos indivíduos que foi se aprimorando até chegar à Inquisição no século XII. Esta é a tese fundamental do livro The New Inquisitions: Heretic-Hunting and the Intellectual Origins of Modern Totalitarism de Arthur Versluis, professor do Departamento de Estudos da Religião da Michigan State University cuja resenha está disponível no website . Neste livro, Arthur Versluis localiza no século II DC as origens do totalitarismo moderno e das práticas de controle do pensamento com a institucionalização da Igreja Católica e o surgimento da ortodoxia que iria identificar heresias e hereges. Pela primeira vez surge na história da humanidade a necessidade do controle do pensamento por meio de uma forma de Poder. Além de exercer a repressão, as estratégias políticas de dominação passaram a ter necessidade de reprimir por diversos instrumentos qualquer pensamento divergente da norma. Essa é a origem das modernas formas de totalitarismo como o fascismo, o nazismo e o capitalismo neoliberal globalizado na era contemporânea.

O totalitarismo ressurgiu no século XX na Itália, na Alemanha, na União Soviética e em outros países (China, países do Leste da Europa, Coreia do Norte, Espanha, Portugal, Cuba, etc). O totalitarismo do século XX diz respeito ao tipo de governo onde um único indivíduo ou partido passa a controlar as diversas instâncias do Estado e da sociedade. Ao mesmo tempo, esse tipo de regime define um tipo de relação em que o governo tem grande poder de intervenção na vida de seus cidadãos. No campo político, o totalitarismo do século XX não aceitava a existência de múltiplas orientações político-partidárias. Por isso, os regimes totalitários preferiam reconhecer a presença de um único partido. Na economia, o Estado totalitário planejava e controlava a atividade econômica. De forma geral, as empresas estatais tinham grande presença econômica e atuavam essencialmente em setores de infraestrutura e da indústria de base e tecnológica.

O Estado totalitário do século XX impediu o exercício das liberdades civis. As forças de controle policial utilizavam de violência, perseguição política, prisão sumária, tortura física e psicológica para dissolver qualquer tipo de manifestação que pusesse em risco a hegemonia do regime. Além de utilizar da força, intervir na economia e assumir todos os papéis do Estado, o totalitarismo do século XX também exerceu o controle ideológico para obter o apoio de todos os indivíduos. Para exercer o controle ideológico, o Estado totalitário costumava utilizar os meios de comunicação para propagandear suas ideias. De modo geral, os países que passaram por regimes totalitários no século XX seguiram ideais patrióticos e ufanistas exacerbados, conviveram com a grandiosa propaganda estatal e a censura e, testemunharam a militarização da sociedade.

No século XXI, na era contemporânea de globalização econômica e financeira, surge o totalitarismo moderno, abarcando todo o planeta. O sistema capitalista neoliberal dominante se define pela onipresença de sua ideologia mercantil que ocupa ao mesmo tempo todo o espaço e todos os setores da vida. Esta ideologia não diz nada mais do que: produza, venda, consuma e acumule! Ela reduziu todas as relações humanas em relações mercantis e considera nosso planeta como uma simples mercadoria. O dever que nos impõe é o trabalho servil. O único direito que ele reconhece é o direito a propriedade privada. O único deus que ele adora é o dinheiro. A onipresença da ideologia, o culto ao dinheiro, o partido único disfarçado de pluralismo parlamentar, a 3 ausência de uma oposição visível e a repressão sob todas as formas contra a vontade de transformar o homem e o mundo. Eis o verdadeiro rosto do totalitarismo moderno que chamamos “democracia liberal” que, porém, é necessário chamá-la pelo seu verdadeiro nome: sistema mercantil totalitário. O homem, a sociedade e o conjunto de nosso planeta estão a serviço desta ideologia.

O sistema mercantil totalitário realizou o que nenhum totalitarismo conseguiu fazer antes: unificar o mundo à sua imagem. Hoje já não existe exílio possível. O que acaba de ser descrito nos parágrafos acima deixa evidenciada a necessidade imperiosa de combater em escala planetária o globalizado totalitarismo moderno que demonstra ser o maior inimigo de todos os povos do mundo. Um fato é indiscutível: sem a derrocada do totalitarismo moderno em escala nacional e global, não serão superados os problemas que afetam o ser humano em cada país isoladamente.


* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).

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