terça-feira, 17 de novembro de 2015

VINICIUS: ARTISTA DA IMPERFEIÇÃO

Literatura







Publicado por Ronaldo Junior

é carioca, tem 19 anos, é bacharelando em Direito e escritor acadêmico da Academia Pedralva Letras e Artes, da cidade de Campos dos Goytacazes-RJ.


Exalando poesia, o poeta da paixão, Vinicius de Moraes, é um retrato do Rio de Janeiro em seus amores e contradições, retrato da fascinação que causa naquele que conhece sua obra. Analisando músicas, poemas e citações, Vinicius é revelado em talento e boemia.

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Um poeta nasce nas tantas faces de um homem, o qual tem na arte seu vício contumaz. Não há a pretensão de falar da vida deste que é - conjugado no presente, no reverberante eco de sua obra -, nas palavras de Drummond, "o único de nós que teve vida de poeta", mas ponderar sobre a poesia que emana de sua memória.
Influenciado por inúmeros poetas estrangeiros, Vinicius tem peculiaridades que o tornam único, salientando que um poeta não surge de outros poetas, mas se torna, apesar de direcionar suas inspirações a diversos autores. Todavia, o fato é que a poesia contida na obra em questão não diz respeito aos versos, mas ao viver intenso que se traduz em letras e melodias, por isso "Como dizia o poeta", de autoria de Tomaso Albioni, Toquinho e Vinicius, é sua própria definição em versos - para citar apenas esta, por enquanto.
Tom Jobim, Vinicius, Manuel Bandeira e Chico Buarque.jpg Tom Jobim, Vinicius, Manuel Bandeira e Chico Buarque
Reflexo disso é o fato de, no momento em que se despe do Vinicius poeta para viver o Vinicius da Música Popular Brasileira, parceiro de Toquinho, Tom Jobim, Baden Powell e outros – sofrendo influências e influenciando -, viver suas tantas mudanças de perspectiva, continuando a viver a poesia plenamente. Na Bossa Nova, foi chamado para cantar, mas desconversou devido à sua “voz horrível”, que, segundo o produtor, era o que desejava: “voz de poeta”, gravando o sucesso de sua autoria “Pela luz dos olhos teus”, que o levou a fazer apresentações em boates no Rio, dedicando-se ao talento vocal num grupo marcado pela peculiaridade em estilo próprio, explorando, categoricamente, a música como poesia.
Exatamente por sua irreverência, Vinicius foi um músico que marcou época com a autoria de grandes sucessos, notadamente vindos de inspirações rotineiras. Exemplo disso é “Garota de Ipanema”, composta em 1962, em parceria com Tom Jobim. É uma canção que salienta o amor de Vinicius pelas mulheres e, sobretudo, seu poder de transformar encanto em poema: não é um paquerador qualquer, mas um que pondera, introspectivo, e compõe uma “doce bobagem de verão”, no dizer de José Castello, “mas é essa leveza, esse descompromisso, essa gratuidade, heranças dos tempos sábios da Bossa Nova, que a transformam num sucesso internacional”.
A literatura, que possui marco inicial em sua juventude, traz influências familiares, valendo ressaltar que a poesia veio no sangue. Num primeiro momento, possui forte cunho religioso, sendo uma oração seu primeiro poema, “Transfiguração da montanha”, publicado no jornal católico A Ordem, marcando sua primeira fase poética, nitidamente mística e abstrata; nas palavras do biógrafo José Castello, Vinicius "começa com um voto de resignação ao desconhecido, ao obscuro, ao vazio".
Vinicius e sua última esposa, Gilda de Queirós Mattoso.jpg Vinicius e sua última esposa, Gilda de Queirós Mattoso
Assim, entregando-se aos amores que se propagavam por seus versos, Vinicius inaugura sua segunda fase, transitando do místico para o amoroso, exalando a paixão pela mulher e, sobretudo, exaltando o amor de amante, de marido, de amigo, de filho, como se vê em seu “Poema para todas as mulheres”. É, de longe, sua fase mais marcante, em versos subjetivos repletos de desejo.
Desejo notado na devoção com que se casou nove vezes, na intensidade dos versos da já referida letra de "Como dizia o poeta": "mesmo o amor que não compensa / é melhor que a solidão", em busca da completude eterna em sua efemeridade, da mulher que supre sua paixão, seus desejos e acalanta sua alma pueril.
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Vinicius se fazia na imperfeição, na consciência de sua incompletude e, sobretudo, na peculiaridade com que via a vida. Não fazia jus ao apelido "Poetinha", dado por um de seus amigos mais íntimos, o cronista Antonio Maria. Logo Vinicius, que tanto gostava dos diminutivos, visto que "nada no diminutivo faz mal", mas, nota-se, traz consigo uma falsa noção de menosprezo, ao contrário do carinho trazido pelo chamamento.
Vinicius "tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e, finalmente, homem bem de seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos", nas palavras do já referido poeta de Itabira-MG, demonstrando suas diversas faces literárias, resultantes de suas inspirações e influências.
Thumbnail image for Com Luis Inacio da Silva no ABC paulista, durante o primeiro de maio de 1979.jpg Com Luis Inácio da Silva no ABC paulista, durante o primeiro de maio de 1979
Em sua terceira fase poética, surge um Vinicius crítico, que evidencia sua preocupação com o social e, portanto, demonstrando seu pensamento antiutópico, repleto de angústias ao pensar no futuro - em meio às privações e retrocessos do golpe de 1964 - ao olhar para sua atualidade, o que reflete em sua postura de fuga dos perigos da realidade para encontrar-se em seus desencontros. Postura presente em “O operário em construção”, símbolo de seus horizontes mais extensos, horizontes daquele operário “que agora ocupa o lugar da mulher, do amor e da morte – tripé sobre o qual ele ergueu sua poesia – é, na verdade, uma imagem disfarçada que o poeta tem de si mesmo”, como uma peça, uma parte, numa grande construção, nas palavras de seu biógrafo.
Sua obra é um reflexo de sua vida repleta de nuances, pelas quais buscava respostas para suas disparidades. Era, de fato, um reflexo da cidade do Rio de Janeiro nas diversas sensações e desequilíbrios que a Cidade Maravilhosa poderia oferecer. Foi um poeta com a instabilidade das ondas do mar, com as desigualdades que ainda hoje permeiam a sociedade, com a musicalidade dos ventos, com a poesia negra do samba, com a alma popular de um eterno folião do carnaval carioca: perfeito em sua imperfeição.
Ao contrário do que se pensa, não é um “poeta carioca”, pois tal título restringe a grandiosidade de seus trabalhos territorialmente. Vinicius é um poeta da vida, poeta da imperfeição. É a encarnação da boemia, com sua postura irreverente, seu linguajar sem formalidades, seu olhar para o mundo “depois do segundo gole”.
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A relação do poeta da paixão com este autor que fala - ciente de suas limitações - caracteriza a ignição do sentir poético, o pensar o verso como uma tradução dos sentimentos que emanam da alma, pois não são as palavras que tornam os homens poetas. É a humanidade. Viver a intensidade da vida em seus momentos e ficções é poético e torna poetas os homens, ao passo que a criação é reflexo do sentir, como conclui Vinicius: "a criação é uma compulsão do homem para imitar Deus. É um ato de inveja. De inveja e de competição no plano do espírito". Então surge a poesia, imitação de Deus, essência da humanidade, “com linhas tortuosas, / incompletas e desencontradas”, como o poema deste que ora fala em prosa, ora fala em verso, baseado no trecho do “Samba da Bênção”, de Vinicius e Baden Powell, “a vida é a arte do encontro / embora haja tanto desencontro pela vida”: "A arte da perfeita imperfeição".
Poeta, compositor, dramaturgo, diplomata, apaixonado pela vida, ator da existência, Vinicius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro-RJ em 19 de outubro de 1913 e faleceu, na mesma cidade, em 9 de julho de 1980, deixando cinco filhos, amigos, amores e fascinação.
Documentário “Vinicius”, sobre a vida e obra de Vinicius de Moraes, dirigido por Miguel Faria Jr. e produzido pela Globo Filmes:



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