Colaboração de Fernando Alcoforado*
Para Wallerstein,
o centro é a área de grande desenvolvimento tecnológico que produz produtos
complexos; a periferia é a área que fornece matérias-primas, produtos agrícolas
e força de trabalho barata para o centro. A troca econômica entre periferia e
centro é desigual: a periferia tem de vender barato os seus produtos enquanto
compra caro os produtos do centro, e essa situação tende a reproduzir-se de
forma automática, quase determinista, embora seja também dinâmica e mude
historicamente. Quanto à semiperiferia trata-se de uma região de
desenvolvimento intermediário que funciona como um centro para a periferia e
uma periferia para o centro como é o caso do Brasil.
A
semiperiferia é caracterizada por Wallerstein como um elemento estrutural
necessário por realizar um papel estabilizador semelhante ao da classe média
dentro da configuração de classes em um país. Assumiria ainda uma função, nos
dizeres de Arrighi, de “legitimação sistêmica”, mostrando à Periferia que
existe a possibilidade de mobilidade dentro da divisão internacional do
trabalho para os que forem suficientemente “capazes” e/ou “bem-comportados”
(ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997).
Segundo Arrighi, a condição semiperiférica é descrita como aquela na qual um
número significativo de Estados nacionais como o Brasil permanece estacionado
de forma permanente entre as condições central e periférica, e que, apesar de
ter passado por transformações sociais e econômicas de longo alcance, continua
relativamente atrasado em aspectos importantes.
Arrighi
afirma que os países mais desenvolvidos do mundo são aqueles integrantes do
núcleo orgânico da economia capitalista mundial, isto é, os países da Europa
Ocidental (Benelux, Escandinávia, Alemanha Ocidental, Áustria, Suíça, França e
Reino Unido), da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), Austrália e Nova
Zelândia. Após a Segunda Guerra Mundial, passaram a integrar este núcleo, o
Japão e a Itália. A tese que vigorava após a Segunda Guerra Mundial de que
seria possível a todas as nações periféricas e semiperiféricas alcançarem o
estágio de elevado nível de desenvolvimento desfrutado pelos países
capitalistas centrais, sobretudo pelos Estados Unidos não se realizou. A partir
da segunda metade do século XX, houve várias tentativas de promoção do
desenvolvimento econômico e social em vários os países do mundo que fracassaram
sejam aquelas nos marcos do capitalismo com o nacional desenvolvimentismo
encetado, por exemplo, no Brasil e aquelas com a implantação do socialismo.
Houve vários sucessos parciais e temporários. Mas exatamente no momento em que
todos os indicadores pareciam rumar na direção ascendente, todos os países
capitalistas periféricos e semiperiféricos, sem exceção, entraram em colapso
durante a 2 década de 1990.
Um fato é
evidente: a transformação de país capitalista periférico ou semiperiférico para
a condição de desenvolvido é bastante difícil de realizar conforme foi
demonstrada por Arrighi em sua obra A ilusão do desenvolvimento. O Japão e a
Itália foram os únicos que saíram da condição de países semiperiféricos para a
de integrantes do núcleo de países desenvolvidos. Devido à importância
geopolítica durante a Guerra Fria, o Japão e a Coréia do Sul conseguiram
escalar para um nível mais alto de desenvolvimento devido ao apoio financeiro
que obtiveram dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo
pelo papel desempenhado pelo Estado nacional na promoção do desenvolvimento. A
Itália conseguiu alcançar o patamar de país desenvolvido graças a uma série de
fatores favoráveis existentes em sua economia e ao papel desempenhado pelo
Estado italiano. A Coréia do Sul foi o único país da periferia do sistema-
mundo capitalista que evoluiu para a condição de semiperiférico.
Wallerstein
recusou o conceito de Terceiro Mundo que caracterizava os países não incluídos
entre os países capitalistas centrais (Primeiro Mundo) e socialistas (Segundo
Mundo), argumentando que existia apenas um mundo articulado por um complexo
sistema de trocas econômicas — uma economia mundial ou sistema mundial —
caracterizado pela acumulação de capital entre estados- nação em concorrência
num equilíbrio sempre ameaçado por fricções internas. Esta abordagem constitui
a teoria do sistema- mundo capitalista formulada por Immanuel Wallerstein que
identifica a origem do sistema mundial moderno na Europa e América do Norte do
século XVI quando se desencadeou um processo de expansão que culminou no
sistema global de trocas econômicas atualmente existentes no planeta. No século
XIX, praticamente todas as regiões do planeta haviam sido incorporados na
economia mundial capitalista.
Pode-se
afirmar que o insucesso na promoção do desenvolvimento econômico e social da
quase totalidade dos países periféricos e semiperiféricos do mundo deve ser
atribuído ao fato de os governos desses países delinearem estratégias para
promover o desenvolvimento nacional dissociado da evolução do sistema- mundo
capitalista. Em sua obra Unthinking Social Science, o sociólogo norte-americano
Immanuel Wallerstein afirma que é preciso rever os paradigmas atuais das
ciências sociais e passar a pensar de outro modo no século XXI. Wallerstein
defende a tese da adoção de um novo referencial teórico-metodológico na ciência
social baseada na análise do sistema mundo capitalista para compreender como
cada sistema nacional está nele inserido a fim de promover seu desenvolvimento
econômico e social. O novo referencial teórico de análise do sistema econômico
de uma nação levando em conta o sistema- mundo capitalista proposto por
Wallerstein se contrapõe ao método atual de enfoque cartesiano que formula o
desenvolvimento do sistema econômico nacional de forma isolada dissociado da
análise da inserção da economia nacional no sistema capitalista mundial.
Portanto,
está explicado o fracasso do nacional desenvolvimentismo e de implantação do
socialismo real que resultou do fato de seus mentores admitirem ter capacidade
de promover o desenvolvimento econômico e social nacional dissociado do sistema
mundo capitalista. Os autores da Teoria da Dependência (André Gunder Frank,
Theotonio dos Santos, entre outros) criticaram em meados do século XX o “mito
do feudalismo na agricultura brasileira”, os “obstáculos externos” ao
desenvolvimento e, também, o "dualismo" estruturalista da CEPAL que
considerava existir no Brasil em oposição duas estruturas: interior estático
(representado pelo latifúndio) x litoral dinâmico (representado pelas
indústrias). Os autores da Teoria da Dependência 3 criticavam, também aqueles
que consideravam que o capitalismo era inviável na periferia do sistema
capitalista mundial afirmando que o desenvolvimento capitalista efetivamente
ocorreria, mas sob a forma do subdesenvolvimento como aconteceu efetivamente no
Brasil. Defendiam, portanto, que a industrialização na América Latina não
apenas era possível e se completaria, como seria necessária ao centro do
capitalismo, mas reforçaria o subdesenvolvimento das economias nacionais, no
que ficou conhecido como "nova dependência" que, de fato, ocorreu no
Brasil.
A
dependência era forjada, portanto, pela divisão internacional do trabalho que
se dá entre países capitalistas centrais cujos capitais centralizam o processo
de acumulação capitalista mundial e possui parques industriais baseados no que
há mais avançado em tecnologia, e países periféricos e semiperiféricos que
exportam mais-valia, são fornecedores de mão-de-obra e recursos naturais
baratos e possuem parques industriais especializados em produtos de baixo valor
agregado e/ou tecnologia. A dependência que era antes marcada pelas trocas
desiguais externas passa a ser exercida pela dependência de tecnologias,
direitos autorais e investimentos diretos externos, o endividamento externo, a
imposição de políticas monetaristas e neoliberais pelos organismos
multilaterais, o envio de remessas de lucros e os fluxos de capitais
especulativos. Nas décadas de 1960 e 1970, as sociedades latino-americanas,
entre elas o Brasil, que já tinham consolidado seu mercado interno e a
internacionalização do capitalismo (fase do capitalismo monopolista, com a
expansão das indústrias multinacionais), indicavam um novo padrão de
dependência que se mantém até hoje.
Depreende-se
pelo exposto que o desenvolvimento nacional autônomo, seja de base capitalista
ou socialista, não terá êxito se for encetado à margem da luta contra o
sistema- mundo capitalista que condiciona o desenvolvimento de todos os países
do mundo. A promoção do desenvolvimento dos países periféricos e
semiperiféricos deve estar articulada, portanto, com a luta contra o
sistema-mundo capitalista que busca manter sua dependência em relação aos
países capitalistas centrais. Isto significa dizer que em escala mundial os
povos de todos os países periféricos e semiperiféricos deveriam se unir no
sentido da construção de uma nova ordem econômica e política mundial que
contribua para reverter a espoliação que sofrem no momento atual realizada
pelos países capitalistas centrais. Sem esta perspectiva, o nacional
desenvolvimentismo e o socialismo como projetos de sociedade estarão fadados ao
fracasso.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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