Publicado por Hugo Honorato
Gosto da frase: “O melhor amigo do homem é o livro”. É através dele que viajo por lugares até então desconhecidos e inóspitos. Seus autores me são generosos em compartilhar comigo sua sapiência, sua experiência, seus sentimentos. Apresento dez livros que mudaram minha maneira de ver o mundo e outros que corroboraram com ela. Poderia apresentar vários, mas por enquanto me limito a esses que me entorpeceram de vida e de espanto com a vida. A arte da literatura: como poderei viver sem ela?
1- Crime e Castigo – Fiódor Dostoiévski
Este livro, para mim, abalou minhas estruturas no campo da ética. Publicado em 1866 é considerada pela maioria dos críticos a obra mais célebre de Dostoiévski. Vou além da crítica e afirmo que é a obra mais impactante e inteligente de toda a literatura. A narrativa da vida de Raskólnikov, jovem estudante com pacos recursos em uma cidade grande, mergulhado em reflexões sobre as desigualdades da sociedade e suas contradições, leva-o a cometer um crime bárbaro por ideologia. Acreditava ele que matar uma usurária era perdoável, pois Napoleão e César mataram centenas de pessoas e foram absolvidos pela história. Matar apenas uma, nada significava. Dostoiévski, com sua narrativa fantástica, me fez mergulhar no interior de Raskólnikov com toda a sua angústia e medo. Senti, quase que literalmente, suas febres nervosas.
2- Fausto – Johann Wolfgang von Goethe
Obra mais famosa deste escritor alemão, O Fausto é a vida retratada como o sonho de todos nós que desejamos, inconscientemente e conscientemente, a infinitude, a beleza, a fortuna, o amor sincero, o conhecimento, a vida vivida mergulhada na paixão e na volúpia. Como disse Hegel, essa obra é a “verdadeira tragédia filosófica absoluta” que abarca a nossa insatisfação na ciência (que não responde todas as nossas questões) e a vivacidade “da vida mundana e dos prazeres terrenos”. Goethe, com essa obra, me conduz ao mundo real dos nossos sentimentos mais imperscrutáveis.
3- A Insustentável leveza do ser – Milan Kundera
A vida é uma soma de acontecimentos absurda e condicionada por escolhas que não se podem revogar. O peso da vida perde seu sentido, pois tudo ocorre apenas uma única vez e, segundo Kundera, sentimos “a intolerável leveza do ser”. O triangulo amoroso entre Thomas, Tereza e Sabina, é a base do romance que ocorre na época da invasão russa a Praga em 1968, transformando radicalmente a vida dos personagens. Milan Kundera apresentou nesta obra, para mim, que a vida é contingência e tudo pode ocorrer para melhorar ou piorar nossa vida. Não temos a capacidade de controlar as circunstâncias, mas podemos agir para que ela volte a nosso favor. Esse romance me fez ver que mesmo em momentos adversos da vida podemos construir momentos felizes e prazerosos.
4- Admirável mundo novo – Aldous Huxley
Li este livro pela primeira vez em meados da década de 90 e reli várias vezes. Escrito em 1932, Huxley, escritor inglês, antevê o progresso das técnicas científicas que produz uma sociedade totalitária totalmente desumanizada, que produz, através de embriões manipulados, os indivíduos desta sociedade. Em uma fábrica são produzidos os trabalhadores por setor, ou seja, há o local que nascerão os engenheiros, outro que nascerão os médicos, professores, garis, etc. Cada indivíduo já nasce com a aptidão manipulada nos seus genes. Os indivíduos deste mundo admirável não terão as doenças e males dos seus ancestrais, porém, a sua individualidade é manipulada “para o bem da sociedade”. Obra que me fez refletir exaustivamente sobre nossa condição de indivíduo com o advento do progresso da ciência.
5- A Metamorfose – Franz Kafka
“Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontra-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Esta é a primeira frase da obra A Metamorfose. Gregor Samsa era um caixeiro viajante arrimo de família que trabalhava, como todos nós, por obrigação. No seu inconsciente ele desejava continuar na cama, quentinha, aconchegante, ao invés de acordar cedo e sair em todas as manhãs sempre gélidas da Alemanha. A forma como Kafka desenvolve o drama, como uma parábola, um conto fantástico e intrigante, me fez observar que Gregor estava saturado com sua vida de escravo do sistema capitalista em que só possuo valor enquanto for produtivo e puder auferir renda. Só serei “alguém” enquanto puder trabalhar. O sistema não perdoa os “inúteis”. Kafka desvela, através da metamorfose de Gregor, o que está encoberto no sistema: a sua desumanização.
6- O Estrangeiro – Albert Camus
O individuo é colocado no mundo e vive sua vida natural, acorda, toma café, vai ao trabalho, trabalha, almoça, volta ao trabalho, trabalha, casa, janta, dorme e vive no hábito o resto da semana. Uma vida normal, como qualquer outra. Mas, “um belo dia, surge o “por quê” e tudo começa a entrar numa lassidão tingida de assombro”. É esta constatação que Camus alude ao personagem Meursault, em o Estrangeiro. Nesta obra Camus personifica o homem absurdo, que vive uma vida simples e se depara com o “por quê” depois de cometer um assassinato e ser condenado à morte. A existência de Meursault nesse mundo continua sem muitas mudanças até o instante em que ele mata um homem. O desenrolar dos acontecimentos, até o assassinato, é tão absurdo que Meursault, depois, não cultiva nenhum sentimento de arrependimento. O conceito de absurdo, em Camus, é o que não tem sentido nem resposta.
7- A morte de Ivan Ilitch – Leon Tolstoi
Ivan Ilitch, personagem do romance A morte de Ivan Ilitch de Leon Tolstoi, vivia indiferente como qualquer outro, que tinha um emprego, uma família, filhos, vícios e se divertia com seus amigos jogando cartas, de vem em quando. Seus amigos ao saberem de sua morte, ficaram um pouco consternados, como é natural, mas sua consternação era de uma naturalidade sarcástica, tendo um efeito de alívio ao pensarem “foi ele quem morreu e não eu”. A morte, então, só existia em Ivan Ilitch, não nos seus amigos. Ivan Ilitch não teve esse alívio quando soube que estava perto de deixar de existir. Tolstoi faz questão de enfatizar que “a história da vida de Ivan Ilitch foi das mais simples, das mais comuns e, portanto, das mais terríveis”. Essa obra faz-me ainda perder o sono, porque ruminar este tema é procurar pela beleza da vida e perceber que devemos viver cada minuto como se desejássemos que nunca passasse.
8- Entre quatro paredes – Jean-Paul Sartre
A famosa frase “O inferno são os outros” pontua esta obra de Sartre, que é uma máxima da filosofia existencialista. O drama ocorre em um único cenário que é um quarto que personifica o inferno. Dentro desse quarto/inferno há apenas três pessoas que estão condenadas a viverem juntas para a eternidade. Confinados na eternidade, Garcin, Inês e Estelle, são seres atormentados pelos seus próprios fantasmas que cada um tenta ressuscitar no outro. Desta forma, o outro incomoda e atormenta, pois é o outro que me julga e a consciência do outro exaspera o ser humano.
9- Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister – J. W. von Goethe
A história de Wilhelm é contada através das aventuras deste jovem, que viaja por povoados e cortes da Alemanha, tendo uma rica convivência com diversos tipos de pessoas e situações. Essa obra inaugura um novo gênero literário mundial que é Bildungsroman, ou romance de formação. Para Goethe, a pessoa necessita, para sua formação, sair de sua inanição existencial e viver inserido no contexto social, arriscando experiências de vida e, com isso, crescer como ser humano.
Karamázov 10- Os Irmãos – Fiódor Dostoiévski
A história se desenvolve em torno de um parricídio. Dostoiévski deseja fazer uma reflexão da sociedade russa há época do século XIX, quando foi instaurado o tribunal do júri. Será que toda evidência é indício e pode ser usado para incriminar, mesmo sem prova cabal? O enredo policial desta obra é apenas um álibi para que o autor transite através de seus personagens, cada um com suas características próprias, na vida da sociedade russa, cheia de medo, ódio, paixão, avareza, e toda espécie de sentimentos verdadeiramente humanos.
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