A arte fotográfica
Publicado por Felipe Gaúcho
O fotógrafo tem a capacidade de transcender a banalidade das
nossas relações cotidianas. De se apaixonar, clique após clique, pela alma
humana, através das duas janelas que cada um ostenta debaixo da testa. Mas nem
o melhor dos retratistas consegue fazer isso sozinho.
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Uma das fotografias mais famosas da série
"Trabalhadores", de Sebastião Salgado.
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O "momento decisivo" ganha certa sacralidade
quando o objeto da lente é o rosto de um outro alguém. Num mundo de velocidades
aceleradas, e relações cada vez mais rasas, o simples encontro entre dois
olhares até então estranhos um ao outro é capaz de catalisar energia suficiente
para transformar um segundo, um dia, uma vida.
O momento sagrado - esse encontro mágico e inédito entre
dois "alguéns" - parece estabelecer uma ponte entre os personagens
que o protagonizam, o que nos faz pensar na fotografia como uma espécie de
travessia, de cruzamento dessa ponte, rumo àquilo que Cartier-Bresson chamava
de a "poesia do mundano, a beleza do ordinário".
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Daqueles olhares que pesam uma tonelada, pela fotógrafa Esther Havens. |
Se a geração Instagram, segundo o psicólogo Daniel Kahneman,
se acostumou a "experimentar o presente como se ele já fosse uma memória
antecipada", talvez esses momentos sejam o remédio de que precisemos para
reaprendermos a apreciar as sutilezas cotidianas que trazem textura e sabor às
nossas rotinas mais e mais atribuladas.
O olhar atento do fotógrafo é capaz de transcender a
banalidade das nossas relações cotidianas. Cria laços, revela ligações, e
arregala a percepção de quem tem a sorte de cair diante de suas lentes.
Fotografar retratos é se apaixonar, clique após clique, pela alma humana,
através das duas janelas que cada um ostenta debaixo da testa. É abençoar o
fotografado com a vida que brota dentro dele mesmo, e que às vezes evapora,
despercebida em meio ao caos. É nutrir a esperança de quem vê as imagens
registradas, mais tarde, e que descobre um mundo outrora obscuro, trazido à
tona pela fé na espécie humana que todo retratista, por via de regra, carrega.
Fotografar é plantar sonhos nos olhos dos outros.
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