quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

FOTOGRAFAR É PLANTAR SONHOS NOS OLHOS DOS OUTROS


A arte fotográfica

Publicado por Felipe Gaúcho


O fotógrafo tem a capacidade de transcender a banalidade das nossas relações cotidianas. De se apaixonar, clique após clique, pela alma humana, através das duas janelas que cada um ostenta debaixo da testa. Mas nem o melhor dos retratistas consegue fazer isso sozinho.

Uma das fotografias mais famosas da série "Trabalhadores", de Sebastião Salgado.
Cartier-Bresson, considerado por muitos como o pai do fotojornalismo, cunhou a expressão "momento decisivo" para se referir à fração de segundo que concentra toda a energia de uma determinada ação. Esse átomo de presente, quando capturado, é capaz de transmitir a essência daquilo que o fotógrafo testemunhou, mesmo que o observador não tenha ideia do que de fato aconteceu antes ou depois do instante registrado em imagem.




O "momento decisivo" ganha certa sacralidade quando o objeto da lente é o rosto de um outro alguém. Num mundo de velocidades aceleradas, e relações cada vez mais rasas, o simples encontro entre dois olhares até então estranhos um ao outro é capaz de catalisar energia suficiente para transformar um segundo, um dia, uma vida.

O momento sagrado - esse encontro mágico e inédito entre dois "alguéns" - parece estabelecer uma ponte entre os personagens que o protagonizam, o que nos faz pensar na fotografia como uma espécie de travessia, de cruzamento dessa ponte, rumo àquilo que Cartier-Bresson chamava de a "poesia do mundano, a beleza do ordinário".

Daqueles olhares que pesam uma tonelada, pela fotógrafa Esther Havens.
Se a geração Instagram, segundo o psicólogo Daniel Kahneman, se acostumou a "experimentar o presente como se ele já fosse uma memória antecipada", talvez esses momentos sejam o remédio de que precisemos para reaprendermos a apreciar as sutilezas cotidianas que trazem textura e sabor às nossas rotinas mais e mais atribuladas.

O olhar atento do fotógrafo é capaz de transcender a banalidade das nossas relações cotidianas. Cria laços, revela ligações, e arregala a percepção de quem tem a sorte de cair diante de suas lentes. Fotografar retratos é se apaixonar, clique após clique, pela alma humana, através das duas janelas que cada um ostenta debaixo da testa. É abençoar o fotografado com a vida que brota dentro dele mesmo, e que às vezes evapora, despercebida em meio ao caos. É nutrir a esperança de quem vê as imagens registradas, mais tarde, e que descobre um mundo outrora obscuro, trazido à tona pela fé na espécie humana que todo retratista, por via de regra, carrega.


Fotografar é plantar sonhos nos olhos dos outros.



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