Literatura: artigo
Publicado por Priscila Fernandes
“... Foi a filosofia que me aproximou do ser humano, e a
tradição oriental que me aproximou de mim mesma.
Descobri que quando olho para dentro posso ver a imensidão
do universo refletido. E que tudo que há é sagrado, essencialmente nada nos
afasta.”
Meus recortes sobre terapias e educação estão no site:
www.sagradohumano.com
Defendendo a sinceridade absoluta, percebi que a hipocrisia
é necessária, mesmo que apenas para superar algo ainda pior: nossa
intolerância.
Eu era defensora irremediável da sinceridade a qualquer
preço, em toda e qualquer situação, independente do resultado, independente dos
envolvidos, e todo resto era sistematicamente taxado como hipocrisia. E nem
estou me referindo a questões sérias, que exigem a verdade como pressuposto
básico, estou falando de situações em que era possível calar sem nenhum
prejuízo (muito pelo contrário, o prejuízo era justamente incorrer no erro de
abrir a boca). Obviamente nunca fui uma pessoa sociável, nem de grande
coleguismo. Sempre achei perda de tempo e de dinheiro essas relações hipócritas
da vida adulta, de falsos sorrisos e disfarces, com relações vazias que
desapareceriam automaticamente no primeiro contratempo.
A grande questão é que a verdade me escapa, invariavelmente.
Quando não falo nada, são minhas expressões que me entregam, ou o olhar, as
caretas. Não bastando, tenho uma forte tendência a expressar mais claramente
quando não gosto de algo, quando estou com raiva, ou impaciente. Então acabo
parecendo muito mais crítica do que gostaria.
Porém, em um momento, cansei tanto do humor ácido que antes
chamava de inteligente, quanto das verdades cuspidas na cara, da arrogância e
das situações embaraçosas, que decidi que um bom e velho “deixa pra lá” cairia
bem. Cheguei ao ponto em que fui convencida de que uma cordialidade vazia era o
suficiente para as relações igualmente vazias, e que isso não seria hipocrisia
nem falsidade, seria apenas um facilitador social.
Já nas relações mais próximas, algumas doses de respeito e
bom senso, talvez tolerância e paciência, qualquer coisa que não tornasse os
encontros como os de família (um ótimo exemplo para explorar essas situações e
exercitar bons modos), tendencialmente desastrosos. Só que essa reflexão está
ocorrendo comigo, e não com toda a família ou a sociedade e, claro, se estou
nessa onda de “tá tudo bem”, as pessoas ao redor estão se lixando para isso. E
observando as relações percebi que é a intolerância que vem mascarada de
sinceridade e que poucas pessoas que conheço se dão ao luxo de calar suas
opiniões e paradigmas em prol de uma convivência razoável.
Tenho colhido frutos inversos, se antes eu causava mal
estar, agora sou eu quem sente-se mal, tentando reverter situações e pisando em
ovos nas complicadas interações humanas. E ainda tenho a expressão facial
incorrigível e o novo péssimo hábito de compartilhar com os envolvidos como me
sinto no meio da relação caótica. O resultado, tão explícito quanto eu, são das
mesmas pessoas insatisfeitas, inclusive comigo, enquanto tento amenizar
intolerâncias alheias. Só que agora me importo. Ver a complexidade de cada
pessoa me trouxe um encantamento para a vida. Sinceramente interessantes esses
seres humanos.
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