Publicado por Helena Novais
“... Sempre fui curiosa e autodidata por consequência. Sempre estive em busca de compreender porque as coisas são como são e sempre me deparei com as diferenças entre aparência e essência, muitas vezes me assustando até o fundo da alma. E nunca estive distante dos livros, suas histórias e seus mistérios. Mais tarde, estudei Comunicação Social. Morri e renasci estudando Filosofia, curso em que me graduei, apenas para concluir que quem mais entende da vida e do mundo... São os poetas!”
O desconforto causado pelo excesso de informações não é um fenômeno tão recente como se imagina. O casal Toffler chamava a atenção para ele em meados da década de 60, já alertando para seus perigos.
Alvin Toffler anda distante dos holofotes. As palavras do homem que nos anos 70 e 80 foi guru de hackers em formação, de futuros publicitários, empresários e governantes, estão soterradas pela avalanche de supérfluos que sufoca tudo e todos. Mas Toffler foi um dos primeiros, ou talvez o primeiro, a chamar a atenção para os efeitos do excesso de informações e para a sensação de caos que hoje nos envolve.
Toffler previa e prevê o futuro. Então ele é astrólogo, cartomante, pai de santo, profeta? Bem... Não. Alvin Toffler nasceu em Nova York, em 1928. Cursou Letras na Universidade daquela cidade, onde conheceu sua esposa, a então estudante de Linguística Heidi Toffler. Juntos eles pesquisam e publicam, desde a década de 60, os resultados de seus estudos numa área que ficou conhecido como Futurologia, ou seja, a ciência que analisando o presente por diferentes perspectivas, identifica tendências de futuro.
O método de pesquisa dos Toffler envolve a análise científica de dados e combinação de informações de áreas distintas como a Economia, a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Psicologia, entre outras. Entre os principais títulos publicados estão Choque do Futuro (1970), Aprendendo Para o Futuro (1974), A Terceira Onda (1980), A Empresa Flexível (1985), Powership, as Mudanças do Poder (1990), Riqueza Revolucionária (2006) e O Futuro do Capitalismo (2012). São seus temas frequentes a sociedade industrial, o avanço científico e tecnológico, a realidade virtual, a vida cotidiana e suas transformações, os nichos de mercado, a sociedade do conhecimento e a acelerações das mudanças.
Em Choque do Futuro (1970), os Toffler chamam a atenção para o ritmo crescente das mudanças e o impacto que viria a causar na sociedade, ou melhor, que já estava causando. Diz Alvin Toffler: “Em 1965, em um artigo na revista Horizons, cunhei a expressão choque do futuro, para descrever a esmagadora tensão e a desorientação a que induzimos os indivíduos quando os sujeitamos a um excesso de mudanças em muito pouco tempo”. Ele explica que tal choque surge da crescente defasagem entre o ritmo de mudanças percebidas no ambiente em que estamos inseridos e a capacidade humana de adaptação. É um fenômeno temporal que tem implicações psicológicas e que é causa de mal-estar, neurose coletiva, irracionalidade e violência. Seria o "choque do futuro" a explicação para tanto ódio que circula nas redes sociais, para a indiferença crescente que marca as relações humanas? Toffler descreve o quadro:
“Tire um indivíduo de sua própria cultura e coloque-o de repente num ambiente totalmente diferente do seu próprio, com um conjunto diverso de pistas para reagir – diferentes concepções de tempo, espaço, trabalho, amor, religião, sexo e tudo mais – e em seguida retire dele qualquer esperança de retornar a uma paisagem social mais familiar, e o deslocamento que ele sofrerá será, sem dúvida, muito grave. E mais, se essa nova cultura está, ela mesma, em constante torvelinho, e se – pior ainda – seus valores se encontram em incessante mudança, o tempo de desorientação será mais ainda intensificado. Recebendo um número muito reduzido de pistas sobre o tipo de comportamento que é racional debaixo de circunstâncias radicalmente novas, a vítima pode muito bem vir a se tornar um problema para si e para os outros. Agora imagine não apenas um indivíduo, mas toda uma sociedade, toda uma geração – incluindo seus membros mais fracos, menos inteligentes e mais irracionais – transportada repentinamente para esse mundo novo. O resultado é a sua desorientação em massa, choque do futuro em alta escala.”
Em outras palavras, todo espaço social é caracterizado por uma cultura que se transforma ao longo de um tempo histórico. O indivíduo é corpo biológico que se desenvolve em um determinado espaço social, assimilando sua cultura e se transformando biologicamente e psicologicamente à medida que a assimila. Assim, seus hábitos e seu modo de pensar estão em estreita relação com seu aprendizado. Para ele, o mundo faz sentido no interior dessa cultura que ressalta, ela mesma, o que é considerado como mais e ou como menos importante. Sair de um espaço social e chegar a outro implica deixar uma cultura e seus modos de vida para adentrar uma outra cultura, com outros modos de viver marcados por valores distintos. A adaptação exige tempo. Quando as mudanças são constantes e a um ritmo acelerado, o indivíduo fica mentalmente desorientado. Ele não pode mais se basear numa cultura na qual viveu, pois ela desapareceu, mas também não teve tempo para adaptar-se a uma nova cultura que também está desaparecendo.
Tal situação, já percebida pelos Toffler em meados da década de 60, tinha por causas o aumento populacional, a industrialização, o avanço científico e tecnológico e o acesso crescente aos meios de comunicação (lembrando que o rádio e a televisão eram invenções recentes que se massificavam, que os satélites de comunicação entraram em operação na década de 50, enquanto os computadores estavam em pleno desenvolvimento), nos dias de hoje o fenômeno tornou-se ainda mais grave, com aceleração ainda mais intensa provocada pelo uso da TV a cabo, da Internet e dos sistemas de comunicação móvel.
Os Toffler não são pessimistas. Para eles, o progresso é necessário e o único caminho para garantir melhores condições de vida para todos. Porém, frente ao "choque do futuro" a humanidade encontra-se diante da necessidade de superar um grande desafio, o que só pode ser feito por meio de um conjunto de medidas tanto de ordem pessoal quanto coletiva.
O controle racional dos fluxos de mudança, desconectando-se e acelerando, segundo Alvin e Heidi, é possível a quem realmente se conhece e pode avaliar suas próprias condições de saúde física e mental. É preciso conscientizar-se do problema (com ajuda profissional, caso seja necessário), desenvolver novas e criativas estratégias, testá-las e abandoná-las caso mostrarem-se inadequadas. Paradoxal é que para controlar o fluxo de informações e seus efeitos, é preciso ainda mais informações, o suficiente para tornar possível a discussão publica do desenvolvimento tecnológico, seus benefícios, malefícios e prioridades, além de planos de educação e pesquisa.
Choque do Futuro foi lançado no Brasil pela Editora Record. Está fora de catálogo, mas ainda é possível encontrá-lo em sebos. Embora esteja desatualizado ainda vale ser lido como retrato de uma época que muito tem em comum com os dias atuais.
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