sábado, 2 de abril de 2016

A TÊNUE DIVISA ENTRE SINCERIDADE E GROSSERIA



Literatura: Crônica


Publicado por Yan Masetto
Na eterna vida ‘severina’ de todos os dias, na rotina de todas as construções de conhecimento, a vida se reflete em palavras, palavras que ecoam das almas que tanto querem, mas pouco podem dizer. São dutos que levam, perpassam e transformam os cotidianos daqueles olhos fatigados de tanto quererem. Na reflexão dos espelhos, na reflexão das mentes que pedem por mais, por algo além da superfície já esburacada pela mesmice. Escrever para ajudar, para ampliar, para retirar a insatisfação, não com a vida, mas com a própria força interna presente em todos os seres humanos, fortalecidos pelas línguas, pela linguagem, pela comunicação e pela interação constante e ininterrupta entre os espíritos. Para sobrevivermos no mundo real, ultrapassando algumas veredas, em direção a tão sonhada Pasárgada.

 
Todos os seres humanos têm, sem exceção, um amigo, ou ao menos um conhecido, que seja muito sincero. Muitas brincadeiras - e comentários - desse cidadão, muitas vezes, não são tão apenas sinceros, como também entram no campo da grosseria. Palavras desnecessárias, colocações improváveis em momentos inoportunos, piadinhas em circunstâncias adversas. E muitos, mas muitos dias em que ficar a seu lado se torna um desafio infindável. Entretanto, até que ponto alguém sincero não é nada além do que um ser grosseiro?




O ser humano é, em essência, social. Desde nosso nascimento, entramos em contato com o mundo, com outras pessoas, com pessoas que conhecem pessoas que conhecem pessoas, e vêm todas nos ver, felizes, enquanto bebês. Viramos a vitrine da família, a foto de perfil de tantas tias e tios nas atuais redes sociais - quando não nos tornamos milhares de fotos dentro de muitos álbuns, muitas vezes sem noção. E sem dúvida, dentre todas as circunstâncias bizarras, eis que a única certeira é a do convívio social, da divisão de nossos espaços e tempos com outros seres - crescidos ou não.
Isto é uma segurança em nossas vidas. Enquanto crianças, enquanto adolescentes, adultos, universitários, trabalhadores, empresários, professores, seja lá o que escolher, conviveremos com outras pessoas de diversos modos, com diversas posições em relação ao que é viver, e diversas posturas diante de todos os muitos assuntos de todos os cotidianos - ideologia, política, sociedade, economia, administração, família, casamento, a alta do dólar, o fim de semana no rancho, etc. E, em meio a todo este emaranhado complexo e quase infinito, de conexões diretas e indiretas entre as pessoas, nos deparamos com uma postura que, muitas vezes, nos causa perturbação: a sinceridade. Obviamente, a alheia, pois a nossa nunca nos incomodará, pois quem escuta decide se o que falamos é cabível - ou não. Porém, neste momento, nos atentemos a tal postura.
Em meio de nossos caminhos, nos encontramos com pessoas, e mais pessoas, que nos ajudarão, oferecerão um ombro para chorar, uma mão para se levantar, um sorriso para continuar a darmos nossos passos. E dos ajudantes, dos sorridentes, ou até mesmo dos ranzinzas, fazemos uma seleção estranha e ganharemos ao nosso lado os amigos. Normalmente, e muito mais normal do que imaginamos, o amigo sempre será aquele que podemos "contar para tudo", além de sempre ser o personagem principal para comentários: sempre nos oferecerá aquela "real" que precisamos escutar, sobre a nossa roupa, sobre o nosso cabelo, sobre se a garota com que você está saindo é meio louca, ou se é muito chato aquele "boy magia" com o qual deu aquela flertada no último sábado na balada. Homens e mulheres, estes seres tão ativos em nossos caminhos nos completam, sendo muito importantes para tudo, e principalmente para nos lembrarmos de quem somos.
Mas nada na vida é perfeito. Tratando deste assunto em particular, não, não é muito agradável a falta de perfeição. Pelo menos à primeira vista. A presença de pessoas que comentam, e são sinceras, é maravilhosa, como exposto ali em cima. Aí começam os comentários impertinentes, no meio da balada, no meio daquele beijo legal com a garota super gata, ou daquele cineminha com o garotão - tudo entra em um estado de sinceridade plena. A roupa, o cabelo, a pele, o carinha, a menina, a roupa da menina, o bíceps pequeno do boy, etc. A liberdade de comentar - e julgar tudo -, se torna a única característica. E nós vamos, aos poucos, nos desgostando disso, até explodirmos de tão cheio que estará nossos sacos de paciência - ou de tolerância. E fica a dúvida: esta pessoa está sendo sincera ou já entra naquele nível insuportável de grosseria? Apesar da resposta tender ao que é muito óbvio, a proposta aqui é tentar entender porque a/o BFF pode - ou já é - o grosseiro/a da história. E temos alguns pontos para lidar.
O primeiro é o nível de intimidade com a pessoa. Obviamente, colocamos como exemplo aquele/ amigo/a muito/a íntimo/a. Mas, mesmo ele/ela não está ausente de se encaixar no grupo da grosseria. Aliás, muito facilmente eles se encaixarão, mais cedo ou mais tarde, se não se cuidarem. Pois bem, se alguém não é íntimo e comenta sobre sua roupa, dizendo que sua combinação de cores está horrível, ou está causando uma gafe, o desconforto virá quase que imediatamente, pois a falta de empatia anterior faz com que recebamos como um ataque direto, um tapa na cara, com aquela soma de "não sabemos nada de moda". Não que importe, mas treme o mundo de qualquer forma, fica um climão bem estranho no ar e aí dá aquela vontade de responder, dizer para a dita cuja o que ela tem a ver com nossas vidas. Honestamente, não vale a pena fazer isso, mas a vontade vem, é certo.
Em segundo lugar, ficamos em uma encruzilhada: não somente o conteúdo do que é dito, mas o tom, o como dizer é muito importante. Exatamente porque dizer que se está mal arrumado, ou a roupa não combina com a meia não é um problema em si, pois a própria pessoa possa ter querido ir dessa forma e, qualquer comentário que venha, não ser interpretado como um - e causar o tal climão. Dessa forma, o amigo que faz muitos comentários não infringiria o limite de sinceridade. O problema real se instala em como ele/a dirá tal posicionamento: se houver uma exaltação, quase impositiva, em um nível de juízo, aí sim entra a grosseria. Ele/a tem todo o direito de analisar e falar o que pensa - mas se se fala de tal forma que apenas seu ponto de vista é o que vale, e não só, faz com que o receptor da mensagem fique totalmente sem jeito, sim, meu caro, você foi grosseiro. Dizer para alguém sobre sua roupa, a combinação de cores, inicialmente não é um problema. Obrigá-lo a entender que as escolhas dele são as piores, inclusive querendo que aja, a partir de então, da forma que o BFF quer, houve uma transgressão problemática: a da grosseria. A sinceridade se transforma, e sim, pode causar transtornos de relacionamento, principalmente entre pessoas muito íntimas, que começam a interpretar estarem acima da vontade do outro.
Sinceridade e grosseria são dois lados de uma mesma moeda. Sua linha, muito tênue, se apresenta quase que para tentarmos conferir o motivo da sensação de climão. Por excelência, alguém sincero não é problemático - e, pelo contrário, mais pessoas sinceras (e até objetivas) facilitam sim o cotidiano e a rotina. Entretanto, se tal postura se transforma em uma dominação de espaço e de decisões, contando a maneira com que se expõe isto, sim, a sinceridade se dissolve e, mesmo aqueles a quem temos um grande apreço, se tornarão pessoas que não desejaremos por perto pela impertinência do que se fala - o que, infelizmente, é muito comum.



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