Literatura: artigo
Colaboração
de Fernando Alcoforado*
O website da
GLOBO.COM informa que a Secretaria Municipal de Obras (SMO) da Prefeitura do
Rio apresentou relatório sobre a ciclovia da Avenida Niemeyer. Neste relatório,
a SMO informa que a ciclovia não contempla riscos consideráveis. A frase está
em três ofícios da SMO da Prefeitura do Rio. Em nenhum deles há menções a ondas
ou ressaca. A principal preocupação descrita em um dos documentos é sobre a
maré, referente ao mês de abril do ano passado. Na manhã de quinta-feira
(21/04/206), um trecho de 35 metros da ciclovia foi atingido por uma forte onda
e desabou causando a morte de pelo menos duas pessoas. Segundo o GLOBO.COM,
Moacyr Duarte, engenheiro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
estudou o projeto básico completo da construção e afirmou ao RJTV que a
Prefeitura não previu a possibilidade de ressacas. Ele chamou o projeto de
"simplório e insuficiente"
O desastre
na ciclovia do Rio de Janeiro se soma aos inúmeros acidentes em obras ocorridos
nos últimos tempos no Brasil que parecem ter se tornado uma rotina atual das
obras públicas no Brasil. A pressa na execução de obras, o despreparo dos
engenheiros e o desrespeito à legislação estão por trás das falhas registradas
em grandes obras no Brasil. A pressa na execução de obras com os cronogramas
apertados acontece em todos os Estados e esferas dos governos federal,
estaduais e municipais. Devido à pressa, muitos projetos são mal feitos do
ponto de vista técnico faltando, até mesmo detalhes que só são discutidos
durante a execução das obras, dando margem a que as empreiteiras sigam seus
interesses, que muitas vezes é o de economizar em materiais e superfaturar.
É evidente
que, neste contexto tão atribulado vivido pela engenharia brasileira, a
experiência e a qualificação dos engenheiros responsáveis pela execução de
projetos e obras faz a diferença. É o contingente de engenheiros com vivência
em projetos e em canteiros de obras que seria capaz de evitar os desastres
ocorridos nos últimos tempos no Brasil. Um fato é evidente: tem faltado
engenharia nas obras de engenharia do Brasil. Quando não há capacitação
adequada das pessoas envolvidas, a chance de se cometer uma imperícia é muito
maior. O despreparo de muitos engenheiros resulta do fato de muitos
profissionais da engenharia não receberem a adequada formação de grande parte
das faculdades de engenharia do país, privatizadas a partir do governo FHC e
mantidas pelos governos Lula e Dilma Rousseff.
Muitas
dessas faculdades de engenharia privadas são caça-níqueis na busca incessante
pelo lucro e são constituídas por docentes sem gabarito para o exercício da
função e, normalmente, sem um olhar para as novas tecnologias. Muitos docentes
estão apenas reproduzindo técnicas ultrapassadas, que fazem o aluno decorar o
uso de fórmulas, mas não ensinam o porquê das coisas. Além do despreparo dos
profissionais de engenharia, há carência de engenheiros no Brasil,
especialmente aqueles com larga experiência. No Brasil, temos 6 engenheiros
para cada mil pessoas economicamente ativas no Brasil. Nos países capitalistas
centrais, esta relação é de 18 para 28. Portanto, a engenharia brasileira está
sendo sucateada devido à precariedade do sistema de ensino no Brasil que 2
impacta fortemente e negativamente na formação do engenheiro pela Universidade
brasileira, especialmente pelas faculdades privadas caça-níqueis.
Para evitar
acidentes em obras como os ocorridos nos últimos tempos no Brasil é preciso que
haja bons projetos, serviços de engenharia consultiva e execução de obras
embasadas técnica e economicamente e com elevado nível de segurança. Para que
isto ocorra, é necessário que sejam utilizadas equipes bem estruturadas,
formadas por profissionais experientes no desenvolvimento de trabalhos nas mais
diversas áreas da engenharia. É importante observar que toda obra de engenharia
requer a necessidade imperiosa de planos de prevenção, de precaução e de gestão
de riscos, além da intensificação da fiscalização para evitar a ocorrência de
eventos catastróficos como o da ciclovia do Rio de Janeiro.
Prevenção e
precaução são duas faces da prudência que se colocam frente a situações quando
há a possibilidade de dano. Os princípios da prevenção e da precaução deveriam
nortear toda política de execução de obras de engenharia e de proteção
ambiental. Segundo Jean-Pierre Dupuy, professor de Filosofia Social e Política
na Escola Politécnica de Paris, “a distinção entre risco potencial e risco
comprovado funda a distinção paralela entre precaução e prevenção. A precaução
é relativa a riscos potenciais e a prevenção a riscos comprovados” (DUPUY,
Jean-Pierre. O tempo das catástrofes. São Paulo: Realizações Editora, 2011). Em
caso de certeza da ocorrência do dano que uma obra de engenharia deve
proporcionar, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção.
Em caso de dúvida ou de incerteza, é preciso agir também prevenindo com base no
princípio da precaução. Nesse processo, cumpre aferir em que medida é
necessário evitar certa atividade.
Deve-se
atentar, portanto, para a distinção existente entre risco, de natureza futura,
sobre o qual se assenta o princípio da precaução; e perigo, de cunho
imediatista, associado à lógica da prevenção. Prevenção significa ato de
antecipar-se e precaução, por sua vez, equivale à admissão antecipada de um
cuidado. O cálculo econômico deve servir de base às decisões relacionadas com a
prevenção e a precaução. Na tomada de decisão sobre as alternativas econômicas
a serem adotadas, um fator que complica bastante a solução de um problema é a
incerteza. Outro fator complicador é a insuficiência de informações.
No caso do
desastre na ciclovia do Rio de Janeiro, pode-se afirmar, em princípio, que
houve erro de projeto pelo fato de não terem sido engastadas às vigas a
plataforma por onde circulavam os ciclistas e negligência ao desconsiderar no
projeto estrutural a ocorrência de uma onda de grande proporção. O fato de não
engastar ou amarrar devidamente às vigas a plataforma da ciclovia pode ser
consequência do despreparo da equipe de engenharia responsável pelo projeto
estrutural e, também, da ganância pelo lucro das empresas de reduzirem custos
em sua execução comprometendo, desta forma, a segurança da ciclovia. O CONFEA/
CREAs deveriam atuar, também, para ajudar a apurar e a punir os responsáveis
pelos acidentes nas obras de engenharia que ocorrem cada vez com maior
frequência, gerando descrédito para todos os engenheiros do país.
*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de
Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a
Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o
Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na
Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br
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