Arte plástica
Por Bianca
Vale
“(É)
estudante de Arquitetura e Urbanismo, Bianca é apaixonada por Design, Van Gogh,
histórias bem contadas e gentileza. A verdade é que gosta de ler qualquer coisa
que esteja escrita em algum lugar, de Paulo Leminski a bula de remédio. Tem
mania de fazer listas. Pensa em um milhão de coisas ao mesmo tempo e resolveu
começar a escrever para dividir tanta inquietude com outras pessoas.”
Uma trama de linhas e cores que
ao mesmo tempo em que se inspira na paisagem urbana a modifica. Esse é o
trabalho da artista plástica Crystal Gregory, que através da inspiração em
elementos do cotidiano, deixa as cidades mais alegres com suas delicadas
intervenções.
© Crystal
Gregory, "Foot Traffic I".
A artista plástica Crystal Gregory parece ser capaz de romper a rigidez do
mar de concreto que formam as cidades. Com um trabalho extremamente feminino e
delicado, Crystal busca inspiração em elementos do cotidiano urbano e cria
tramas de intervenções coloridas que segundo ela mesma exploram “interiores
domésticos e exteriores arquitetônicos, nostalgia e modernidade, fragilidade e
força, feminilidade e masculinidade”.
A obra de Crystal não apenas modifica o
cenário urbano, como parece se integrar a ele de forma natural, segundo a
artista seu trabalho consiste na criação de “objetos e instalações que estão
relacionados ao lugar, ao corpo e à arquitetura”. Prova disso é a instalação
Foot Traffic de 2010, inspirada nos sapatos que eram arremessados por jovens na
ponte Lincoln Road e formavam um verdadeiro candelabro de fios e cores, Gregory
“teceu” com crochê e linhas coloridas a grade da ponte. Uma intervenção sutil,
mas que muda de forma alegre o panorama do local.
© Crystal
Gregory, "Foot Traffic II".
Ainda utilizando linhas, mas agora sem a
variedade de cores do Foot Traffic são as obras Foundation I e II. Ambas
trabalham com a questão do interior e o exterior na Arquitetura abordando temas
como a estrutura e o padrão nos espaços domésticos. Na Foudation I tijolos são
envolvidos por crochê artesanal, já na Foundation II alguns tijolos de concreto
são substituídos pela trama de crochê e por uma iluminação interna que resulta
em uma bela intervenção sensível perante a rigidez do concreto.
© Crystal
Gregory, "Foundation I".
© Crystal
Gregory, "Foot Traffic II".
Seguindo ainda essa vertente que desafia a
rigidez e seriedade das cidades se encaixa a intervenção Crochê Invasivo, que
recobre de crochê feito manualmente superfícies improváveis como cercas de
arame farpado, o resultado é a dualidade delicadeza e aspereza convivendo
harmonicamente.
© Crystal Gregory, "Invasive Crochet".
O trabalho com tramas não está presente
somente no uso de fios no trabalho de Gregory, na obra Heirloom (relíquias de
família) de 2010, criado com madeira, vidro jateado e chumbo, o trabalho cria
uma rede de desenhos na madeira que se assemelha a uma delicada renda, porém ao
se olhar mais atentamente é possível ver a deterioração do material nas bordas
dos desenhos, dando a real impressão de se tratar de algo antigo, uma
verdadeira relíquia de família. Neste jogo de arte e elementos do cotidiano
situa-se a obra Searching Home que associa a renda a objetos domésticos. Ao
rasgar os objetos Gregory diz estar procurando um sentido para a casa, já que
em sua vida não permaneceu em um mesmo lugar por mais de um ano. “A renda
desempenha um papel central no meu trabalho. Eu estou apaixonada pela sua
capacidade de revelar mais do que é, na verdade esconde, evocando ideias de
sexo, classe, domesticidade, e padrão.”
© Crystal
Gregory, "Heirloom I".
© Crystal
Gregory, "Heirloom II".
© Crystal
Gregory, "Searching Home I".
© Crystal
Gregory, "Searching Home II".
Os trabalhos mais recentes de Crystal não
utilizam linhas, mas ainda assim trabalham com a ideia de trama e exploram a
relação interior e exterior. Um deles é a obra Passage, que consiste em um
volume feito de vidro e chumbo inspirado no padrão do átrio do Rookery building
em Chicago, que explora além relação dentro-fora, também a “passagem visual”
através do vidro. Outra obra recente é 7:26 am, que estuda o padrão da luz nos
espaços interiores e assim como outros trabalhos da artista se inspira em
elementos do cotidiano, neste caso na luz da manhã que invade a janela de seu
apartamento em Chicago. Utilizando triângulos de aço soldado Gregory diz ter se
inspirado “na dependência que as pessoas têm por padrões de conforto, ordem e
identidade. Através do reconhecimento de ritmos repetitivos, entendemos e
organizamos nossas vidas”.
© Crystal
Gregory, "Passage".
© Crystal
Gregory, "7:26 am".
Semelhante ao trabalho de tramas de Gregory
encaixa-se em um conjunto de intervenções artísticas conhecidas como Yarn Bombing
(bombardeio de fios), também chamado de tricô de guerrilha, um tipo de
movimento de arte de rua semelhante ao grafite, mas que pinta a cidade com fios
e não com tinta. Árvores, carros, bicicletas e até buracos nas ruas e calçadas
se tornam matéria-prima e são envolvidos por alegres e coloridas intervenções
de crochê, tricô ou bordado. Atribui-se como precursora desse relativamente
recente movimento, Magda Sayeg de Houston que teria coberto o trinco da
porta da sua loja em 2005 com fios o que chamou a atenção da população e a
levou a criar o grupo KnittaPleas com objetivo de reunir adeptos desse tipo de
intervenção. A onda de intervenções usando fios se espalhou pelo mundo e o
grupo Knit in the City no Reino Unido é considerado um dos maiores do gênero.
Artistas do movimento Yarn Bombing. (Wikicommons, Alvaro León).
Artistas do movimento Yarn Bombing. (Wikicommons, Alvaro León).
Em Paris a artista Juliana Santacruz Herrera
através do projeto Nid de Poule (Ninho da Galinha) cobriu os buracos da calçada
e das ruas com linhas e tecidos coloridos. A intervenção que ocorreu em 2009
deu um ar divertido e inesperado a algo que inicialmente se caracteriza como um
problema, as rachaduras nas superfícies.
A própria Crystal Gregory possui intervenções
que ela mesma nomeia como Crochê Grafite e que faz parte das ações do tricô de
guerrilha, que para ela desafiam os pressupostos de gênero “através da
tecelagem de rendas, trabalho feminino nas fendas e espaços masculinos na paisagem
urbana”.
Artistas do movimento Yarn Bombing.
Artistas do movimento Yarn Bombing.
O trabalho de Gregory e as intervenções do
tricô de guerrilha Yarn Bombing transformam mesmo que de forma efêmera a
paisagem urbana, quebrando sutilmente o rigor cinza das cidades. Um sopro de
delicadeza e cor que chama a atenção e encanta olhares desatentos que se
surpreendem com a arte que ao mesmo tempo em que modifica se origina da própria
cidade.
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