História universal
DA REVOLUÇÃO FRANCESA A ERA NAPOLEÔNICA
É
inspirador de boa parte dos políticos brasileiros. Chegou a possuir a segunda
maior fortuna da França.
Joseph Fouché, Duque de Otranto, (Pellerin, 21 de maio de 1759 — Trieste, 26 de dezembro de 1820) foi um político francês e ministro durante a Revolução Francesa e a era napoleônica, notabilizado
pela sua extrema falta de caráter, individualismo e por haver trafegado
incólume e com sucesso aos mais conturbados períodos da história de França.
Muitas vezes é chamado, como registrou Otto Flake, o "judas da Revolução" é,
também, considerado o fundador da moderna polícia política.
De origem humilde, Fouché evoluiu de simples padre
professor ao segundo homem mais rico de França. Participou diretamente dos
eventos revolucionários, traindo figuras como Robespierre, Barras,
Collot, Talleyrand e Napoleão, pessoas a quem em
determinado momento jurara fidelidade. Qual um camaleão foi visto por Honoré de Balzac como "gênio singular",
que passou a vida junto ao poder, e à sua sombra - até que finalmente dele foi
completamente afastado, até sua morte no esquecimento.
Filho de família plebeia, de marinheiros e
negociantes, nasceu em Le Pellerin, próximo a Nantes; de compleição frágil, ingressou
no seminário da Ordem dos Oratorianos. Lá inicia seus estudos e torna-se professor
de Matemática e Física, efetuando a tonsura e usando batina; mas, ao cabo de
dez anos no Oratório, não efetua os votos - no dizer de Stefan Zweig: "À Igreja não se dá senão
temporariamente, nunca inteiramente; não se entregará de corpo e alma nem à
Revolução, nem ao Diretório, nem ao Consulado, nem ao Império, nem à Realeza:
nunca, nem mesmo a Deus, e muito menos a um homem."
Nos dez anos em que atuou no seio católico, Fouché
lecionou em Niort, Saumur, Vendôme e Paris, até os trinta anos de idade; ali
aprende a arte da dissimulação e do silêncio, a disciplina e a compreensão do
homem, de que se servirá mais tarde na diplomacia.
A partir de 1788 começam
em França os movimentos que iriam eclodir no ano seguinte, e Fouché liga-se em
Arras a uma sociedade denominada Rosati, na qual se discutem os
direitos do homem, as descobertas científicas, além de debates culturais. É
neste momento que liga-se a Robespierre, então um autor de poemas melosos.
Quando o amigo elege-se deputado aos Estados Gerais, empresta-lhe dinheiro - prendendo-o a si
economicamente; mais tarde o derrubará, à traição. Por outro lado, inicia no
convento o movimento para que fosse nomeada uma deputação aos Estados Gerais
como integrante do Terceiro Estado - provocando uma reação dos superiores que o
devolvem para Nantes. Fouché larga, então, a batina, e ingressa
definitivamente na política em Nevers.
Assim, funda em Nevers um clube, o Amis de
la Constitution, no qual profere seus discursos e empreende, para agradar
aos comerciantes da cidade, uma defesa da escravidão e, também, casa-se com uma filha de um dos
ricos burgueses locais, a "feiíssima" Bonne-Jeanne Coignaud,
preparando sua futura candidatura à Convenção, cuja
eleição efetivamente se dá, em 1792.
A Convenção Nacional em sessão,
palco dos principais dramas da Revolução.
Na Convenção Fouché procura estar sempre na
penumbra: não sobe à Montanha nem fica no Pântano (marais)
- nem junto aos que ocupam a tribuna nem os que procuram situar-se junto à
plateia, ao povo: antes acerca-se de Condorcet, Roland, Servant - dos girondinos, que detém o poder e os ministérios; sua
assinatura não aparece nas atas dos primeiros meses. Ali observa os espíritos
mais exaltados destruirem-se mutuamente: Desmoulins, Marat, Danton, Robespierre e o próprio Condorcet.
Somente numa ocasião vê-se obrigado a
manifestar-se, como todos os demais da Convenção: a votação sobre o destino do
Rei Luís XVI, em 16 de janeiro de1793. Até
a véspera os girondinos tramavam votar pela vida do monarca mas, percebendo que
a maioria caminhava para o outro destino, Fouché trai seus companheiros e,
mesmo havendo preparado um discurso em sentido inverso, vota em voz baixa pela
morte de Luís Capeto.
Como resultado de sua manifestação, e instalado na
República o Terror, é Fouché nomeado Pro cônsul. Na verdade,
com a grande instabilidade do poder que toma conta de Paris, ele percebe que o
melhor será uma nomeação para cuidar de uma província, daí sua ida para o
departamento do Loire Inferior – em Nantes, Nevers e Moulins. Ali exerce um poder ditatorial, destruindo
igrejas e símbolos sacros (ele que fora padre), celebra "missas"
civis, persegue os opositores e os ricos, infundindo o medo em todos.
É desta época sua "Instruction",
qual primeiro manifesto comunista da história, que dizia: "para ser
verdadeiramente republicano é preciso que cada cidadão experimente e opere em
si mesmo uma revolução igual à que mudou a face da França. Não há nada,
absolutamente nada de comum, entre um escravo, um tirano e o habitante de um
estado livre (...) Todo homem que possui mais que o necessário deve concorrer
para este socorro extraordinário (...) Agi, pois, grandiosamente; tomai tudo
quanto um cidadão tem de inútil; porque o supérfluo é uma violação evidente e
gratuita dos direitos do povo. Todo homem que gasta mais do que as suas
necessidades o obrigam a gastar, abusa da liberdade."[10]
Fouché é o único dos pro cônsules que envia a Paris
o produto dos saques que efetua, munindo a Convenção de valores reais, no lugar
das desvalorizadas assignats (papel-moeda então emitido). De
moderado obscuro, é reconhecido na capital como o mais extremista radical.
Fouché retorna a Paris, após concluir seu trabalho
provinciano.
Fouché metralhando os
insurgentes lioneses, em gravura do séc. XIX.
Havia em Lião um
revolucionário, ex-padre, chamado Chalier, que abraça o novo regime com fanatismo - a ponto
de carregar de Paris até aquela cidade, por seis dias e noites, uma das pedras
da Bastilha, sobre a qual ergueu ali um altar. Repete de cor os discursos de
Marat e, quando ocorre uma revolta na cidade, é preso e falsamente acusado. A
Convenção procura salvá-lo, mas a municipalidade o executa.
Reunida, a Convenção decreta o fim da cidade
rebelde: Lião deve ser destruída, e Fouché é nomeado para dar cabo desta
tarefa: "Os serviços que prestaste à Revolução são a garantia dos que
vais ainda lhe prestar. Tu reacenderás em Ville Affranchi [Lião] a tocha da
liberdade, cuja luz desapareceu. Acabe-se a Revolução, termine-se a guerra
contra a aristocracia, e que as ruínas do que esta quis construir caiam sobre
ela, e a esmaguem" - reza o decreto que dá a Fouché os poderes de
aniquilar a revolta: "O nome de Lyon será riscado do número das
cidades da República" (diz o artigo IV do decreto)
Era a cidade o principal distrito industrial de
França, sua destruição era algo impensável e por demais insensato. Junto a
Fouché segue também Collot d'Herbois, um ex-comediante, encarregados ambos de proceder
à repressão da cidade. Ali chegam em novembro de 1793, cultuando a imagem do
líder morto. A 4 de dezembro começam as execuções: 69 moços são amarrados dois
a dois e agrupados, quando então se lhes dispara uma rajada que, contudo, não
os mata a todos. São jogados em um fosso, os executores lhes despojam as roupas
e dão os golpes de misericórdia - era a primeira execução do carrasco de Lião;
no dia seguinte outra pior se seguiu: 210 pessoas são metralhadas da mesma forma
e, invés de enterrados num fosso, seus corpos são lançados no Ródano, ato
que Fouché disse ser para que "ofereçam a impressão do terror e a
imagem da soberania do povo, não só às duas margens, mas à embocadura do rio,
sob as muralhas da infame Toulon". Fez um total de 1600 vítimas. Por toda a
França Fouché agora é o "mitrailleur de Lyon".
Seu companheiro no mister assassino, Collot, será a
próxima vítima da perfídia de Fouché.
Primeira
derrota
Ante a destruição da cidade, uma comissão lionesa
foi a Paris, pedir à Convenção o perdão e, em face dela, Collot d'Herbois segue
à capital para rebater uma possível oposição ao trabalho de ambos, enquanto na
província permaneceria Fouché. Na Convenção, contudo, os ânimos oscilam
entre Danton e Robespierre, os moderados e o terror.
Fouché, embora inicialmente continuando o massacre,
percebe as mudanças e passa refrear as execuções, de modo que foi acusado de
moderação pelos jacobinos: contra isto tinha um rol de milhares de mortos em
sua defesa e, se vitorioso o outro lado, tal acusação servir-lhe-ia de prova de
que agira com cautela. É intimado, a 3 de abril de 1794, a prestar contas em
Paris. Parte dois dias depois, deixando para trás duas condenações à
guilhotina: o carrasco e seu ajudante - as duas testemunhas de seus atos.
Em Paris Danton é executado, junto a outros aliados
que Fouché esperava ainda encontrar. Robespierre triunfara, assumindo o total
controle da situação, havendo se livrado dos seus adversários, além de Danton:
Mirabeau, Desmoulins, Chabot, Hébert, etc. Restava-lhe, contudo, um inimigo:
Joseph Fouché. Este, tendo chegado no dia 8 de abril, apresenta no dia seguinte
à Convenção a sua defesa e, quando ela é enviada para exame do Comitê, percebe
que foi derrotado. Naquela noite visita Robespierre em seu apartamento. Não se
sabe o teor da conversa de ambos, mas que dali resultara que os dois iriam
travar uma disputa de vida e morte entre si.
O
duelo com Robespierre
A prisão de Robespierre, cuja
queda foi tramada por Fouché: apesar de seu papel crucial nos destinos de
França, a historiografia raramente cita-lhe o nome.
Define Stefan Zweig a luta entre os dois como
"um dos episódios mais cativantes, mais emocionantes, sob o ponto de
vista psicológico, da história da Revolução", havendo ambos cometido
um erro comum: o de se subestimarem.
No célebre discurso de Robespierre contra o
ateísmo, escrito segundo muitos na casa de Rousseau, e proferido a 1 frimaire (6 de maio),
dirige-se a Fouché - último dos ateus revolucionários ainda vivo: "Dize-nos,
pois, quem te deu a missão de anunciar ao povo que Deus não existe, tu, que te
entusiasmas por essa doutrina? (...) Desgraçado sofista, queres arrancar à
inocência o cetro da razão, para entregá-lo às mãos do crime, cobrir com um véu
fúnebre a natureza..."
Fouché recolhe-se e dele não se ouve mais falar.
Trabalha em silêncio até que ressurge, de um golpe, em 18 prairial, eleito pela
maioria como presidente do Clube dos Jacobinos. Dominara justamente o domínio
de Robespierre que, surpreso, reage com ódio e traz cidadãos de Lião para o
acusarem; Fouché é fustigado pelo adversário, e sua defesa é fraca. Sendo
presidente do Clube, encerra a sessão e procura ganhar tempo; Robespierre exige
que, na próxima sessão, ele seja julgado e o outro pede que se adie tal
análise, fracassando. A 23 messidor (11 de junho) Robespierre profere contra
ele o mais virulento de todos os seus discursos, o mais violento dos que já
fizera contra seus adversários. Nele, dizia: "Temerá ele que sua triste
figura delate visivelmente o seu crime, que três mil olhares fixos sobre ele
lhe descubram nos olhos o íntimo de sua alma, e que, mal grado a natureza, que
aí os ocultou, não se lhe descubram os pensamentos? (...) Chamo aqui Fouché
para ser julgado."
Fouché é excluído do Clube, o que equivalia então a
uma sentença de morte. Passa a se esconder em casa de amigos, e é seguido pelos
agentes do inimigo. Acuado, começa o trabalho, menosprezado pela historiografia
do período, para derrubar Robespierre: realiza visitas aos deputados,
insinuando que eles figuram numa futura lista de proscritos, aumentando o rol
dos ameaçados por Robespierre. Nos bastidores, tece a trama que viria a se
deslindar em 9 termidor, distribuindo os papéis aos atores que passaram à
História: Tallien, que exibiu um punhal com o qual se mataria; Barras, que
mobilizou as tropas e, finalmente, Bourdon, que proferiu a acusação.
Pressentindo o ataque, após ter em mãos uma carta
de Fouché a sua irmã Robespierre se precavê; prepara um discurso em casa
de seu aliado Saint-Just que
paralisaria a Convenção, em 8 termidor. A seu tempo, Fouché que tem sua filha
Nièvre a morrer, é obrigado a concertar os fatos, embora deles fique ausente.
Collot d'Herbois arca sozinho
com a culpa pelos massacres de Lião.
Após sua longa fala, Robespierre não cita nomes.
Todos ouvem em silêncio e, quando termina, Bourdon se levanta e pede para que a
fala não seja publicada, e outros também o questionam: se acusa alguém, que
diga o nome. O acusador passa para a defensiva, até que alguém grita-lhe:
"E Fouché?" Num recuo inesperado aquele que a todos ameaçava apenas
diz: "Atualmente, não quero ocupar-me dele; cumpro apenas o meu
dever..."
O destino de Robespierre fora traçado, e foi o
mesmo que dera aos seus inimigos: a guilhotina. O povo aclama Barras e Tallien
(chamados de termidorianos), que os livrara do ditador.[19] Fouché,
contudo, não se alia aos vitoriosos, à maioria do momento - como sempre fez.
Pressente, na verdade, que aquela era uma vitória efêmera. Os termidorianos
readmitem os 73 deputados girondinos e, com isto, se enfraquecem.[20] Fouché,
um ano depois da morte de Robespierre, é intimado a prestar contas de seus
atos, mas se esquiva pedindo um prazo para o preparo da sua defesa - uma graça
que lhe deu tempo para escapar.[21] imputando toda a responsabilidade a seu
antigo aliado Collot: este, sim, paga pelos excessos em Lião, sendo condenado
para a chamada "guilhotina seca" - o exílio fatal nas Índias Ocidentais.
Passos
em falso: fim da carreira política
François Babeuf, dito Graco,
reativava o discurso da igualdade, enquanto os demais ligavam-se à liberdade e
à fraternidade.
Ao ver-se acossado pela retomada do poder da
Gironda, Fouché mais uma vez procura reagir, ocultando-se por detrás de alguém
que sirva-lhe ao propósito de combater seus adversários - e encontra tal figura
em Graco Babeuf.
François Babeuf, homem simples e sincero que
adotara o prenome romano Graco, deixa-se embair pelos conselhos do
célebre Fouché, e passa a atacar Tallien (amante de Barras), o governo e os
termidorianos. Otto Flake, sobre isto, registrou: "Fouché, que não
fora reeleito e vivia em completa miséria depois de consumidos os que bens que
roubara em Lião (...) [e] Babeuf, visionário com cabeça a recordar Schiller,
aceitava tudo por verdadeiro e acreditava até em Fouché, desprezado pelos
próprios companheiros ao tempo do Terror, tão repelente era seu semblante"
e teria oferecido a Babeuf que tornaria seu jornal rentável, dizendo-se
emissário de Barras - desde que as matérias passassem por sua censura.
Fouché se colocara como um dos iniciadores das
ideias socialistas francesas, traçando um programa radical e social face a
propriedade privada, sob a influência direta dos pensadores da
"ilustração", como Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros. O
socialismo foi, assim, um subproduto da Revolução Francesa, um "produto
da decepção revolucionária", no dizer de Stefan Zweig.
Após a publicação do "Manifesto dos Iguais",
escrito por Sylvain Maréchal, tem lugar a Conspiração com o plano de dominar Paris, mas que é
desarticulada antes mesmo de seu início.
Babeuf, Darthé e outros são presos em Vendôme, por
questão de segurança, correndo lá os processos.[23] Tallien
procura desmascarar Fouché como integrante da conspiração, ao que o astuto
político nega, dizendo que não o conhecia senão superficialmente; julgado,
Babeuf é executado num quartel, em 21 de maio de 1797, enquanto mais uma vez o
traidor Fouché escapa impune.
Embora tendo atraído sobre si a atenção, as coisas
em 1794 diferiam do ano anterior, onde o ser acusado equivalia a uma pena de
morte; então, quando em 22 de Termidor de 1795 é formalmente acusado pelos seus
atos durante o Terror, reage mais uma vez se ocultando. Fouché pressentia que o
poder da Convenção não ia durar ainda muito mais. Mas, para escapar, deixa de
ser reeleito deputado - embora houvesse gasto grande soma neste mister. Encerra
sua fase como político, amargando três anos em que perde títulos, fortuna[nota 5] e importância, e seu nome não é mais
lembrado.
Joseph Fouché conhece o "exílio" da
pobreza. Do qual ressurgirá de forma surpreendente. E trairá Barras, dentre
outros.
Ministro
Findo o conturbado período revolucionário, a França
assiste a uma fase de prosperidade dos negócios, na qual o dinheiro se tornou o
principal soberano - é o período do Diretório.
Privado de todos os recursos, Fouché livra-se dos antigos ideais republicanos e
participa nos negócios mais escusos. Procurado pelo banqueiro Hinguerlot,
acusado por falcatruas, procura logo Barras e o processo não tem seguimento.
Agradecido, o banqueiro torna-o seu sócio em vários negócios, especialmente
bélicos.
Uma vez ligado a Barras, Fouché tem mais
oportunidades a partir do golpe de estado que este desfere, em 18 Fructidor. Em
1798 o amigo nomeia-o como representante diplomático do governo na Itália e na República Batava, confiante em seu domínio das intrigas (o que,
mais tarde, se voltará contra si). É junto aos holandeses que Fouché demonstra
suas habilidades, que farão o Diretório tomar uma inesperada resolução.
Ministro
da Polícia do Diretório
Barras, traído por Napoleão e
Fouché: "um vingará o outro".
Mesmo Fouché é apanhado de surpresa quando, a 3
Termidor de 1799, uma notícia faz Paris temer o retorno do Terror: Fouché é
nomeado Ministro da Polícia. Não
se tem clara, então, a verdade da célebre frase de Mirabeau: "Jacobinos,
quando ministros, não são ministros jacobinos".
Josefina, a endividada e infiel
mulher de Napoleão, era informante de Fouché.
Apesar de os próprios jacobinos se animarem com a
sua nomeação, seu discurso à época é de conciliação e ordem; trata de combater
a anarquia, tolher a imprensa e, a todo o custo, assegurar a segurança: foi o
mais conservador dos líderes de então. Entre seus atos está o encerramento do
Clube dos Jacobinos, que um dia presidira - ato este que foi feito sem qualquer
resistência: Fouché foi até lá, mandou todos saírem, e trancou a porta: "a
volta dessa chave na fechadura põe fim à Revolução Francesa", no dizer
de Zweig.
Fouché então monta uma soberba máquina de
espionagem, tornando-se sabedor de tudo aquilo que acontece em Paris, em todos
os seus círculos. É uma rede de espiões, pessoas subornadas em todos os
setores, cujo vértice é ele próprio - de modo que apenas ele a compreende e
domina. Estava no lugar adequado à sua personalidade: a par de tudo quanto
ocorria, recebia antes de todos advertências sobre os acontecimentos, e também
as dava, quando julgava conveniente; tornou-se especialista em manobrar a
imprensa e todos os que faziam negócios com ele se entendiam previamente; além
de tudo, recebia vultosos subornos, das casas de jogo e de outras atividades
similares.
Graças a isto, foi o primeiro a perceber que os
dias do Diretório estavam contados. Antes de todos, teve conhecimento de que o
então general Bonaparte, que todos supunham estar na campanha do Egito, se encontrava em solo francês: sua informante
assalariada era ninguém menos que Josefina Bonaparte, a quem pagava mil luíses para mantê-lo a
par dos acontecimentos. Apesar disto, nada declara aos superiores.
Quando a notícia que o militar corso estava
em Fréjus (na Côte d'Azur, sudeste do país), é o Ministro chamado à pressa
pelo Diretório, a 11 de outubro; Fouché recomenda cautela, ao invés de prender
o desertor. Logo ele mesmo vai a Napoleão que, por ignorar sua importância, o
faz esperar - mas a gafe foi reparada por Pierre-François Réal, e o futuro imperador rapidamente o atende.
Conversam secretamente durante duas horas. Fouché havia tomado seu partido, e
mais uma traição tinha lugar. Ali
mostra-se estar "disposto a ser surdo, mudo e cego", no dizer
de Otto Flake, para as ações do general corso.
Enquanto a conspiração militar segue o curso,
Fouché não diz nada de Bonaparte em seus relatórios ao Diretório, ele próprio
tendo dois dos cinco membros envolvidos no conciliábulo. Chega até a dar uma
festa em que estão todos os conspiradores e, como ironia, o último a chegar é
precisamente Louis Gohier, presidente do Diretório, contra quem
tramam. Na véspera do golpe fala por horas com Napoleão, embora publicamente
demonstre surpresa quando questionado dos acontecimentos por Gohier.
Transferida a câmara dos deputados (Conselho dos Quinhentos) para fora da cidade, quando esta se reúne,
Fouché cerca a cidade e apenas seus mensageiros podem sair. Vitorioso
Bonaparte, tornado cônsul, Paris é noticiada da novidade: "O Ministro
da Polícia comunica aos seus concidadãos que, achando-se o conselho reunido
em Saint-Cloud para deliberar sobre os interesses da
República, o General Bonaparte (...) quase foi assassinado. (...) Todos os
republicanos se podem tranquilizar (...) porque de ora em diante seus desejos
serão satisfeitos."
Fouché mudara com o vento - e o povo sabe disto;
uma semana depois do golpe uma peça cômica popular é encenada satirizando-o,
intitulada La Girouette de Saint-Cloud (O Catavento de
Saint-Cloud). Barras, que livrara Fouché da miséria, foi por ele traído;
também Napoleão era seu antigo beneficiado. Ele então faz uma profecia sobre
seus dois pérfidos ex-protegidos: um vingará o outro.
Ministro
da Polícia do Consulado
Os três cônsules: Cambacérès,
Bonaparte e Lebrun.
A França assiste a um período de reorganização, em
que a economia é saneada, aprova-se o Código Civil e mesmo Fouché mostra-se leal e
apaziguador. Antigos focos de resistência, realistas ou terroristas,
desaparecem, e a criminalidade é combatida.
Em 20 de janeiro de 1800, contudo, chega a Paris a
notícia de que o Primeiro Cônsul havia sido derrotado na Campanha da Itália; rapidamente os ministros e conselheiros
confabulam sua substituição, sendo Carnot o mais afoito. Mostrando seu gênio
militar, Bonaparte reverte a derrota certa, sagrando-se vitorioso e consolidando
sua fama militar. Fouché não se manifestara ostensivamente, mas tem-se este
obscuro episódio como o marco a partir do qual perdera a confiança de Napoleão.
Tem início a campanha dos familiares de Bonaparte
contra Josefina. Fouché, tendo votado pela morte do Rei e sentindo-se preso à
República, alia-se à esposa do general, sua antiga assalariada. A 24 de dezembro de 1800 quando o Primeiro Cônsul se dirige ao
teatro para a estreia do oratório A Criação, de Haydn,
sofre um atentado à bomba, do qual escapa ileso. A ira de
Napoleão recai sobre o ministro da polícia, exigindo dele que impute a culpa
sobre os Jacobinos; Fouché contudo sustenta ser errada esta teoria; os
Jacobinos são perseguidos, enquanto o ministro investiga os monarquistas.
Durante duas semanas Fouché é ridicularizado, até
que a trama dos Chouans (monarquistas) é descoberta: ele
estava certo, e os jacobinos condenados eram inocentes. Seu êxito seria
significativo, não tivesse Napoleão se cercado de vitórias ainda maiores, nos
dois últimos anos do Consulado. Fouché então trabalha para que seja prolongado
o mandato de Napoleão em dez anos, mas este já tinha ambições maiores, e
rejeita a outorga que lhe dá o Senado; o povo o elege cônsul vitalício, fazendo
com que parentes seus exijam a cabeça de Fouché. Mas ainda lhe falta um motivo.
Pressionado, Napoleão procura agir de forma a que a
demissão ocorra com todos os cuidados, e Fouché é "nomeado" senador;
recebe, ainda, a metade dos 2 milhões e 400 mil francos que apresenta no
tesouro do Ministério - uma fortuna, além da senatoria (que vai de Marselha a
Toulon), avaliada em 10 milhões de francos. Zweig constata: "raramente,
no curso da História, terá sido um ministro demitido com mais honras e
sobretudo com mais prudência do que Joseph Fouché".
Fouchet senador
Desenho ilustra a casa de Fouché em
Ferrières.
Ao contrário de seu último afastamento, desta vez
Fouché está rico; adquire uma mansão à rua Gerutti e uma magnífica residência de verão - que mais tarde será dos Rotschild - em Ferrières, e vive com as boas rendas que lhe dão as
senatorias de Aix e os domínios da Provence.
De antigo comunista, é agora um bem sucedido
capitalista, com largas aplicações na Bolsa, e logo torna-se no maior
proprietário de terras da França. Entretanto, não muda seu estilo de vida
sóbrio, metódico, de antes. Parece haver se tornado um bom marido,
administrador das propriedades - um simples pai de família.
Contudo, continua a enviar todas as semanas informes
secretos ao Primeiro Cônsul: seu afastamento é apenas aparente, mas Napoleão
quer conservá-lo longe. Fouché, contudo, espera que o governante cometa um
erro, e surja a ocasião de mostrar-se útil, novamente.
Alia-se, assim, às pretensões realistas de Bonaparte:
"poucos trabalham tão galhardamente para enterrar de vez a República",
diz Zweig, quanto o republicano Fouché. E, em 1804, finalmente, Napoleão o
convoca: Fouché será novamente Ministro, havendo traído agora a si próprio, em
seus primitivos ideais.
Ministro de Napoleão
Havendo colaborado para a instalação do Império, é
Fouché mais uma vez nomeado Ministro da Polícia. Embora não goste de Sua
Majestade, nem Bonaparte dele, viverão ambos uma década de mútua desconfiança e
colaboração, da qual apenas um consegue sobreviver - e não foi o mais poderoso
deles.
Era com frieza que Fouché ouvia os impropérios do
governante cada vez mais autocrata. Napoleão trata-o com desconfiança e várias
vezes com ele grita, reclama, censura. A tudo, porém, reage friamente. Por
diversas vezes escuta sua demissão, mas sabe que Napoleão precisa dele - uma
dependência que intrigava aos contemporâneos. O chefe da polícia tinha em suas
mãos uma eficiente rede que lhe punha a par de tudo o que o Imperador fazia -
ao tempo em que procurava ocultar-lhe seus próprios passos. É um incômodo para
o governante, que se fortalece a cada dia.
Mas Fouché compreende bem a "guerromania" do
Imperador. A Metternich diz, de Bonaparte: "Quando se
tiver feito a guerra com o vosso país, tê-lo-emos em seguida com a Rússia e
depois com a China", isto cinco anos antes da campanha contra Moscou.[29]
Contra esse espírito belicoso do soberano unem-se
seus dois melhores ministros: Fouché e Talleyrand - também ele oriundo da
Igreja, tendo passado por todas as etapas vividas pelo primeiro, e comungam a
mesma amoralidade política. De Fouché difere num ponto: quer o poder para
satisfazer sua luxúria; o outro, embora riquíssimo, segue mesquinho. A aversão
que sentem um pelo outro era expressa em comentários espirituosos: de
Talleyrand sobre Fouché - "Monsieur Fouché despreza os homens; sem
dúvida, muito estudou a si próprio."; e, quando este foi nomeado
vice-chanceler, Fouché declarou: "Só lhe faltava esse vício".
Mas se, por anos a fio, os dois adversários
divertiam ao Imperador e Paris com suas farpas, a campanha de Napoleão em 1808
contra a Espanha promoveu a inesperada união dos opostos.
Os
erros de Fouché
Ouvrard, banqueiro que Fouché
usou para uma paz secreta com a Inglaterra.
Finda a campanha em 1810, retorna Napoleão a Paris
e, malgrado a disposição de seu Ministro da Polícia em agir livremente, retoma
o governo em suas mãos. Durante uma visita ao irmão Luiz na Holanda ao lado de
sua nova esposa Maria Luiza, por este é indagado acerca do andamento das
negociações secretas com os ingleses. O Imperador, que nada sobre aquilo sabia,
disfarça a surpresa e, prontamente, tenta descobrir do que se trata.
Fouché, usando de obscuro banqueiro chamado Ouvrard, fez este servir-se do também banqueiro
holandês Labouchère e este, de boa-fé, negociava com o banqueiro inglês Baring:
o primeiro, a crer que Fouché falava em nome de Bonaparte, acha que está em
missão oficial de tal modo que os ingleses acreditaram estarem a tratar com o
próprio Imperador - quando na ponta de tais negociações havia somente Fouché.
Ele quem, sozinho, queria os louros de haver conseguido a paz com a Inglaterra,
às escondidas do próprio Imperador.
Desconfiado de que fosse o Duque de Otranto o
artífice da artimanha diplomática indevida, age Napoleão com astúcia. Do irmão
obtém a correspondência do banqueiro Ouvrard e se inteira da negociação que desconhecia
até aquele momento. Ordena a Savary, duque de Rovigo, chefe de sua polícia
militar, que prenda ao banqueiro, sem alarde, e retenha-lhe todos os papéis.
Enquanto isto se dá, durante uma reunião de ministros, questiona Fouché, de sua
grande falha em permitir que o tal Ouvrard realizasse atos que ele
desaprovaria, em seu nome. Ante as evasivas de Fouché, Napoleão exige-lhe que
prenda ao banqueiro inconveniente - algo que o ministro não poderia fazer, sem
arriscar que o outro revelasse todo o plano.
Cambacérès, o arquichanceler,
defende Fouché: o temor ao ministro é igual ao temor a Napoleão.
No dia seguinte, após a missa, Napoleão reúne todos
os ministros e dignitários, exclusive Fouché, lançando-os de chofre a questão:
o que fariam se soubessem que um dos ministros lhe traíra a confiança para
negociar com o inimigo? Qual pena a condená-lo? Todos, de imediato, perceberam
de quem se tratava. E, para surpresa do Imperador, todos ficam silentes, salvo
o arquichanceler Cambacérès que
tenta, para irritação do Imperador, justificar um tal ato (com o qual todos ali
concordam): "...é incontestavelmente uma falta que merece severo
castigo, a não ser que o culpado se tenha deixado levar a cometer este erro por
excesso de zelo".
Napoleão percebe que precisa se livrar de tal
figura que mesmo seus auxiliares se recusam a condenar e, expondo todos os
fatos, pede que indiquem um sucessor para a Polícia. Ninguém diz nada, temendo
de igual forma a Fouché como a ele, Napoleão. Talleyrand, que havia também sido
convidado embora não mais ocupasse uma pasta, mais uma vez encontra chance para
uma de suas geniais partidas, assistindo ao embate de seus dois adversários:
"Sem dúvida, Fouché andou muito mal, e eu lhe daria um substituto, mas
um só: o próprio Fouché".
Mas Napoleão decide nomear Savary, fazendo-o
prestar juramento naquela mesma noite. A opinião pública apoia o ministro
demitido, e isto era senso comum: todos almejam a paz, e Napoleão está em vias
de ampliar o Bloqueio Continental, que levará à sua derrocada ao atacar a
Rússia.
Bonaparte, pela segunda vez, percebe o risco de
demitir uma figura tão poderosa quanto Fouché.[nota 7] Brinda-o
com cargos e honrarias, tornando-o Conselheiro de Estado e embaixador em Roma.
A carta pessoal do Imperador ao ministro demissionário, então, ilustra o
cuidado com que se cercou: "Conheço todos os serviços que me tendes
prestado, e acredito em vossa dedicação à minha pessoa (...) Aliás, minha
confiança em vossos talentos e em vossa fidelidade é completa, e desejo achar
ocasião de vo-lo provar, e de os utilizar em meu serviço."
Mas Fouché, que sabia abrir todas as portas, agora
iria mostrar que sabia fechá-las.
Napoleão
persegue Fouché
Dubois, encarregado de
perseguir Fouché.
Ao ser demitido pede Fouché ao seu sucessor um prazo
para colocar em ordem sua pasta, antes de entregá-la. O Duque de Rovigo,
ingenuamente, concede-lhe e Fouché começa a carregar do Ministério todos os
papéis que lhe interessam, a alterar as senhas das cartas cifradas de modo a
torná-las ininteligíveis, a queimar por quatro dias e noites os demais
documentos.
Com a demora na transmissão do cargo o próprio
Napoleão o intima a entregar documentos que sabia em sua posse, dentre as quais
uma carta ao Lord Weslleley, que o incriminaria. Fouché resiste, alegando que
destruíra tudo. O ex-ministro logo deixa de cumprir outras intimações,
tornando-se o primeiro em França a claramente desafiar o Imperador. Napoleão,
irritado, ordena que seja preso em L'Abbaye se necessário, encarregando Dubois, chefe de sua polícia particular, de
apreender-lhe todos os papéis.[33]
Fouché percebe que fora longe demais e se arrepende,
indo a Paris desculpar-se, sem obter sucesso. Por fim Napoleão escreve-lhe uma
carta: "Senhor Duque de Otranto, seus serviços não me podem mais ser
agradáveis. É necessário que, dentro de vinte e quatro horas, parta para a sua
senatoria". Não é mais sequer embaixador em Roma, sabe que se não der
os documentos - muitos deles já destruídos - será preso pois, para cumprir tal
ordem, o Imperador designara o ministro da polícia que o substituíra. Era 3 de
julho de 1810.
Fouché consegue um passaporte e foge para a Itália,
indo de uma cidade a outra e em nenhuma delas permanecendo muito tempo,
temeroso da vingança de Napoleão, sem saber onde se fixar ou se dirigir, e
nunca se sentindo seguro face a sombra de tal gigantesco perseguidor. Implora
apoio às irmãs do Imperador, aos amigos, aos governantes, chega a fretar um
navio para fugir para a América. Presume-se que, neste interregno, sua esposa
tenha entregue todos os documentos que diziam respeito a Bonaparte pois,
finalmente, recebe autorização para voltar ao seu castelo em Aix, onde chega
para o seu terceiro "exílio" da vida pública a 25 de setembro; serão
três anos de isolamento.
Fouchet derrota Napoleão
Bourrienne, o novo encarregado
de prender Fouché.
A aproximação de Napoleão, que recebia a adesão
cada vez maior das tropas, deixou em pânico a nobreza. No auge do desespero,
lembram-se de Fouché: o próprio irmão do Rei o procura, a fim de que assuma uma
pasta ministerial - mas o velho político faz ver que o procuraram tarde demais;
diz que é hora de levarem em segurança o monarca para longe, pois a volta de
Bonaparte será breve. Procura assim não se comprometer e, ainda, assegurar o
futuro, que pressente.
Os Bourbon não pretendem partir deixando Fouché livre
e, três dias antes da fuga do Rei, mandam-no prender. Era então prefeito da
polícia parisiense o ex-auxiliar de Napoleão, que fora seu colega na escola de
guerra, Bourrienne, que
sabe não será uma empresa fácil deter seu antecessor na chefia da polícia. Sob
sua ordem a carruagem de Fouché é cercada a 16 de março de 1815. Fouché declara
aos guardas: "Não se prende no meio da rua a um antigo ministro, antigo
senador", e parte a toda para seu palácio da rua Cerruti. Lá é cercado
pelos milicianos e, quando eles leem sua ordem de prisão, Fouché pede um tempo
para se vestir adequadamente. Os homens esperam, esperam e, quando se dão conta,
Fouché escapara "à francesa": saltara para o jardim vizinho por uma
janela. Já não tinham mais tempo para prendê-lo, pois Napoleão estava chegando,
e Fouché - com esta pantomima - exigir-lhe-ia um atestado de fidelidade,
enquanto Paris inteira ri-se da peça que pregara em seus captores.
A 20 de março os parisienses aclamam novamente o
Imperador, e uma turba o conduz às Tulherias. Não há naquela multidão ninguém
de valor, ninguém que efetivamente tivesse capacidade para instalar um novo
governo, faltando a Bonaparte todos seus antigos assessores. Isto dura até o
momento em que abrem todos passagem para alguém que surge, sob aclamações: é
Fouché, a quem Napoleão leva para uma conferência privada num gabinete e que de
lá sai, pela terceira vez, nomeado Ministro da Polícia.
Mas o novamente Ministro esperava mais, naquele
momento crítico - queria o ministério das relações exteriores - que Napoleão,
ainda desconfiado, lhe nega. O Imperador percebe as enormes adversidades neste
retorno e escreve cartas aos antigos inimigos procurando assegurar-lhes de seu
pacifismo atual, mas não obtém respostas. Seus amigos estão dispersos, ou
servindo ao adversário; sua esposa flerta com o jovem Neipperg, e o filho está
sendo criado pelo sogro, o Imperador austríaco. Mesmo a França está dividida,
cheia de rebeliões. Em Londres e Viena todos tratam apenas com uma pessoa:
Fouché.
Enquanto os mensageiros de Napoleão são presos os
enviados do Duque de Otranto são recebidos com polidez em Londres e Viena. E
Fouché concentra em suas mãos tal poder que o torna a figura central daqueles
tempos. Corresponde-se com Talleyrand, que espreita junto aos monarquistas.
Seria ele, assim, o homem que cravaria pelas costas o punhal em Napoleão. Mas
Fouché declararia, mais tarde: "Não fui eu quem traí Napoleão,
foi Waterloo"
Apesar disto Bonaparte, que criara uma polícia
secreta unicamente para vigiá-lo, descobre o jogo duplo de seu ministro; é
preso um emissário de Metternich que, sob ameaças, confessa levar a Fouché um
convite para uma entrevista, na Basileia. De posse da senha a ser usada pelo mensageiro da
resposta do Duque de Otranto, envia o Imperador como sendo do ministro um
emissário aos austríacos, armando um laço a Fouché - mas este, em
contrapartida, também possui agentes a vigiar o Imperador e, fingindo lealdade,
entrega a Napoleão a carta que recebera dos inimigos - e que sabia fora
interceptada antes. Fouché escapa deste modo, mas o agente que retorna da
conferência com os austríacos dão ao Imperador uma notícia adversa: a Europa
aceita qualquer governo em França, menos o dele.
Napoleão entrega a Fouché sua
abdicação.
Ante a certeza do jogo duplo de Fouché, durante uma
reunião Bonaparte chega mesmo a lhe dar uma faca para que o apunhale logo,
cioso de que será por ele traído. Fouché, impassível, nada diz. Sabe que em
questão de poucas semanas Napoleão cairá. Mais tarde, com a demora das estradas
naqueles tempos, enquanto os canhões de Paris anunciavam, a 18 de julho de
1815, a vitória numa batalha, já em Waterloo Napoleão caía derrotado. Paris
festeja por dois dias até que, em 20 de julho, chegam as notícias verdadeiras e
terminantes do fracasso. Fouché, enquanto a cidade jaz abatida, age
rapidamente.
O retorno do Imperador derrotado encontra um Fouché
preparado para acelerar seu fim. A 21 de junho a Câmara dos Deputados se reúne,
tendo Fouché escolhido um porta-voz, como outrora fizera contra Robespierre,
para armar o bote decisivo: fala La Fayette, herói da Independência dos Estados Unidos e esquecido sob o lume de Bonaparte, e em seu
discurso clama por liberdade, para que seja a pátria salva do déspota.
Napoleão poderia abdicar, salvando o trono para seu
filho, mas demora-se a tomar uma decisão. Fouché então reúne os deputados de
sua confiança durante a noite e, no dia seguinte, La Fayette declara a
Bonaparte: ou abdica, ou será destituído. Dão ao Imperador uma hora de prazo
para se decidir. Fouché está ao seu lado esperando a resposta até que, enfim,
ele diz-lhe: "Escreva a esses senhores que fiquem tranquilos. Seus
desejos serão satisfeitos" - na sala ao lado Bonaparte dita ao irmão
sua abdicação que em seguida é entregue nas mãos do mesmo Fouché; este então
lhe faz uma última reverência. Ao fim de cem dias derrotara, enfim, o maior dos
generais.
Fouché
governa a França
O Duque de Otranto sobe à tribuna levando, a 22 de
junho, a histórica folha de papel. Esperando obter dos deputados o poder,
sugere que seja de imediato eleito um Diretório, de cinco membros. Consegue
evitar a eleição de La Fayette, que o ajudara, mas é derrotado por Carnot (342
a 293 votos), que assim ficaria com a presidência do governo provisório. Mais
uma vez Fouché arma a cilada, e Carnot cai: propõe que o diretório se
constitua, elegendo seu Presidente e Secretário; ante a surpresa de Carnot,
Fouché declara: "Dar-vos-ei meu voto para a presidência", ao
que o outro devolve a gentileza: "Eu vos darei o meu". Com
dois outros membros comprados, Fouché é eleito, e com o voto de seu
concorrente. É, finalmente, o homem mais poderoso de França.
Começa, então, a fustigar o ex-Imperador,
censurando-lhe as mensagens que enviava aos jornais. Acuado pelo antigo
servidor, refugia-se Napoleão em Malmaison. Fouché o adverte a resignar mas Bonaparte,
mesmo com a aproximação das tropas de Blücher, procura uma última escapatória:
oferece-se para ser um mero general. Fouché desdenha desses últimos arroubos, e
Bonaparte procura fugir. Está acabado, finalmente, junto a todos que o
acompanharam.
Queda e morte
Cabe ao poderoso Fouché arquitetar a volta da
Monarquia, o sistema que um dia ajudara a derrubar.
A família real, que jamais
perdoaria o regicida Fouché.
Governando uma república, concerta Fouché um cargo
de ministro no futuro governo de Luís XVIII. Este, contudo, reluta em aceitar o
regicida, um dos que assinaram a morte de seu irmão, mas é finalmente demovido,
e concorda. Assim, recebe, tendo somente o ex-bispo Talleyrand por testemunha,
a Fouché, que comprará por um ministério. Mancando, Talleyrand conduz o
comparsa, numa cena que Chateaubriand descreveria
como "o vício apoiado sobre o crime". O futuro rei o nomeia
ministro.
No dia seguinte as tropas aliadas entram em Paris,
prendendo os deputados. Fouché, ardilosamente, propõe aos colegas do Diretório
que renunciem em protesto, e todos caem na cilada. Por um dia a França ficou
sem governo. No dia seguinte, 28 de julho, Luís XVIII entra triunfalmente em
Paris, aclamado por uma multidão.
Embora tivesse prometido anistia aos que serviram a
Napoleão, o Rei entrega a Fouché a função de organizar uma lista de proscritos.
Este, para safar-se, realiza uma lista não de poucas dezenas de nomes, entrega
uma com quase mil - dizendo que fossem todos punidos, ou nenhum. Mas
Talleyrand, que preside ao Ministério, usa de astúcia maior e ordena-lhe que
reduza a lista a umas quatro dúzias, assinando suas sentenças de morte ou
exílio.
A cidade provinciana de Linz,
onde amargou Fouché parte do humilhante exílio final.
Em 1817 Fouché, que fora toda a vida fiel a uma
feia mulher, casa-se novamente, com uma bela aristocrata de 26 anos,
tornando-se assim uma figura caricata: seu atrativo único era a imensa fortuna,
inferior apenas à do Rei, que foi padrinho da união.
Mas Fouché não é bem-visto pela Corte; as pessoas
não o cumprimentam, surgem panfletos relembrando o Metralhador de Lião",
e os monarquistas pedem que o governo seja limpo de tais imundícies. Ainda
tenta ele articular com representantes das tropas invasoras, sem muito sucesso.
A filha de Luís XVI, Duquesa de Angoulême, nutre por ele um ódio figadal, o
assassino de seus pais, e obtém o apoio da família real para que seja expulso
de seu meio.
Cabe a Talleyrand a tarefa de demitir Fouché. E o
faz de forma irônica, num sarau a 14 de dezembro; começa o ex-bispo a elogiar
os Estados Unidos da América, concluindo que um posto de embaixador ali
era tudo o que ele almejaria. Então, voltando-se para o Duque de Otranto,
diz-lhe: "esse posto é belo, como se vê. Pois bem, posso dar-lho, se
lhe agrada". A mensagem foi captada, e mais tarde Talleyrand diria
"Desta vez, torci-lhe definitivamente o pescoço".
Fouché, submisso, aceita ser nomeado embaixador
em Dresden; era 1819, e tinha já 56 anos, não tendo outra
alternativa senão obedecer àquele que havia um semestre tornara Rei. E, tão
logo começa a arrumar suas coisas em Dresden, já todos só dele se lembram
apenas como regicida ou como o metralhador lionês, a Assembleia (por 334 votos
a 32) vota o seu banimento. Sua nomeação é revogada e ele não é mais ninguém.
De um golpe, não pode voltar à França, e não possui posto a ocupar nem lugar
para onde ir. Apela a Metternich, mas este lhe veta a entrada em Viena,
aconselhando-o se mudasse para Praga, como
pessoa comum. É o que faz, embora a provinciana cidade o tenha em má conta,
face as notícias que os jornais parisienses publicam e são largamente lidos
naquela cidade. Sua correspondência é vigiada.
Em Praga sua jovem esposa tem um affair com
um exilado republicano, Thibaudeau, e o caso é conhecido, aumentando-lhe a
humilhação. Pede a Metternich que permita-lhe mudar de cidade, sendo-lhe
permitido ir para Linz, cidade sem qualquer atrativo. Ali, no
ostracismo, faz publicar um livro auto-elogiativo e, nas cartas que ainda
escreve aos conhecidos, dá a entender que prepara suas memórias - como forma de
alertar que ainda detém segredos de muitos e, assim, conseguir algo - sem
qualquer resultado obter.
Ao fim de três anos em Linz, Fouché está acabado e
Metternich permite-lhe que se mude para Trieste. Ali o ex-padre e ex-ateu frequenta missas e
definha para a morte. Antes do desfecho final de sua vida ordena que seu filho
queime todos os papéis que ainda conservava consigo - e talvez as tais memórias
que dissera escrever tenham sido assim destruídas. Morre, obscuramente, em 26
de dezembro de 1820.
Exemplar de 1824 das
"Memórias" por "M. F."
As memórias de Fouché
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Em 1824[nota 10] foram publicadas em Paris umas "Memórias
do Duque de Otranto" que, embora com material autêntico, não traz a
certeza de que tenha o próprio Fouché se ocupado de realmente escrevê-las.
Delas Heinrich Heine dissera que este homem, notoriamente
falso, levou a falsidade a tal ponto que publicou, mesmo após sua morte, falsas
memórias.
Já todos haviam se esquecido de Fouché quando um
editor faz surgir em Paris o boato de que as memórias do homem outrora tão
temido viriam a lume - como uma forma de propaganda sobre aqueles que temiam
ver expostos os documentos levados por Fouché da polícia, as cartas
comprometedoras que interceptara, as provas de crimes e conluios. Mas o volume
nada disto trazia. E Fouché passou para a margem da História, onde poucos dele
se lembram.
Origem: Wikipédia
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