Arte pictórica: pintura
barroca mineira
O mestre
Ataíde
O grande
mestre da pintura barroca mineira (brasileira)
Manuel da Costa Ataíde, mais conhecido como Mestre
Ataíde, (Mariana, batizado em 18 de outubro de 1762 – Mariana, 2 de fevereiro de 1830), foi
um militar e celebrado pintor e decorador brasileiro.
Foi um importante artista do Barroco-Rococó mineiro e teve uma grande influência sobre os pintores
da sua região através de numerosos alunos e seguidores, os quais, até a metade
do século XIX, continuaram a fazer uso de seu método de
composição, particularmente em trabalhos de perspectiva no teto de igrejas. Documentos da época fazem frequentemente
referências a ele como professor de pintura.
Pouco se sabe sobre sua vida e formação artística e
nem todas as suas criações estão documentadas, mas deixou obra considerável,
espalhada em várias cidades mineiras. Uma das características da sua expressão
era o emprego de cores vivas em inusitadas combinações, que têm sido associadas
à exuberante natureza do país; no seu desenho, os anjos, as madonas e os santos
apresentam às vezes traços mestiços; por isso é tido como um dos precursores de
uma arte genuinamente brasileira. Foi contemporâneo e parceiro de trabalho de
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, cujas estátuas encarnou. Hoje Mestre Ataíde é considerado um dos
maiores nomes e um divisor de águas na história da pintura brasileira, e o maior representante da pintura do Brasil colonial.
Manuel da Costa Ataíde era filho do capitão português Luís da Costa Ataíde, oriundo de Santa Cruz de Alvadia, e de Maria Barbosa de Abreu, de
naturalidade possivelmente também portuguesa. Nasceu na freguesia de Mariana e
foi batizado em 18 de outubro de 1762, na Catedral. Sua família era de condição
modesta, possuindo um sítio para plantação de milho, uma criação de porcos,
alguns escravos e duas casas em Mariana. Teve quatro irmãos: Domingos, tenente e também pintor, Sebastião, Antônio, que veio
a ser padre, e
Izabel Gualdina.
Quase nada se sabe sobre seus primeiros anos, e o
resto de sua biografia documentada nos traz pouca informação. Sabe-se que além
de artista foi militar, atingindo os postos de sargento e alferes. Sobre seu aprendizado artístico as lacunas
são igualmente amplas. Carlos Del Negro supõe que pode ter sido aluno de João Batista de Figueiredo, e pode ter aprendido também com outros mestres já
estabelecidos na região de Minas, como João Nepomuceno Correia e Castro e Antônio Martins da Silveira. Nada nos autoriza a imaginar,
entretanto, que sua formação tenha diferido do costume da época, que fazia
iniciar os aprendizes junto a uma corporação de ofícios liderada por um mestre,
passando gradualmente das atividades mais elementares até a plena qualificação.
Aprendeu várias especialidades, que veio a dominar com maestria: tornou-se,
além de pintor de painéis, dourador e pintor de imagens e talha, desenhista e
ilustrador, acabando por ser ele mesmo professor de muitos alunos. Também
deve ter recebido instrução em projetos arquitetônicos e em cartografia.
Suas primeiras obras documentadas datam de 1781,
quando encarnou duas estátuas de Cristo no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Até o final do século XVIII se ocupou
principalmente na douração de talha em madeira e na encarnação de
estatuária em várias cidades da região. Em 1797 foi nomeado sargento da
Companhia de Ordenança do Distrito do Arraial do Bacalhau, em Mariana, e em
1799, foi nomeado alferes da Companhia do Distrito de Mombaça, na mesma
localidade.
Deus promete a Abraão
multiplicar sua descendência, painel lateral da capela-mor
de São Francisco em Ouro Preto, pintado em estilo de azulejaria.
Na morte do pai, em 1802, renunciou à herança em
favor dos irmãos. A partir daí sua carreira ganhou fôlego, mas nunca chegou a
fazer fortuna, embora granjeasse largo prestígio ainda em vida. No censo
de 1804 declarou que vivia de seu ofício de pintor; não é claro se em algum
tempo veio a receber pagamento por suas funções militares, pois quando foi
feito alferes em 1799 um documento registra que não recebia soldo nenhum, mas
gozava de "todas as honras, graças e privilégios" que lhe cabiam por
seu posto.
Nesta época, possivelmente desde 1808, começou um
relacionamento duradouro com a mulata alforriada Maria do Carmo Raimunda da Silva, nascida em
1788, mas viveram em regime de concubinato, jamais casando nem coabitando. Com ela teve seis
filhos: Francisco de Assis Pacífico da Conceição (batizado em 1809), Maria do
Carmo Neri da Natividade (1812), Sebastião (bat. 1814, morto logo após o
nascimento), Francisca Rosa de Jesus (bat. 1815), Justino (bat. 1818, também
morto bebê), e Ana Umbelina do Espírito Santo (bat. 1821).
Em 18 de maio de 1818 dirigiu a Dom João VI uma petição para criar em Mariana "uma
Aula de Desenho, e Arquitetura Civil e Militar e da Pintura.... desejando muito
e não tendo maiores possibilidades para saciar os seus próprios desejos de ser
útil ao público, e à sua Nação e ainda a todo o Mundo, na instrução,
adiantamento e aperfeiçoamento das sobreditas Artes", pois "ninguém
melhor que Vossa Majestade Real sabe quanto é útil a arte do desenho e
arquitetura civil, e militar e da pintura: e que haja neste novo Mundo, principalmente
nesta Capitania de Minas, entre a mocidade, homens hábeis de admirável esfera
que desejam o estudo e praxe do risco.... desterrando assim a ignorância e a
viciosidade, e promovendo as Artes, e ciências, e a instrução popular". O
pedido não recebeu nenhuma resposta conhecida, mas em 29 de abril do mesmo ano
obteve da Câmara de Mariana um atestado de professor, "tendo dado
bastantes provas de que não só é capaz de por em praxe o risco das Cartas
Geográficas, dos animais, plantas, aves e outros produtos da Natureza, como
explicar e instruir aos que se quiserem aproveitar", o que segundo Sousa
Júnior aponta para a formação de um ateliê, mas não uma escola formalizada.
Sua profissão o obrigava a constantes deslocamentos
para atender encomendas em várias localidades mineiras, e pôde deixar obra
extensa. Teve diversos ajudantes em seus trabalhos, conforme o hábito da época,
entre eles aprendizes e escravos. Sua última criação documentada foi a tela
intitulada A Última Ceia, de 1828. Depois de prolífica carreira,
faleceu e foi sepultado em 1830 na igreja da irmandade de São Francisco da
Penitência, em Mariana, tendo pedido em última vontade a celebração de missas
em todas as irmandades de que fora membro.
Anjos músicos, detalhe da Assunção
de Nossa Senhora, Igreja de São Francisco, Ouro Preto.
Sabe-se pouco sobre sua vida privada. É clara sua
preocupação com o bem-estar de sua família, provendo-lhe o necessário para o
sustento, é generoso com os escravos e aprendizes.[12] Aparentemente
era um fiel devoto da Igreja Católica, tendo ingressado em dez irmandades
religiosas, e vários documentos atestam sua frequência aos serviços religiosos
junto com a família e seus escravos. A despeito disso, nas irmandades que eram
ordens terceiras, nunca foi admitido como irmão professo, já que era
"indigno", como ele mesmo declarou; seu estado de "concubinato
renitente" o impedia. Não obstante, explicava publicamente seu
concubinato e os filhos naturais que tivera, situação comum, mas irregular,
como "uma fragilidade humana".
Sua carreira militar até onde se sabe parece ter
sido mais honorária do que efetiva, e mesmo se não, as artes parecem ter levado
uma vantagem natural, pois foi descrito como sendo um "homem calmo, fino,
rico de dotes e prestígios", que Fritz Teixeira de Salles chama de
"diplomata ameno". No seu espólio foram arrolados vários bens, que
podem ajudar a dar-nos uma ideia de seus hábitos e gostos pessoais, entre eles
um piano forte, uma rabeca, uma violeta, um fagote, uma
caixa de tabaco, espada, espingardas e pistolas, um relógio com corrente
dourada, um par de fivelas de calção de pedras de topázio cravadas em prata
dourada, calção de cetim riscado e colete de lã, chapéu, bengala de junco com
cabo de prata, uma chácara, uma casa na Rua Nova, vários utensílios
domiciliares como colheres de prata, louças, cadeiras, poltronas, armários,
espelhos, bandeja, candeeiro, uma bíblia ilustrada, um dicionário de francês, o
tratado Segredo das Artes, uma luneta, um oratório dourado com
cinco imagens. Seu gosto pela música parece
evidente, a partir da posse de vários instrumentos e da frequente representação
de figuras de músicos em suas pinturas, às vezes pintando orquestras inteiras
com uma correta descrição dos instrumentos.
As diversas apreciações críticas elogiosas que
foram disseminadas em trechos anteriores tornam desnecessário descrever
novamente em detalhe o elevado prestígio de que o artista desfruta entre a
crítica especializada e mesmo o grande público que de algum modo se interessa
pela história da arte do Brasil nos dias de hoje. Ele já foi inclusive tema de
estudos de eruditos estrangeiros. Basta então lembrar que seu nome é
consensualmente reconhecido como de importância central na história da pintura
brasileira. Mais do que um patrimônio nacional, ele ainda inspira novos
artistas, além de suas obras serem objeto de projetos escolares e serem
infalivelmente mencionadas em guias turísticos ao lado das de Aleijadinho como
entre os principais atrativos culturais da região de Minas.
A pesquisa sobre sua vida e obra continua e ainda
há muito por desvendar. Textos especializados aparecem regularmente e há poucos
anos foram descobertas pinturas suas desconhecidas, ocultas sob repinturas
posteriores, realizadas nas Capelas dos Passos do Santuário de Matosinhos, as
mesmas capelas onde estão as estátuas de Aleijadinho que ele encarnou. Os
órgãos do patrimônio histórico brasileiro realizam ações de conservação e
restauro do seu legado material, mas por outro lado, em alguns casos suas
pinturas estão em mau estado de conservação, e exigem a atenção urgente das
autoridades responsáveis e das comunidades onde estão para que esses tesouros
da arte colonial brasileira não se percam para sempre.
Num tempo em que a
espetacularização do culto religioso era uma tônica, e todas as artes
concorriam para a criação de uma "obra total" sintetizada no templo
feericamente decorado, onde a celebração ocorria em meio a música e oratória
sagrada, e a arquitetura resplandecia em mobílias entalhadas, pratarias,
pinturas, estatuária e retábulos dourados, cabe
lembrar que Ataíde não foi apenas pintor, mas grande parte de sua carreira foi
empregada nas tarefas de douramento de talha e encarnação de estátuas. Em
várias igrejas mineiras o artista deixou sua marca em vários aspectos da
decoração, e às vezes chegou a projetar a arquitetura de retábulos e objetos
litúrgicos como castiçais e crucifixos. Também foi ilustrador, pintando iluminuras em Livros de Compromisso de
irmandades. Nestas outras áreas,
sua obra mais afamada foi a encarnação de uma série de estátuas nas Capelas dos
Passos do Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos, que haviam sido esculpidas por outro grande nome do
período, Aleijadinho
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