Literatura: artigo
Raymundo Pinto,
desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da Academia de Letras
Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.
Em
1989, o Muro de Berlim caiu e, no ano seguinte, a União Soviética desmoronou.
Estava decretado o fim da chamada Guerra Fria. Tais fatos históricos, pela sua
imensa repercussão em nível mundial, representou o início de uma nova era.
Gerou, um impacto gigantesco entre os milhões de seguidores das ideias
marxistas. Ficaram órfãos de referências concretas, pois não só a Rússia e seus
vizinhos próximos abandonaram o socialismo como solução mágica dos problemas
socais. Os países do Leste europeu, antes satélites fieis, também aderiram, de
modo rápido, ao velho capitalismo “decadente”. A China apressou-se em se
adaptar aos novos tempos. Abriu-se às empresas multinacionais, então
consideradas instrumentos do “imperialismo”, adotou práticas econômicas que, no
passado, seriam verdadeiras heresias e até cunhou uma denominação bem
contraditória ao proclamar que teria implantado um “socialismo de mercado”.
As
esquerdas não se deram por vencidas. Elegeram como estratégia intensificar a
divulgação, na América Latina, por meio de sua militância aguerrida e
barulhenta, da filosofia política de Karl Marx. Os ventos favoráveis começaram
a soprar, no início do século XXI, a partir da tomada do poder por Hugo Chavez
na Venezuela e de Lula no Brasil. É claro que Fidel Castro correu para apoiar o
movimento. As principais diretrizes da luta foram traçadas numa ampla reunião
realizada na capital paulista, sendo que o documento com as conclusões recebeu
o título de “Pacto de São Paulo”. Colheu adesões de “revolucionários” de vários
países, inclusive dos terroristas das FARC, que tentam há anos derrubar o
legítimo governo da Colômbia.
Enquanto
o barril do petróleo, no comércio internacional, estava com o preço acima de
cem dólares, o ditador da Venezuela, dispondo de muito dinheiro, sentiu-se um
grande líder e em condições de ser o chefe da reviravolta que implantaria, em
toda a América Latina, o chamado “socialismo bolivariano”. Além do Brasil, sua
influência se estendeu à Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, entre outros.
As coisas começaram a dar errado como decorrência dos seguintes acontecimentos:
a) Hugo Chavez foi abatido por um câncer; b) seu sucessor não tem carisma,
afundou a economia do pais e perdeu a eleição que escolheu os atuais
parlamentares; c) o preço do barril de petróleo está abaixo de 50 dólares; d) a
Argentina tem agora um presidente liberal; e) o resultado de um plebiscito na
Bolívia impede a reeleição de Ivo Morales.
Trago
essas considerações sobre fatos recentes ocorridos na vizinhança do nosso país
para chamar a atenção de que a saída de Dilma Rousseff – e consequente
afastamento do PT e seus aliados do controle do poder – constitui, com absoluta
certeza, uma avassaladora derrota dos planos esquerdistas para
as Américas. Ressalte-se que a doutrina marxista, por influência de um pensador
italiano chamado Antônio Gramsci (1891-1937), evoluiu e se inclina para
substituir a antiga estratégia de tomada do poder por meio de uma revolução, a
que se segue a implantação da “ditadura do proletariado”. Aquele mais flexível
doutrinador pregava que é mais factível a conquista gradual das rédeas do
governo utilizando os instrumentos da própria “democracia burguesa”, ou seja,
alcançar o poder pelo voto. Para tanto, é essencial atrair a simpatia de intelectuais,
líderes sindicalistas e de movimentos sociais, além de outras pessoas que
mantêm influência sobre trabalhadores e membros da classe média. Considerava
ainda importante aprovar medidas populistas com vistas a conquistar o voto dos
mais humildes.
Note-se
que o governo petista, agora destituído, fez algumas concessões para enganar os
democratas. Na época da eleição de 2002 divulgou a famosa “Carta aos
Brasileiros”, na qual assegurava a observância de certos princípios próprios da
economia de mercado. Antônio Palocci, primeiro Ministro da Fazenda, manteve
diretrizes firmadas por FHC, inclusive no combate à inflação. O liberal
Henrique Meireles ocupou o Banco Central por longo período. Por outro lado, não
deixou de prestigiar as alas esquerdistas radicais que compõem o PT,
principalmente ao adotar uma política externa de integral apoio a Cuba,
Venezuela, Bolívia e afins. Liberou muitos recursos para o MST, centrais
sindicais e outros movimentos que perturbam a ordem pública mais do que
colaboram. O bolsa família, a criação de universidades, o auxílio a estudantes
e outras medidas desse jaez – faça-se justiça – tiverem êxito. Contudo, é
indiscutível que bancos e grandes empresas se beneficiaram com a concessão de
exagerados benefícios.
O grande pecado do governo que caiu, além de se
aliar aos esquerdistas para mudar o regime democrático, foi o de pensar que
conservaria o poder por longo tempo apenas usando os elevadíssimos recursos –
bilhões! – provenientes das propinas angariadas das principais empreiteiras. O
juiz Sérgio Moro colocou “areia no brinquedo” e todo o lamaçal das roubalheiras
veio à tona. Houve razões jurídicas para o impeachment. Nos próximos dias e
meses saberemos as consequências, mas uma delas é previsível: os movimentos
esquerdistas na América Latina vão sofrer, sem dúvida, forte abalo.
Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da
Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.
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