quarta-feira, 18 de maio de 2016

ADEUS ‘PACTO DE SÃO PAULO’



Literatura: artigo




Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras. 
Em 1989, o Muro de Berlim caiu e, no ano seguinte, a União Soviética desmoronou. Estava decretado o fim da chamada Guerra Fria. Tais fatos históricos, pela sua imensa repercussão em nível mundial, representou o início de uma nova era. Gerou, um impacto gigantesco entre os milhões de seguidores das ideias marxistas. Ficaram órfãos de referências concretas, pois não só a Rússia e seus vizinhos próximos abandonaram o socialismo como solução mágica dos problemas socais. Os países do Leste europeu, antes satélites fieis, também aderiram, de modo rápido, ao velho capitalismo “decadente”. A China apressou-se em se adaptar aos novos tempos. Abriu-se às empresas multinacionais, então consideradas instrumentos do “imperialismo”, adotou práticas econômicas que, no passado, seriam verdadeiras heresias e até cunhou uma denominação bem contraditória ao proclamar que teria implantado um “socialismo de mercado”.

 
As esquerdas não se deram por vencidas. Elegeram como estratégia intensificar a divulgação, na América Latina, por meio de sua militância aguerrida e barulhenta, da filosofia política de Karl Marx. Os ventos favoráveis começaram a soprar, no início do século XXI, a partir da tomada do poder por Hugo Chavez na Venezuela e de Lula no Brasil. É claro que Fidel Castro correu para apoiar o movimento. As principais diretrizes da luta foram traçadas numa ampla reunião realizada na capital paulista, sendo que o documento com as conclusões recebeu o título de “Pacto de São Paulo”. Colheu adesões de “revolucionários” de vários países, inclusive dos terroristas das FARC, que tentam há anos derrubar o legítimo governo da Colômbia.    
Enquanto o barril do petróleo, no comércio internacional, estava com o preço acima de cem dólares, o ditador da Venezuela, dispondo de muito dinheiro, sentiu-se um grande líder e em condições de ser o chefe da reviravolta que implantaria, em toda a América Latina, o chamado “socialismo bolivariano”. Além do Brasil, sua influência se estendeu à Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, entre outros. As coisas começaram a dar errado como decorrência dos seguintes acontecimentos: a) Hugo Chavez foi abatido por um câncer; b) seu sucessor não tem carisma, afundou a economia do pais e perdeu a eleição que escolheu os atuais parlamentares; c) o preço do barril de petróleo está abaixo de 50 dólares; d) a Argentina tem agora um presidente liberal; e) o resultado de um plebiscito na Bolívia impede a reeleição de Ivo Morales.
Trago essas considerações sobre fatos recentes ocorridos na vizinhança do nosso país para chamar a atenção de que a saída de Dilma Rousseff – e consequente afastamento do PT e seus aliados do controle do poder – constitui, com absoluta certeza, uma avassaladora derrota dos planos esquerdistas para as Américas. Ressalte-se que a doutrina marxista, por influência de um pensador italiano chamado Antônio Gramsci (1891-1937), evoluiu e se inclina para substituir a antiga estratégia de tomada do poder por meio de uma revolução, a que se segue a implantação da “ditadura do proletariado”. Aquele mais flexível doutrinador pregava que é mais factível a conquista gradual das rédeas do governo utilizando os instrumentos da própria “democracia burguesa”, ou seja, alcançar o poder pelo voto. Para tanto, é essencial atrair a simpatia de intelectuais, líderes sindicalistas e de movimentos sociais, além de outras pessoas que mantêm influência sobre trabalhadores e membros da classe média. Considerava ainda importante aprovar medidas populistas com vistas a conquistar o voto dos mais humildes.  
Note-se que o governo petista, agora destituído, fez algumas concessões para enganar os democratas. Na época da eleição de 2002 divulgou a famosa “Carta aos Brasileiros”, na qual assegurava a observância de certos princípios próprios da economia de mercado. Antônio Palocci, primeiro Ministro da Fazenda, manteve diretrizes firmadas por FHC, inclusive no combate à inflação. O liberal Henrique Meireles ocupou o Banco Central por longo período. Por outro lado, não deixou de prestigiar as alas esquerdistas radicais que compõem o PT, principalmente ao adotar uma política externa de integral apoio a Cuba, Venezuela, Bolívia e afins. Liberou muitos recursos para o MST, centrais sindicais e outros movimentos que perturbam a ordem pública mais do que colaboram. O bolsa família, a criação de universidades, o auxílio a estudantes e outras medidas desse jaez – faça-se justiça – tiverem êxito. Contudo, é indiscutível que bancos e grandes empresas se beneficiaram com a concessão de exagerados benefícios.
O grande pecado do governo que caiu, além de se aliar aos esquerdistas para mudar o regime democrático, foi o de pensar que conservaria o poder por longo tempo apenas usando os elevadíssimos recursos – bilhões! – provenientes das propinas angariadas das principais empreiteiras. O juiz Sérgio Moro colocou “areia no brinquedo” e todo o lamaçal das roubalheiras veio à tona. Houve razões jurídicas para o impeachment. Nos próximos dias e meses saberemos as consequências, mas uma delas é previsível: os movimentos esquerdistas na América Latina vão sofrer, sem dúvida, forte abalo.
Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário