Lucy
BurnsDa BBC
O caso de Toft provocou intenso debate no meio
médico
No início do século 18 na Inglaterra, correu a notícia de que uma mulher
dava à luz coelhos.
"Desde que escrevi pela última
vez, a pobre mulher deu à luz três novos coelhos, todos eles malformados. O
último durou 23 horas dentro do útero antes de morrer. Se você conhece alguma
pessoa curiosa que queira ver isso com seus próprios olhos, parece que ela (a
mulher) tem outro coelho em seu útero. Não sabemos quanto mais há lá
dentro".
Esse
foi o texto da carta escrita por John Howard, um cirurgião de Guilford, na
Inglaterra, a Nathaniel St. Andre, médico da corte do rei George 1º, em 1726. A
pobre mulher era Mary Toft, de 23 anos.
Diante
da curiosíssima história, St. Andre não hesitou em ir examiná-la.
"Em 23 de abril, enquanto urinava em um campo,
ela viu um coelho perto dela. Por isso, ficou fixada nesses bichos", reportou o médico real.
"Desde então, sente um desejo constante de
comer coelhos, mas é pobre".
Toft
estava grávida quando viu o coelho e, aparentemente, teve um aborto espontâneo
pouco depois.
Toft virou um personagem folclórico
Mãe de coelhos
"Hoje
parece algo descabido, mas temos que entender que naquela época existiam muitas
dúvidas sobre a concepção. Havia gente estudada que acreditava que mulheres
podiam afetar o desenvolvimento dos ossos do bebê apenas com a força do
pensamento", explica Karen Harvey, professora da Universidade de Sheffield
e autora de um livro sobre Mary Toft que será publicado nos próximos meses.
Foi
depois de perder o bebê que Mary começou a dizer que estava dando à luz a
partes de coelhos. Apesar de que saíam mortos de seu ventre, e nunca inteiros,
eles pareciam estar saltando em sua barriga, segundo o depoimento de outro
médico que a examinou, Richard Manningham. "Definitivamente havia
movimento em uma parte do lado direito de seu estômago", escreveu.
Desenho de Nathaniel St. Andre", o
"doutor de coelhos".
Os
médicos pareciam acreditar nessa versão. O próprio St. Andre disse ter visto
"nascer o 15º coelho", mas outro médico real, Cyriacus Ahlers, não
estava muito convencido.
"Fiz algumas perguntas ao paciente que ela não
foi capaz de responder. Observei-a com atenção, pois ela caminhava pela casa
com os joelhos juntos, como se tivesse medo de que algo caísse".
Ahlers
também testemunhou um "nascimento".
"Tinha sérias suspeitas, mas simulei grande
compaixão e ajudei a cuidar da mulher, o que me deu a oportunidade de conversar
com o médico sobre tudo pelo qual a mulher tinha passado. Disse que o rei lhe
daria uma pensão..."
Segundo
alguns historiadores, o dinheiro era a motivação de Toft.
O princípio do fim
Mas
a verdade começou a vir à tona quando Ahlers examinou os restos mortais dos
coelhos "nascidos" e encontrou detalhes suspeitos: havia pelotas em
seus estômagos, o que indicava que tinham comido feno, e algumas de suas partes
pareciam ter sido cortadas com facas.
"Tecnicamente,
Mary Toft deu à luz coelhos. Durante meses, partes dissecadas foram
introduzidas em seu corpo e ela as expeliu horas depois. Era um processo
incômodo e muito realista".
Na caricatura "Credulidade, Superstição e
Fanatismo", publicada em 1762, o satirista Hogarth ridiculariza a
credulidade laica e religiosa.
Toft
foi levada a Londres, onde esperou o nascimento de seu "18º coelho".
O caso já tinha ganhado destaque na imprensa, não apenas positivamente: o
satirista William Hogarth fez uma caricatura ironizando a situação.
"Até a mentira ser revelada, ninguém comeu
coelho", disse um relato da época.
"Foi
incrível que tenham seguido com a fraude em Londres, observados de tão perto.
Era óbvio que seriam desmascarados", conta Harvey.
A
história começou a mudar quando um dos empregados da casa em que Toft estava
hospedada relatou que ela havia pedido que ele lhe trouxesse o "menor
coelho que encontrasse".
Richard
Manningham, um dos médicos que a tinham examinado antes, foi uma das vozes mais
indignadas com as novas revelações.
"Insisti que confessasse a
verdade. Disse-lhe que era uma impostora e que por isso faria um experimento
bastante doloroso", escreveu.
Foi
quando a mulher confessou. Em uma série de depoimentos cheios de contradições,
Toft finalmente deu sua versão dos fatos.
A mulher queria conseguir uma pensão do rei
George I
"Tive um parto horroroso. Algo
monstruoso saiu de dentro de mim, logo depois de ter visto coelhos. Meu corpo
estava aberto, como se um bebê tivesse saído. Tive uma dor imensa, como se meus
ossos estivessem se quebrando dentro de mim".
Suas
confissões, porém, tinham três finais distintos. Em uma versão, nega a fraude.
Nas outras, implicou a mulher de um afiador de facas e mesmo a própria sogra. O
doutor St. Andre, que a princípio havia acreditado na história, retratou-se.
"Estou
completamente convencido de que isso é uma fraude abominável", escreveu
ele.
Toft
foi presa, mas como simulação de gravidez não era crime, foi solta logo depois.
Morreu em 1763, anos depois, e nunca se livrou da má fama: em seu atestado de
óbito, ela consta como "Mary Toft, viúva e impostora dos coelhos".
O caso teve grande repercussão no meio médico britânico,
que se viu alvo de zombaria pública. Foi citado até por filósofos: Voltaire, no
ensaio Singularidades da Natureza, mencionou a história de
Mary Toft para criticar a Inglaterra pelo que classificou como influência da
ignorância da religião.
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