Artes (visuais): pictórica
Miguel
Westerberg
Nu artístico é a designação dada à exposição do corpo de
uma pessoa nua em diversos meios artísticos (pintura, escultura ou, mais recentemente, cine e
fotografia). É considerado uma das classificações acadêmicas das obras de arte.
A nudez na arte refletiu
pelo general os padrões sociais para a estética e a moralidade da época na que a obra foi realizada.
Muitas culturas toleram a nudez na arte mais do que na
vida real, com diferentes parâmetros sobre o que é aceitável. Assim, num museu no
qual se mostram obras com nus, em geral não é aceita a nudez do visitante. Como
gênero, o nu é um tema complexo de abordar pelas suas múltiplas variantes,
tanto formais quanto estéticas e iconográficas, e há historiadores da arte que o consideram o tema mais importante
da história da arte ocidental.
Embora se costume associar ao erotismo, o nu pode ter diversas interpretações e
significados, da mitologia até a religião, passando pelo estudo anatômico, ou ainda como representação da beleza e
ideal estético da perfeição, como na Grécia Antiga. A arte foi de sempre uma representação do mundo e
do ser humano, um reflexo da vida. Portanto, o nu não
deixou de estar presente na arte, sobretudo nas épocas anteriores à invenção de
procedimentos técnicos para captar imagens do natural (fotografia, cine),
quando a pintura e a escultura eram os principais meios para representar a
vida. Contudo, a sua representação variou com os valores sociais e culturais de
cada época e cada povo, e assim como para os gregos o corpo era um motivo de
orgulho, para os judeus —e, depois, para o cristianismo— era motivo de vergonha, era a condição dos
escravos e os miseráveis.
Oscar Palácios
O estudo e representação artística do corpo humano
foi uma constante em toda a história da arte, da pré-história (Vênus de Willendorf) até a atualidade. O corpo proporciona
prazeres e dores, tristeza e alegria, e é um companheiro presente em todas as
facetas da vida, com o qual o ser humano transita pelo mundo, e pelo qual sente
a necessidade de indagar no seu conhecimento, nos seus pormenores, no seu
aspecto tanto físico como recipiente do seu “eu interior”. Da sua faceta mais mundana,
relacionada ao erotismo, até a mais espiritual, como ideal de beleza, o nu foi
um tema recorrente na produção artística praticamente em todas as culturas que
se sucederam no mundo ao longo do tempo.
O nu teve desde tempos antigos - especialmente desde
as formulações clássicas da Grécia Antiga— um marcado componente estético, pois
o corpo humano é objeto de atração erótica, e constitui um ideal de beleza que
vai mudando com o tempo, segundo o gosto coletivo de cada época e cada povo, ou
até mesmo o particular de cada espectador. A sexualidade aproximadamente implícita destas imagens
levou o gênero do nu a ser objeto quer de admiração quer de condenação e
recusa, chegando a estar proibido em épocas de moral puritana, embora sempre desfrutasse de um público que
adquiriu e colecionou este tipo de obras. Em tempos mais recentes, os estudos
do nu como gênero artístico focam-se nas análises semióticas, especialmente na relação entre obra e espectador,
bem como no estudo das relações de gênero. O feminismo criticou o nu como uso do corpo feminino e
signo do domínio patriarcal da sociedade ocidental. Artistas
como Lucian Freud e Jenny Saville elaboraram
um tipo de nu não idealizado para eliminar o conceito tradicional de nu e
buscar a sua essência para além dos conceitos de beleza e de gênero.
Flávio de Carvalho
Atualmente, o nu artístico é amplamente aceite pela
sociedade - pelo menos no âmbito ocidental-, e a sua presença cada vez maior em
meios de comunicação, cine, fotografia, publicidade e outros mídia, converteu-o
num elemento icônico mais do panorama cultural visual do homem e da mulher
atual, embora para algumas pessoas ou alguns círculos sociais continue sendo
tabu, devido a convencionalismos sociais e educacionais, gerando um preconceito
para a nudez, que é conhecido como “gimnofóbia” ou “nudofóbia”.
“
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Agora compreenderemos melhor o porquê uma arte
preocupada principalmente pela figura humana deva atender antes de tudo ao
nu, assim como a razão de que este tenha constituído o problema mais
apaixonante da arte clássica de todas as épocas. Não somente é o melhor
veículo transmissor de tudo aquilo que na arte corrobora e acrescenta de
maneira imediata o sentido da vida, mas é também em si mesmo o objeto mais
significante do mundo dos homens.
”
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O Homem vitruviano (1487), de Leonardo da Vinci, Galeria da Accademia de Veneza. Estudo
das proporções no corpo humano.
O nu teve desde a Grécia Antiga um marcado componente idealizador, pelo
general representou-se mais desde o Idealismo que desde a imitação naturalista, procurando na forma humana um ideal de
perfeição que transcendesse a matéria para evocar a alma, a pureza da união
entre corpo e espírito. Assim, os artistas gregos, mais do que imitar o corpo
humano, aperfeiçoavam-no. Em palavras de Aristóteles: “a arte completa o que a natureza não pode
terminar. Pelo artista conhecemos os objetivos inatingidos da natureza”.[5] Assim,
no nu o espectador aprecia erros que não são tais, senão são julgamentos de
gosto, reflexões estéticas que derivam de um conceito de beleza ideal inerente
a qualquer pessoa. De tal maneira que é impossível estabelecer critérios gerais
pelos quais qualquer um nu seja belo para todo o mundo, e alguns autores
tentaram —sem sucesso— estabelecer uma “forma média”, baseada nas proporções
mais habituais, que, porém não chega a satisfazer ao espectador, pois que a beleza
é algo abstrato, incomensurável, utópico, e portanto de difícil realização prática.
O ideal de perfeição do corpo humano provém da
Grécia clássica, e é constatável em todas as suas obras, se bem que não existe
referência de como expressavam os escultores gregos as proporções ideais do
corpo humano. Ham chegado notícias do célebre “cânone de Policleto”, mas não se sabe exatamente em que consistia.
Contudo, uma das expressões mais famosas das proporções no corpo humano provém
de um arquiteto romano, Vitrúvio, quem no terceiro livro do seu De Architectura estabelecia que as proporções ideais em arquitetura
se devessem basear na medida do corpo humano, que é um modelo perfeito, porque
com braços e pernas estendidos encaixa nas duas principais formas geométricas —consideradas perfeitas—, o círculo e o quadrado. Esboçou assim o chamado Homem de Vitrúvio, que teve grande relevância na teoria
artística do Renascimento.
Contudo, estas tentativas de fundamentar o corpo
humano em proporções perfeitas foram um tanto baldias, e os seus resultados
frequentemente insatisfatórios, como a Nêmesis de Durer (1501),
baseada nas proporções vitruvianas e porém carente de atrativo físico. Em
última instância, não há fórmulas para plasmar de modo exato a beleza do corpo,
porque a nossa percepção sempre é tamisada pelo pensamento, pelo nosso gosto,
as nossas lembranças, as nossas vivências. Dizia Francis Baconque “não há beleza excelente que não tenha algo
raro na proporção”. O mesmo Durer, após as suas primeiras tentativas de
uma geometrização do corpo humano, renunciou a tal pretensão, e passou a
inspirar-se mais na natureza. Na introdução do seu tratado Quatro
livros das proporções humanas (1528) expressou: “não hã um homem na
terra capaz de emitir um julgamento definitivo sobre qual possa ser a forma
mais formosa do homem”.
Pode-se concluir que o fator estético do nu depende
tanto de certas regras enquanto a proporção e simetria como a um variado
conjunto de valores de caráter subjetivo, da espontaneidade e exuberância da
natureza até a componente psíquica da percepção estética, sem recusar o caráter
individual de tudo julgamento de gosto. Segundo Kenneth Clark, “o nu representa
o equilíbrio entre um esquema ideal e as necessidades funcionais”, sendo estas
o conjunto de fatores que outorgam vida e credibilidade ao nu artístico.
As primeiras reflexões teóricas sobre o nu
efetuaram-se no Renascimento: no tratado Della Pittura (1436-1439), Leon Battista Alberti opinava que o “estudo do nu” era a base
do procedimento acadêmico da pintura, estabelecendo que “para pintar o nu,
começai pelos ossos; acrescentai depois os músculos e cobri depois o corpo com
carne, de modo que fique visível a posição dos músculos. Poderia objetar-se que
um pintor não deve representar o que não se pode ver, mas este procedimento é
análogo a desenhar um nu e depois cobri-lo de roupagens”. Esta prática
acadêmica chegou praticamente até a atualidade, junto ao estudo do natural,
constatável nos primórdios do século XV em uns desenhos de Pisanello, primeiro autor do que se conservam este tipo de
rascunhos. Alberti também recomendava para qualquer representação de grupo
efetuar antes um rascunho com as figuras despidas, antes de vesti-las na obra
final, como se percebe num rascunho da Disputà de Rafael, onde
um grupo de novos nus e de complexão atlética forma o conjunto que depois
seriam os Padres da Igreja e os teólogos. O nu, junto à perspectiva, foram os dois grandes fatores estruturais da
composição pictórica renascentista, e na segunda metade do século XV era já um
estudo comum para a aprendizagem de qualquer aspirante a artista, como se
denota por obras conservadas das oficinas de Filippino Lippi, Ghirlandaio e os irmãos Antonio e Piero Pollaiuolo, e assim está documentado nas "Vidas"
(1542–1550) de Vasari.
O nu era aceite pelos que
concorriam aos salões literários franceses do século XIX, desde que o ambiente era claramente “clássico”, apresentando
personagens duma cultura na qual a nudez era usual, como neste quadro de Jean-Léon Gérôme, Jovens gregos com
peleja de galos (Musée d'Orsay, Paris, 1846).
O nu renascentista foi base do estudo do corpo
humano para o ensino acadêmico da arte até praticamente o século XX, com a premissa de estar fundamentado na anatomia e de estar concebido sob um critério
idealizador que excluísse qualquer conotação puramente sensualista. Um dos
principais artistas que influíram na arte acadêmica foi Rafael, um dos
primeiros que nas suas obras incluía nus sem justificação temática —como na
sua Matança dos inocentes, na qual os soldados de Herodes vão nus, sem se ter fundado em
referências bíblicas. Contudo, pelo seu estudo anatômico, pelas
suas posturas estilizadas —que lembram mais bailarinos que soldados—, contêm um
elemento ideal, elevado, puramente intelectual, que lhes confere um sentido de
nobreza artística que os afasta de qualquer consideração pejorativa. Esse era o
ideal academicista, e nas principais realizações dessa escola —
principalmente as do chamado arte pompier do século XIX— o elemento de idealização do nu é primordial para
a concepção da obra, na que qualquer indício de realismo ou de sensualidade
seria considerado vulgar.
Um componente indissolúvel do nu é o erotismo, elemento inelutável, pois a visão do corpo humano
nu gera atração, desejo, apetite sexual. Para Kenneth Clark, este aspecto não
se deve obviar nem tentar minimizar ou relativizar, e ainda menos
menosprezá-lo; no seu ensaio sobre o nu contrapõe à afirmação
de Samuel Alexander (em Beauty and Other Forms of
Value) sobre que o nu de tipo erótico é uma “arte falsa e uma moral má” a
vindicação de que se o nu não é erótico é uma “arte má e uma moral
falsa”. Contudo, o corpo humano pode produzir também outras sensações,
enquanto veículo através do qual experimentamos o mundo; Clark menciona cinco
das principais sensações que provoca o nu: harmonia, energia, êxtase, humildade e pathos.
A difícil tarefa de delimitar no nu artístico a
fronteira entre o erotismo e o idealismo, entre o sensual e o espiritual, levou
artistas e filósofos a expor diversas teorias que
justificassem a existência destes diversos âmbitos: Platão estabeleceu
em O Banquete duas diferentes naturezas da
deusa Afrodite, a natural e a celeste; a primeira
representaria o material, o ligado à carne, aos sentidos, ao desejo e à atração
sexual; a segunda significaria o espiritual, a beleza imaterial, relacionada ao
bem e à virtude, a expressão da alma e do intelecto. Este conceito esteve
vigente durante a Idade Média e foi retomado pelo neoplatonismo do Renascimento, tornando-se fórmula do nu
classicista e acadêmico, como fica exemplificado no quadro Amor sacro e amor profano de Tiziano. Em tempos mais recentes, foi reformulado em
termos similares por Friedrich Nietzsche, que em O nascimento da tragédia no espírito da música (1872) distinguia entre o apolíneoe
o dionisíaco, ou seja, entre o equilíbrio intelectual e a
desagregação orgiástica.
Censura
Fonte do Gênio Catalão (A Marquês de Campo Sagrado) (1856), de Fausto Baratta e Josep Anicet Santigosa, Pla de Palau, Barcelona. Após a sua inauguração, “iam mulheres em procissão a tomar vistas da
gentileza de formas da estátua”, segundo relata o cronista Francesc Puig i Alfonso . Portanto, o bispo de Barcelona mandou castrá-la e
cobri-la com um tapa-sexo. Nos anos 1980 foi retirada a tela e ficaram ao descoberto os seus genitais
mutilados, enquanto em 1990 um novo restauro acrescentou-lhe um pénis que parecia um tubo, feito com resinas. Finalmente, num novo
restauro realizado entre 2007 e 2008, decidindo-se retirar a prótese do pénis e
deixá-lo tal qual, como o Hermes de Praxíteles, pois não se conserva nenhum documento da obra original e é impossível
saber a forma e o tamanho que lhe deu o seu criador.
A representação artística do nu flutuou, na
história da arte, da permissividade e tolerância de sociedades que o viam como
algo natural, e até mesmo o alentavam como ideal de beleza - como na Grécia Antiga—, até a recusa e a proibição por sociedades de
moral mais puritana, nas quais geralmente desde umas premissas baseadas na
religião, o nu foi objeto de censura e inclusive de perseguição e destruição das
suas obras. Nomeadamente, o cristianismo não tolerou a representação do corpo humano
nu exceto em imagens de conteúdo religioso, no qual alguns temas isolados eram
justificados pelas sagradas escrituras, como os casos de Adão e Eva, a crucifixão de Jesus ou a representação das almas no inferno. Na Idade Média, estas premissas estavam plenamente assumidas por
artistas e pela sociedade em geral, e ao não existir transgressões a esta norma
não se contabilizam numerosos casos de censura. Contudo, no Renascimento, a valoração da cultura clássica e
o retorno ao antropocentrismo na cultura comportaram um auge do nu,
justificado tão somente por motivos mitológicos ou alegóricos, o que propiciou a recusa da Igreja especialmente
desde a Contra-reforma. O Concílio de Trento (1563) reservou um papel de destaque na
arte, como meio de divulgação do ensinamento religiosa, mas ao tempo o
constringiu à mais estrita interpretação das escritas, outorgando ao clero a
tarefa de vigiar a correta observância dos preceitos católicos por parte dos artistas.
Giovanni Boldini
Após o Concílio, o catolicismo contra-reformista
censurou a nudez. Assim, o papa Paulo IV ordenou em 1559 a Daniele da Volterra cobrir com roupas as partes íntimas das
figuras do Juízo Final da Capela Sistina realizadas pouco antes por Michelangelo - por esta ação Volterra foi chamado desde então il
Braghettone, “o calções”—. Pouco depois, outro papa, Pio V,
encomendou a mesma tarefa a Girolamo da Fano, e
ainda Clemente VIII tinha desejos de eliminar por completo
a pintura, embora, por fortuna, foi dissuadido pela Accademia di San Luca.[18] Desde
então, a Igreja católica encarregou-se com esmero de cobrir as nudezas de
numerosas obras de arte, quer com telas ou com a famosa folha de parreira, a planta com a qual Adão e Eva se cobriram depois
do pecado original. Outro exemplo de recusa do nu na arte foi a estátua
de Davi de Michelangelo que, ao ser colocada na Piazza della Signoria de Florença, foi apedrejada pelo público presenciava a cena,
embora com o tempo se acostumassem, e até mesmo se ganhou o afeto dos
florentinos.
Jean-Auguste Dominique
Na Espanha, defensora da Contra-reforma, a Inquisição foi encarregue de velar pela decência e o
decoro na arte, designando inspetores para supervisar o cumprimento dos
decretos conciliares, como o sogro de Velázquez, o pintor sevilhano Francisco Pacheco del Río. Em 1632 foi publicada, a pedido de um nobre de
origem portuguesa, Francisco de Bragança, um
documento intitulado Cópia dos pareceres, e censuras dos
reverendíssimos mestres, e senhores catedráticos das insignes Vniversidades de
Salamanca e Alcalá, e de outras pessoas doctas. Sobre o Abuso das figuras, e
pinturas lascivas e desonestas; em que se mostra, que é pecado mortal
pintá-las, esculpi-las, e tê-las patentes onde fossem vistas, no qual se
expressava a comum opinião da época - sobretudo em âmbitos eclesiásticos— da
imoralidade da representação do nu, quando este for lascivo sem justificação
religiosa. Esta opinião generalizada explica o pequeno número de obras de nu na
arte renascentista e barroca espanhola. Tiziano, por exemplo, ciente do puritanismo da corte
espanhola, cobriu com ramos de figueira os corpos nus de Adão e Eva antes de enviar o
quadro a Filipe II em 1571. Em relação ao nu, o
Tribunal da Inquisição tinha estabelecido que:
“
|
E
para obviar em parte o grave escândalo e dano não menor que ocasionam as
pinturas lascivas: mandamos que ninguém ouse meter nestes reinos imagens de
pintura, lâminas, estátuas ou outras de escultura, lascivas, nem usar delas
em lugares públicos de praças, ruas ou aposentos comuns das casas. E assim mesmo
proíbe-se aos pintores pintá-las, e aos demais artífices que não as talhem
nem façam, sob pena de excomunhão maior latae sententiae, trina canonica
monitione praemisa, e de quinhentos ducados por terças partes a despesas do
Santo Ofício, juízes e denunciador, e um ano de desterro aos pintores e
pessoas particulares, que as entrarem nestes reinos, ou contraviessem em algo
do referido.
Oscar
Palácios
|
”
|
Um caso que poderia ter acabado numa perda de
numerosas obras mestras de grandes artistas foi o protagonizado por Carlos III, que em 1762 ordenou queimar, por conselho
do seu confessor, todos os quadros de nu pertencentes à coleção real, que
colecionaram os monarcas hispânicos de Carlos I até Filipe IV. Entre as obras encontravam-se, por
exemplo, As três Graças e o Juízo de Paris de Rubens, Adão e Eva de Durer, Vênus recreando-se na música e Vênus e Adonis de Tiziano. Finalmente, foram salvas da queimada pelo pintor
de câmara do rei, Anton Raphael Mengs, que o convenceu para que servissem de
modelos de estudo para a Real Academia de Belas Artes de São Fernando. Primeiro levou estas obras para a sua casa,
e depois para a oficina dos pintores da Corte, a chamada Casa do Rebeque, junto
ao Alcácer Novo. Algumas destas obras passaram em 1827 ao Museu do Prado, onde foram confinadas numa sala especial fechada
ao público, que somente se visitava com licenças especiais, e não foram
exibidas publicamente até 1838.[22] Em
lembrete deste fato, em 2004 o Museu do Prado organizou uma exposição
temporária chamada A Sala Reservada, com uma seleção dos melhores
nus dos fundos da instituição.[23]
Os processos inquisitoriais afetaram até mesmo a um
artista da talha de Francisco de Goya, que foi denunciado ao Santo Ofício pela sua
obra A maja nua, confiscada pelo tribunal em 1814. A
Inquisição a qualificou de “obscena”, e iniciou um juízo contra Goya, que
conseguiu a absolvição graças à intervenção do cardeal.[24][25][26] Contudo, a obra ficou fora da vista do
público praticamente até inícios do século XX. Esta obra gerou outra polêmica em 1927,
quando Correios da Espanha emitiu
um selo com esse quadro, sendo a primeira vez que aparecia um nu feminino
na filatelia.
Os exemplos de censura e perseguição do nu
artístico são abundantes em toda a história recente da arte ocidental: no século XVIII, Luís, Duque d'Orleães destruiu a cutiladas o quadro Leda com o cisne de
Correggio, pois considerava-o lascivo; porém, os fragmentos
foram recolhidos e ensamblados novamente, exceto a cabeça, que foi repintada
posteriormente.[27] No século XIX, o artista norte-americano Thomas Eakins foi expulso da Pennsylvania Academy
of Arts de Filadélfia por ter introduzido a prática acadêmica do
estudo do nu tomado do natural. Na Bélgica, em 1865, Victor Lagye foi
encarregue de cobrir com peles as figuras de Adão e Eva do Trítico do
Cordeiro Místico da Catedral de São Bavão de Gante.
Na Grã-Bretanha, por encomenda da rainha Vitória, uma enorme folha de parreira cobriu uma
réplica do Davi de Michelangelo, que ainda se conserva
no Victoria and Albert Museum.
Vênus (1532), de Lucas Cranach, o Velho, Städel, Frankfurt am Main, censurada pelo Metro de Londres em 2008.
Ainda no século XX houve numerosos casos de censura e agressões
a nus artísticos: em 1914, uma sufragista britânica chamada Mary Richardson agrediu com
um machado a Vênus do espelho de Velázquez, pois considerava que oferecia uma imagem da
mulher como mero objeto. Richardson foi sentenciada a seis meses de prisão, o
máximo permitido pela destruição de uma obra de arte. Em 1917, a polícia
fechou uma exposição de Amedeo Modigliani na galeria Berthe Weill, o mesmo dia da
inauguração, por “ofensas ao pudor”, pois os nus mostravam penugem púbica. Por
causa do escândalo, o artista não vendeu nenhum quadro.
No século XXI, embora pelo geral o nu seja visto com
naturalidade pela maior parte da povoação, ainda ocorrem casos de censura
artística: em 2001, o Secretário de Justiça dos Estados Unidos, John Ashcroft, ordenou ocultar a estátua Spirit of
Justice que preside a sala de conferências do Departamento de Justiça
em Washington, pois mostrava os peitos nus.[30] Em 2008 foram retirados do Metro de Londres uns cartéis publicitários que reproduziam
uma Vênus despida pintada por Lucas Cranach, o Velho, e que serviam para anunciar uma exposição
dedicada ao pintor renascentista alemão, pois segundo a companhia “poderia
ferir e ofender a sensibilidade dos usuários do Metro”. Também em 2008, o
primeiro ministro italiano, Sílvio Berlusconi, ordenou cobrir um seio nu que mostrava a
alegoria A Verdade desvelada pelo Tempo de Giambattista Tiepolo, pois era a imagem central da sala de
conferências de imprensa do Governo, e aparecia ao fundo do premer nos seus
comparecimentos frente da televisão.
Fonte
Wikipédia
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