sábado, 24 de setembro de 2016

O BRASIL NÃO SUPERARÁ A CRISE ATUAL SEM A REFUNDAÇÃO DA REPÚBLICA

 Literatura: artigo






Colaboração de Fernando Alcoforado*

República é uma forma de organização do Estado cujo termo vem do latim res publica que significa "coisa pública", "coisa do povo". Um governo republicano é aquele que põe ênfase no interesse comum, no interesse da comunidade, em oposição aos interesses particulares e aos negócios privados. Na história da República no Brasil desde 1889, quando de sua proclamação através de um golpe de estado, esses princípios não têm sido respeitados. Os interesses particulares e os negócios privados têm prevalecido sobre o interesse comum ao longo da história do Brasil. Esta situação está sendo mais evidenciada recentemente com os escândalos de corrupção em todas as estruturas do Estado brasileiro.




O sistema republicano vigente no Brasil é, na verdade, uma democracia apenas para os ricos e corruptos. Neste sistema, as eleições são uma farsa porque são controladas pelos detentores do capital que fazem com que vençam majoritariamente os candidatos a serviço das grandes empresas como ficou demonstrado pela Operação Lava Jato. Trata-se de um jogo de cartas marcadas porque os grupos econômicos nacionais e internacionais impulsionam os grandes partidos financiando suas eleições milionárias. Empresas e bancos elegem suas “bancadas” nos diversos níveis do poder legislativo que aprovam leis em favor dos poderosos na base da compra de votos e dos “lobbies”, e ainda faturam contratos milionários do Estado. O assalto aos cofres públicos por parte de políticos e partidos e o aparelhamento da máquina governamental a serviço dos partidos no poder se tornaram lugares comuns na vida política brasileira.
A corrupção política faz parte da estrutura do capitalismo moderno, principalmente dos países periféricos como o Brasil. Não que a corrupção tenha surgido e seja exclusividade do capitalismo, mas é um coadjuvante importante para a sustentação deste. Com certeza, para que o capitalismo possa se desenvolver plenamente precisa mais da corrupção do que da competição no denominado "livre mercado". Os ladrões de colarinhos brancos são dos mais diferentes tipos. Alguns são burgueses ou pequeno-burgueses e outros são oriundos de camadas sociais mais baixas que veem em suas participações nos governos um meio de aumentarem seus patrimônios pessoais como ficou evidenciado pela Operação Lava Jato. No Brasil, pouquíssimos são os políticos que são movidos pelo interesse público. Alguns são discretos e comedidos. Outros ostentam sem pudor o resultado de seus crimes como demonstram os comportamentos de políticos como Lula, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Fernando Collor, entre outros.
No Brasil, o Estado sempre foi um espaço de manutenção ou de expansão de fortunas de políticos e seus comparsas. Muitos que ascendem socialmente com a política são tentados a imitarem os padrões dos ricos se corrompendo como é o caso de ex-sindicalistas como Lula e Jaques Wagner, que, ao exercerem seus mandatos eleitorais, abdicam de defender com efetividade os interesses das classes sociais desfavorecidas de onde são oriundos. A busca da ascensão social os seduz para a roubalheira como parece comprovar suas condições de, respectivamente, réu e investigado pela Operação Lava Jato. Alguns não enganam a ninguém. Praticamente dizem para o que vieram e porque querem estar na função pública. Um fato objetivo é que o capitalismo é capaz, em sua voracidade, de fazer transformar em pó o caráter das pessoas. No Brasil, esta situação está acontecendo a olhos vistos com a presença no parlamento de 70% de seus integrantes sendo investigados pelo crime de corrupção.
O capitalismo, enquanto modo de produção e formação social, sempre viveu esta contradição, isto é, funciona em bases irracionais na busca incessante do lucro a qualquer preço, ao tempo em que porta grande possibilidade humana de uso da razão, jamais conhecida em outros períodos da história graças ao progresso técnico. Nem mesmo a experiência socialista do século XX na ex- União Soviética e no leste europeu, que chegou a incorporar um em cada três seres humanos do planeta Terra, foi capaz de vencer a corrupção que lá se instalou nas altas esferas do poder dominante até porque a revolução socialista foi traída com a implantação do capitalismo de estado como ocorre atualmente na China.
Não é exagero dizer que em todo o universo do capitalismo, os maiores desejos socialmente compartilhados são os do enriquecimento e consumo. Em todos os países, a corrupção social (criminalidade, prostituição, etc.) e a estatal (subornos, desvios de verbas públicas, etc.) crescem exponencialmente. O risco é que a corrupção atinja níveis elevados chegando a tal ponto, que estas sociedades nos diversos países percam os seus rumos incentivando a desordem social. Daí a importância do movimento que já ocorre no Brasil para mobilizar a população visando desenvolver uma consciência crítica e uma ação que contribuam para a adoção de formas efetivas de controles sociais, políticos e culturais sobre o governo em todos os seus níveis.
Muitos defendem a tese de que existe uma natureza humana maligna geradora da criminalidade, da violência em geral e da corrupção. Trata-se de uma visão deturpada da realidade. O homem é produto das condições sociais em que vive. É falsa a afirmativa de que a corrupção seja parte da natureza humana e de que, por isso, é impossível de ser detida. O capitalismo é que contribui para sua emergência. No mundo dos homens e das mulheres há bastante espaço para se optar por caminhos diferentes. Para que isto aconteça, a Sociedade Civil de cada país tem que atuar para mudar a realidade em que nós vivemos no Brasil e no mundo.
A gravidade da situação política atual do Brasil está a exigir a refundação da República que é, no momento, uma mera peça de ficção. A crise política que abala o Brasil resulta, fundamentalmente, da falência do modelo político aprovado na Constituinte de 1988. A falência do modelo político do Brasil está configurada no fato do presidencialismo em vigor desde 1889 ser gerador de crises políticas e institucionais como as que já ocorreram no passado que resultaram em impeachments e golpes de estado. Além disso, o sistema político do País está contaminado pela corrupção como comprovam os processos do “mensalão” e da Operação Lava Jato. A democracia representativa no Brasil manifesta, também, sinais claros de esgotamento ao desestimular a participação popular nas decisões do governo, reduzindo a atividade política a meros processos eleitorais que se repetem periodicamente em que o povo elege seus representantes os quais, com poucas exceções, após as eleições passam a defender interesses de grupos econômicos em contraposição aos interesses daqueles que os elegeram.
A crise ética e moral se manifesta em todas as instâncias do governo que é evidenciada pelos sucessivos escândalos de corrupção que ocorre a cada dia que se passa e que se tornou endêmica em todo o País. O Brasil enfrenta um processo de descalabro ético e moral no plano político-institucional nunca visto na história do País. Para reestruturar o sistema político e econômico do Brasil, é preciso que haja a imediata convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte para reordenar a vida política e econômica nacional em novas bases. A Assembleia Constituinte Exclusiva a ser convocada para reordenar a vida nacional teria por objetivo: 1) realizar a reforma do sistema político do País com a institucionalização do voto distrital e a redução do número de parlamentares e de suas mordomias nos parlamentos federal, estadual e municipal, entre outras medidas; 2) promover a reforma do Estado e da Administração Pública em novas bases; 3) banir partidos políticos e parlamentares comprometidos com a corrupção; 4) Formar novos partidos políticos após a nova Constituinte; e, 5) convocar novas eleições gerais no País, entre outras medidas. A Assembleia Constituinte Exclusiva a ser convocada deveria instituir, também, o parlamentarismo e decidir pelo fim do Senado Federal com a institucionalização do sistema unicameral.


*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.





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