sexta-feira, 7 de outubro de 2016

ESCORCHA FINANCEIRA INVIABILIZA A RECUPERAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL

 Literatura: artigo






Colaboração de Fernando Alcoforado*




Há meio século, a atividade bancária parecia ser uma arte relativamente simples. Os bancos passaram por um processo de transformação em sua atividade principal, deixando para trás sua função clássica de intermediário entre os poupadores e os emprestadores. Beneficiando-se da abertura da economia mundial a partir da década de 1990, estas instituições se transformaram em grupos financeiros diversificados e em conglomerados cujos lucros provêm principalmente da criação de crédito, que se converteu no principal meio de criação de moeda. Neste processo, os Bancos Centrais da grande maioria dos países perderam completamente o controle de seus sistemas econômicos que passaram a ser dominados inteiramente pelos bancos privados, inclusive no Brasil.
Os bancos conseguem os seus maiores lucros de sempre facilitando a concentração e centralização do capital (operações que designam por "fusões e aquisições"), cobrando taxas lucrativas de "assessoria" e subscrevendo os financiamentos das fusões e aquisições. A segunda fonte de lucros está na especulação em geral, inclusive sobre a negociação da dívida dos países e apostando nos mercados mundiais de valores. Nenhum outro setor da economia pode ostentar taxas de retorno tão elevadas, nem mesmo qualquer uma das maiores empresas do setor produtivo podem sequer igualar os lucros recordes do sistema financeiro em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Os valores das transações mundiais ilustram a dimensão do setor financeiro: em 2002, o PIB mundial era de 32,3 trilhões de dólares, enquanto as transações financeiras somavam 1.140,6 trilhões de dólares. No início da crise mundial, em 2008, enquanto o PIB mundial era de 60,1 trilhões, as movimentações financeiras atingiam 3.628 trilhões de dólares (Ver o artigo de François Chesnais Les dettes illégitime. Quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Editions Raisons d´agir, 2011). Segundo François Chesnais não haverá fim para a crise econômica mundial que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos enquanto os bancos e os investidores financeiros estiverem no comando, com os governos adotando políticas totalmente dirigidas pelos interesses dos rentistas e para dar sobrevida ao regime guiado pela dívida como vem acontecendo atualmente no Brasil e no mundo.
No Brasil, enquanto a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) evoluiu de 7,25% ao ano em março de 2013 para 14,25% ao ano em agosto de 2016, a taxa de juros média para pessoa física aumentou de 87,97% ao ano em março de 2013 para 155,48% ao ano em agosto de 2016. Nas operações de crédito para pessoa jurídica houve elevação de 43,58% ao ano em março de 2013 para 74,52% ao ano em agosto de 2016. A taxa média de juros cobrada no cartão de crédito saltou em junho de 2016 para 447,44% ao ano, segundo levantamento da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade). Estes números evidenciam a escorcha ou espoliação praticada pelo sistema financeiro brasileiro contra o governo, a população e as empresas. O cenário de alta de inadimplência provocada pelo desemprego crescente, aumento de impostos e inflação persistente, se mantém como principal fator de pressão para a elevação dos juros afirma a direção da Anefac.
Faz um ano que diminui o total de dinheiro emprestado na economia brasileira. A queda vertiginosa do crédito no Brasil fez um ano em agosto de 2016. Já houve quedas mais prolongadas do crédito, mas não se via uma tão profunda como a atual desde os tempos do confisco no governo Fernando Collor. Enquanto isto é gigantesca a ociosidade na economia brasileira que nas fábricas de automóveis, caminhões etc. corresponde a 40% ou mais. Muitos investimentos realizados estão sem uso, fábricas ociosas, trabalhadores desempregados e tudo parado. Em várias partes da economia brasileira o que se vê são obras paradas, superinvestimentos em parte induzidos por crédito estatal ou subsidiado, além de incentivos ao consumo na forma de reduções insustentáveis de impostos.
A tendência é de que as taxas de juros das operações de crédito para pessoas físicas e jurídicas continuem elevadas nos próximos meses. Esperava-se que os calotes começassem a diminuir em 2017, mas continuam crescentes. Atualmente, cerca de 60 milhões de pessoas estão com o nome sujo no país, de acordo com dados da empresa de informações financeiras Serasa Experian. O futuro se descortina como calamitoso para o Brasil, se levarmos em conta o cenário econômico atual de baixo crescimento econômico e elevação dos índices de inadimplência. Diante deste quadro tenebroso, urge a adoção de outro modelo de sistema financeiro no Brasil diferente do atual que não seja movido pela usura, pela extrema ganância. Sem preconceito, este novo modelo poderia se inspirar no sistema financeiro islâmico que opera em torno de um princípio fundamental que é o de evitar a especulação.
Na banca islâmica, tudo é feito para evitar que quem tem dinheiro tire vantagem daquele que não tem ou que precisa dele. No sistema financeiro islâmico, a cobrança de juros é proibida. O dinheiro deve ser usado para fazer a economia crescer. As transações financeiras devem ser sempre ligadas a atividades comerciais, sobretudo para a aquisição de bens de consumo ou investimentos para a produção e distribuição de bens e serviços reais. Só é admitido ganhar dinheiro desde que o financiamento contribua para uma atividade que agregue algum tipo de valor. O pagamento de taxas por serviços adicionais é permitido, mas não deve ser uma forma disfarçada de juros (Ver o artigo Os bancos do Islão disponível no website
<http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2010/12/o-sistema-bancario-islamico.html>).
Cabe observar que as práticas financeiras islâmicas necessitam ser submetidas ao que é conhecido como Sharia que determina que quem empresta dinheiro seja remunerado, numa percentagem prefixada, com base nos lucros e nas perdas de quem toma o dinheiro emprestado. Nesse sistema, a cobrança de juros seria substituída por combinações de parcerias ou consórcios. O lucro é distribuído entre as duas partes envolvidas em uma proporção pré-determinada, acordada no momento de formação do contrato. E ainda: a perda financeira recai apenas sobre os financistas, enquanto a perda do empresário está em não receber qualquer recompensa por seus serviços.
Um fato a considerar é o de que o dinheiro deveria existir para circular e gerar riqueza. O que não se deve fazer é especular. A crise em que se defronta a economia brasileira não deve ser solucionada com o aumento da carga tributária, a reforma da previdência social e a reforma trabalhista como preconiza o governo Michel Temer e sim com o fim da escorcha praticada pelo sistema financeiro contra o governo que paga juros exorbitantes pela dívida pública e a população e as empresas com os juros extremamente elevados praticados. Para promover o crescimento econômico do Brasil, é preciso elevar a poupança pública e privada que impõe a necessidade de reduzir as taxas de juros praticadas no País.
Para o governo brasileiro dispor de recursos para investimento em infraestrutura econômica e social, tem de fazer uma auditoria da dívida pública e renegociar com os bancos nacionais e estrangeiros, fundos de investimento, fundos de pensão e empresas não financeiras a redução dos gastos com o pagamento do serviço da dívida alongando o pagamento dos juros e da amortização da dívida pública. É inadmissível que o governo brasileiro destine cerca de 45% do Orçamento da República para o pagamento da dívida pública interna enquanto aloca parcos recursos à educação (3,75%), saúde (3,98%), defesa nacional (1,58%) e segurança pública (0,33%), entre outros itens. Os estados e municípios, quase todos falidos, recebem de transferência da União (governo federal) apenas 9,19%. Em outras palavras, a parte do leão no orçamento da República é destinada ao pagamento da dívida pública interna, cujo maior beneficiário é o sistema financeiro. Se não houver uma reversão deste quadro, o Brasil será levado à bancarrota.

*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo.
(Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail:




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