sexta-feira, 7 de outubro de 2016

EVANGÉLICOS E A POLÍTICA


Literatura: artigo








                                                Raymundo Pinto
é desembargador aposentado, membro imortal
da Academia de Letras Jurídicas da Bahia

 

Os norte-americanos, com sua civilização bastante pragmática, criaram e obedecem a um princípio muito caro a eles: “time is money” (tempo é dinheiro). O brasileiro, que nunca perde a oportunidade de fazer gozação ou piada de tudo, inclusive de coisas sérias, cunhou outro princípio bem adaptável a um fenômeno que se observa em todo o território nacional: “templo é dinheiro”. Isso porque um carioca de inteligência privilegiada, que se autonomeou “bispo”, fundou uma igreja evangélica que vem tendo um enorme sucesso. A propósito de levar ao povo a palavra de Deus contida na Bíblia, instruiu pastores e outros seguidores a pregar que, quanto mais se oferece generosas quantias nos cultos, muito mais os doadores serão retribuídos com as graças divinas, alcançando a prosperidade pessoal. Esses recolhimentos extras e tidos como “espontâneos” são efetuados além da contribuição mensal e obrigatória do dízimo. Os pregadores ainda superestimam o poder de satanás e conseguem mais recursos para afastar o “encosto”, mediante encontros de muita gritaria e encenações chamadas “sessões de descarrego”.
    
Tais métodos não recomendáveis de obter (ou seria “arrancar”?) dinheiro das pessoas – em geral humildes e ingênuas – foram seguidos por vários outros sabidórios, que trataram de fundar igrejas semelhantes. O pioneiro acumulou tanta riqueza que hoje possui uma rede de emissoras de televisão e expande suas ideias por diversos países. Os demais não ficaram atrás, pois exibem suas fortunas alugando caríssimos horários em outras redes de TV. Quero deixar bem claro que não estou generalizando. Existem ainda uma elevada quantidade de igrejas evangélicas consideradas sérias, que até cobram o dízimo, mas não praticam exploração exagerada de seus fiéis.

A igreja que tem pretensões universais não se conformou em ampliar o patrimônio e tornar ricos seus pastores. Além da rede de TV e de construir luxuosos templos pelo país afora, voltou-se – com toda força e determinação – para as ações políticas. Sem esconder as intenções de galgar o poder, patrocinou a criação de um partido político, que já atinge considerável influência eleitoral. Basta dizer que nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, as maiores do Brasil, pouco tempo antes das eleições, candidatos apresentados e apoiados pelo indicado partido tinham assumido o primeiro lugar nas pesquisas de opinião, sendo que um deles (no Rio) vai disputar o segundo turno. Aqui em Salvador, todos sabem do grande esforço de ACM Neto para convencer uma deputada federal evangélica a desistir da enorme pressão que fez a fim de compor sua chapa como candidata a vice-prefeita. No Congresso Nacional e em Assembleias Estaduais, crescem as bancadas evangélicas. Os chefes do poder executivo, quando querem aprovar projetos de interesse geral, quase sempre se dobram às exigências desses parlamentares.
   
A História mostra que, no passado, a Igreja Católica teve decisiva influência nas nações ocidentais. Os monarcas, ao assumirem o poder temporal, tinham de ser coroados pelo Papa, um simbolismo que significava a submissão ao poder divino. Muitos deles permitiram e até incentivaram os procedimentos desumanos e absurdos da Inquisição em seus países. Por sorte, o progresso da civilização contribuiu para que fosse bastante reduzida a participação dos religiosos nos governos. No Brasil, há que louvar o papel relevante do baiano Rui Barbosa, que conseguiu estabelecer, na Constituição de 1891, o princípio da separação entre a Igreja e o Estado. A importância dessa conquista pode ser aquilatada pelo fato de que, durante todo o período anterior à República, o Império tinha o Catolicismo como religião oficial.

Diante das experiências históricas, os cidadãos mais conscientes temem a interferência de posições religiosas nos assuntos governamentais. O exemplo mais flagrante no mundo atual é a ameaça das alas mais radicais dos mulçumanos, principalmente em face do terrorismo comandado pelo detestável Estado Islâmico. Do mesmo modo do que ocorre em relação a certas correntes esquerdistas, o grande perigo que representam determinadas seitas ou religiões está na tendência de fugir de seu controle esses seguidores fanáticos que adotam opiniões mais extremadas.

Vamos torcer para que, na próxima reforma política que se espera não tarde, seja acrescentada a denominada “cláusula de barreira”, destinada a limitar o número de partidos políticos. Feito isso, surge a grande esperança de que as minorias inexpressivas não consigam criar legendas e, assim, ficaremos livres de grupos radicais – inclusive de esquerda – que querem, a todo custo, impor suas ideias. Ninguém de sã consciência é contra que as pessoas pratiquem – livremente, mas nos limites da lei – a religião que lhes aprouver. Sendo o Brasil, porém, um Estado leigo, é inadmissível a interferência de posições religiosas, quaisquer que sejam, em assuntos políticos.


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