Raymundo Pinto
é desembargador aposentado, membro imortal
da Academia de Letras Jurídicas da Bahia
Os
norte-americanos, com sua civilização bastante pragmática, criaram e obedecem a
um princípio muito caro a eles: “time is money” (tempo é dinheiro). O
brasileiro, que nunca perde a oportunidade de fazer gozação ou piada de tudo,
inclusive de coisas sérias, cunhou outro princípio bem adaptável a um fenômeno
que se observa em todo o território nacional: “templo é dinheiro”. Isso porque
um carioca de inteligência privilegiada, que se autonomeou “bispo”, fundou uma
igreja evangélica que vem tendo um enorme sucesso. A propósito de levar ao povo
a palavra de Deus contida na Bíblia, instruiu pastores e outros seguidores a
pregar que, quanto mais se oferece generosas quantias nos cultos, muito mais os
doadores serão retribuídos com as graças divinas, alcançando a prosperidade
pessoal. Esses recolhimentos extras e tidos como “espontâneos” são efetuados
além da contribuição mensal e obrigatória do dízimo. Os pregadores ainda
superestimam o poder de satanás e conseguem mais recursos para afastar o
“encosto”, mediante encontros de muita gritaria e encenações chamadas “sessões
de descarrego”.
Tais
métodos não recomendáveis de obter (ou seria “arrancar”?) dinheiro das pessoas
– em geral humildes e ingênuas – foram seguidos por vários outros sabidórios,
que trataram de fundar igrejas semelhantes. O pioneiro acumulou tanta riqueza
que hoje possui uma rede de emissoras de televisão e expande suas ideias por
diversos países. Os demais não ficaram atrás, pois exibem suas fortunas
alugando caríssimos horários em outras redes de TV. Quero deixar bem claro que
não estou generalizando. Existem ainda uma elevada quantidade de igrejas
evangélicas consideradas sérias, que até cobram o dízimo, mas não praticam
exploração exagerada de seus fiéis.
A
igreja que tem pretensões universais não se conformou em ampliar o patrimônio e
tornar ricos seus pastores. Além da rede de TV e de construir luxuosos templos
pelo país afora, voltou-se – com toda força e determinação – para as ações
políticas. Sem esconder as intenções de galgar o poder, patrocinou a criação de
um partido político, que já atinge considerável influência eleitoral. Basta
dizer que nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, as maiores do Brasil,
pouco tempo antes das eleições, candidatos apresentados e apoiados pelo
indicado partido tinham assumido o primeiro lugar nas pesquisas de opinião,
sendo que um deles (no Rio) vai disputar o segundo turno. Aqui em Salvador,
todos sabem do grande esforço de ACM Neto para convencer uma deputada federal
evangélica a desistir da enorme pressão que fez a fim de compor sua chapa como
candidata a vice-prefeita. No Congresso Nacional e em Assembleias Estaduais,
crescem as bancadas evangélicas. Os chefes do poder executivo, quando querem
aprovar projetos de interesse geral, quase sempre se dobram às exigências
desses parlamentares.
A História
mostra que, no passado, a Igreja Católica teve decisiva influência nas nações
ocidentais. Os monarcas, ao assumirem o poder temporal, tinham de ser coroados
pelo Papa, um simbolismo que significava a submissão ao poder divino. Muitos
deles permitiram e até incentivaram os procedimentos desumanos e absurdos da
Inquisição em seus países. Por sorte, o progresso da civilização contribuiu
para que fosse bastante reduzida a participação dos religiosos nos governos. No
Brasil, há que louvar o papel relevante do baiano Rui Barbosa, que conseguiu
estabelecer, na Constituição de 1891, o princípio da separação entre a Igreja e
o Estado. A importância dessa conquista pode ser aquilatada pelo fato de que,
durante todo o período anterior à República, o Império tinha o Catolicismo como
religião oficial.
Diante
das experiências históricas, os cidadãos mais conscientes temem a interferência
de posições religiosas nos assuntos governamentais. O exemplo mais flagrante no
mundo atual é a ameaça das alas mais radicais dos mulçumanos, principalmente em
face do terrorismo comandado pelo detestável Estado Islâmico. Do mesmo modo do
que ocorre em relação a certas correntes esquerdistas, o grande perigo que
representam determinadas seitas ou religiões está na tendência de fugir de seu
controle esses seguidores fanáticos que adotam opiniões mais extremadas.
Vamos
torcer para que, na próxima reforma política que se espera não tarde, seja
acrescentada a denominada “cláusula de barreira”, destinada a limitar o número
de partidos políticos. Feito isso, surge a grande esperança de que as minorias
inexpressivas não consigam criar legendas e, assim, ficaremos livres de grupos
radicais – inclusive de esquerda – que querem, a todo custo, impor suas ideias.
Ninguém de sã consciência é contra que as pessoas pratiquem – livremente, mas
nos limites da lei – a religião que lhes aprouver. Sendo o Brasil, porém, um
Estado leigo, é inadmissível a interferência de posições religiosas, quaisquer
que sejam, em assuntos políticos.
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