Cartazes
Publicado por Sergio Coletto
Na era
contemporânea, na qual meios de comunicação ecologicamente mais limpos – como a
televisão, o rádio e a internet – são o carro-chefe para qualquer campanha
eleitoral, ver as ruas cobertas de panfletos e os postes abarrotados de
cartazes não soa incoerente?
Ilustração de uma prensa
tipográfica.
Johann Gutenberg é
considerado o inventor da prensa tipográfica - inspirada nas usadas para
espremer uvas -, e dos tipos móveis de chumbo fundido (1450) - mais duradouros
e resistentes do que os de madeira. Estas duas invenções trouxeram uma enorme
versatilidade ao processo de elaboração de todo tipo de material impresso,
possibilitando a sua massificação, e revolucionando a troca de informação. A
Bíblia foi o primeiro livro a ser impresso e pensa-se que este processo terá
demorado cerca de 5 anos. A qualidade deste sistema operacional de impressão
levou-o a perdurar, quase inalterado, até 1811.
Na era contemporânea, na qual meios de
comunicação ecologicamente limpos - como a televisão, o rádio e a internet -
são o carro-chefe para qualquer campanha eleitoral, ver as ruas cobertas de
panfletos e os postes abarrotados de cartazes não soa incoerente?
A prensa de Guttenberg é fundamental para
discutirmos esta questão. Antes dela, possuir retórica, boa aparência e
gesticular bem eram habilidades essenciais para ser bem-sucedido na vida
pública. Com o advento, os panfletos se tornaram os principais responsáveis por
disseminar ideias porque possuem a vantagem de não demandar nenhum artifício
oratório. A produção em larga escala já era possível pouco tempo depois da prensa,
mas, por causa do alto custo e da escassez de matéria-prima os impressos só se
tornaram populares no início do século XIX. O Brasil, por sua jovialidade penta
centenária, possui registros de veiculação em massa de informação em papel
desde sua fundação como colônia e muitos deles ainda podem ser vistos em
museus. Este artifício sempre esteve relacionado com a disseminação de ideias
politizadas e contribuiu para a formação de opinião de civis e militares em
diversas fases do governo do império até os dias atuais.
Os primórdios da democracia brasileira
surgiram com a proclamação da república em 1889, ainda que sob um regime
militar, onde movimentos de trabalhadores, religiosos e deflagradores de
problemas sociais otimizaram a produção em grande escala de panfletos para que
suas filosofias e reivindicações atingissem todos os bairros e as classes
econômicas de uma cidade. Tais grupos de disseminação de ideologias, mais
tarde, deram origem a associações maiores, como o Partido Comunista do Brasil
(PCB) e o Partido Democrático (PD), e incitaram manifestações populares como
a Coluna Prestes e a Revolta da Chibata. Tudo
isso, é claro, só intensificou a distribuição de material gráfico.
Em 1929, divergências políticas entre as
elites dominantes enfraqueceram o poder. Foi a deixa perfeita para que grupos
de democratas, representados por Getúlio Vargas, João Pessoa e Júlio Prestes
iniciassem caravanas e comícios pelo país, o que resultou na primeira campanha
eleitoral brasileira, e, depois, na também inédita tomada do poder pela
oposição.
Getúlio Vargas à direita com
uniforme militar (1930)
Em meio ao chamado Estado Getulista, a Ação Integralista Brasileira - um partido influenciado pelo fascismo
italiano - reivindicou o governo e pode ser considerado um dos movimentos que
mais utilizou recursos estéticos para agitação popular. De capacetes
verde-oliva a cartazes claramente inspirados no Uncle Sam norte-americano,
o material partia para um apelo bastante intimador.
Vítima de jogos políticos, Getúlio Vargas foi
forçado a renunciar em 1945. As forças militares também estavam enfraquecidas e
o Supremo Tribunal Federal foi encarregado de administrar o país e confirmar a
data das eleições seguintes para dali a dois meses. O interesse da população
cresceu exponencialmente e houve quase três vezes mais eleitores que nas
eleições anteriores. E quanto maior a participação popular, maior foi o volume
de material gráfico distribuído.
O resultado foi comemorado pelo militar (mas
candidato como qualquer civil) Gaspar Dutra. Venceu o pleito, porém, pouco
tempo depois, foi deposto por Getúlio Vargas, que, novamente, contava com vasto
apoio popular. Outra vez no poder, Vargas não conseguiu manter-se por muito
tempo por conta de pressões oriundas das Forças Armadas. Terminou
suicidando-se.
Jânio Quadros com um vassoura
durante a campanha eleitoral
Jingle da campanha de Jânio Quadros: ouvir.
"Viver 50 anos em 5" foi a
principal proposta de Juscelino Kubitschek ao ascender ao poder nas eleições
seguintes. Prometeu grande crescimento econômico e a construção da nova
capital. Cumpriu, mas acabou nem se candidatando à reeleição por envolver-se
com uma série de problemas administrativos e denúncias de corrupção. Em seu
lugar, elegeu-se um dos maiores propagandistas da história do Brasil: Jânio
Quadros. O candidato da oposição ultrapassou os limites impostos pelo marketing eleitoral
da época e utilizou uma vassoura como símbolo de sua candidatura alegando que,
se eleito, iria "varrer" os males da administração pública. Chegou a
distribuir várias delas ao som de seu jingle. Além dos panfletos,
broches de metal (que também representavam uma vassoura) também foram
utilizados e mostraram o fortalecimento da campanha quando vistas nas lapelas
de seus eleitores. Seu mandato foi breve: 8 meses, desistindo por conta de
"forças ocultas".
O desastroso governo de Jânio (que proibiu o
uso do biquíni), foi um ótimo pretexto para o conhecido Golpe de 1964, liderado
pelas Forças Armadas, que declararam a tentativa de livrar o país da corrupção,
restaurar a democracia e a não-proliferação do comunismo na América Latina.
Durou cerca de 20 anos, com severas opressões artísticas, filosóficas e
ideológicas. Todo o material gráfico deste período não vem de campanhas
eleitorais, mas da proliferação de arte politizada e manifestações de
livre-pensamento, que pressionavam a volta da democracia. A produção era
clandestina pois, se os censores considerassem o material subversivo, seus autores
eram imediatamente taxados de comunistas e perseguidos. Se capturados, sofriam
torturas ou desapareciam.
A ditadura começou a abrandar em 1985, com a
volta da democracia por meio de eleições indiretas. Teve um fim formal com a
implementação da nova Constituição, em 1988, que só foi impulsionada por conta
de um enorme movimento social intitulado Diretas Já, no qual manifestantes
saíram às ruas para clamar eleições diretas. Além do rosto, cartazes, faixas e
panfletos invadiram as ruas da capital do país e o poder público acatou a
decisão.
Jingle da campanha de Fernando Collor de
Mello: ouvir.
As eleições diretas aconteceram em 1989 e,
com ajuda de uma campanha jovial, renovadora e com apoio da imprensa, no dia
primeiro de janeiro do ano seguinte, Fernando Collor de Mello tomou posse.
Incentivou a abertura econômica e a modernização do país, mas deixou a inflação
tomar proporções colossais. Usou-se da estratégia de reter o capital das contas
bancárias para gerar solidez econômica e abrandar a crise econômica. Tal medida
gerou revolta popular, o que culminou em manifestações muito densas, onde
cidadãos com os rostos pintados de verde e amarelo (conhecidos como
Caras-pintadas) saíram às ruas bradando pelo impeachment, que veio a acontecer.
Após o termino do mandato - através de seu vice - novas eleições foram
realizadas e Fernando Henrique Cardoso foi eleito e reeleito, implantando o
plano real e defendendo uma política neoliberal. A esquerda liderada por Lula
(originário das causas sindicais e em contínua campanha desde o
restabelecimento das eleições diretas) finalmente chegou ao poder e quatro anos
depois também reelegeu-se - sempre utilizando-se mais dos palanques, comícios e
vídeos do que material gráfico.
Campanha de Lula para a televisão em
1989 com Gilberto Gil, Djavan e Chico Buarque
A onda do pensamento ecológico ganhou força
nos últimos anos e a reciclagem de gerações promove uma constante (e radical)
mudança no pensamento comum. Apostar em uma campanha nas ruas à moda antiga
pode gerar conflitos com o eleitor ecologicamente engajado e resultar no
oposto: a perda de votos. Por outro lado, novos meios de marketing surgem a
cada dia e são cada vez mais utilizados, como e-mails, redes sociais da
internet e mensagens de texto por celular, mas, até agora, não se mostraram
muito eficientes. Por que, mesmo com a sujeira e a poluição visual, o impacto
nas ruas ainda gera mais resultados positivos? Não se sabe ao certo, mas
pesquisas indicam que militantes a favor de um partido no embate físico e
pessoal são considerados mais convincentes pelo eleitor.
O cartaz é um exemplo claro disso: salvo
raras exceções, o velho padrão dominante é aquele onde o nome, partido e número
de um candidato aparecem sobrepostos à sua foto de busto. Ousar pode significar
fugir demais ao clássico e parecer alienado, por isso, ao contrário do que
acontece em campanhas publicitárias, na propaganda eleitoral a neutralidade é
propositado.
Os países onde a inclusão digital é mais
difundida podem antecipar o destino da campanha eleitoral no Brasil. Nas
últimas eleições norte-americanas, por exemplo, Barack Obama elegeu-se
utilizando artifícios muito perspicazes. Os responsáveis por sua campanha
adquiriram bancos com dados de milhões de pessoas e, ao analisar o perfil de
cada uma, selecionaram os simpatizantes dos Democratas (partido pelo qual Obama
se elegeu) e separaram-nos em grupos aparentemente parecidos, para enviar-lhes
uma espécie de newsletter que incluiria apenas propostas relacionadas a seus
interesses pessoais. Uma pessoa com um membro de sua família combatendo na
guerra do Iraque, por exemplo, receberia um e-mail com as posições do candidato
acerca do conflito. Será este intimismo personalizado e ecologicamente engajado
o futuro das campanhas eleitorais também no Brasil?
Dilma Rousseff, Convenção
nacional do PT
© obvious: http://obviousmag.org/archives/2010/10/do_panfleto_para_a_web_breve_historia_do_material_de_campanha_politica_no_brasil.html#ixzz4QAcuK8bD
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook
Nenhum comentário:
Postar um comentário