Mundo: política
internacional
Colaboração de Fernando Alcoforado*
O filme “Ovo
da Serpente” (1977), de Ingmar Bergman é a melhor reprodução cinematográfica do
surgimento do nazismo na Alemanha retratando com muita fidelidade os primeiros
passos da sociedade alemã que, já dividida, desembocaria nas mãos do nazismo a
partir de 1933. A luta pela sobrevivência e o medo acompanham as ações
vacilantes de uma sociedade que se decompunha. No filme “O Ovo da Serpente” já
se podia ver, dez anos antes da subida dos nazistas ao poder, um fantasma
rondando a Alemanha e pressupor que em meio à desordem, à crise econômica e ao
vácuo político, uma semente de radicalismo e violência estava para surgir.
Em “O Ovo da
Serpente”, Bergman empreende uma obra dotada de forte senso crítico social e de
uma exposição memorável da história mostrando uma sociedade, a alemã, que vivia
sob o medo e denuncia os "motivos pelos quais" o futuro tenebroso
surgiria. Muitas vezes o ovo da serpente foi utilizado como metáfora para
exprimir a constatação de um mal em processo de elaboração, em incubação. Nele,
no ovo da serpente, no seu desenvolvimento, pode-se acompanhar a lenta e
inexorável evolução do monstro que está se criando, o nazismo.
Robert
Paxton, historiador norte-americano, afirma em sua obra The anatomy of fascism
(New York: Vintage Books, 2005) que o fascismo surge passando por cinco
estágios. No primeiro estágio, um movimento emerge em busca de algum tipo de
renovação nacionalista. É o caso dos Estados Unidos diante de uma crise
econômica de difícil superação como a atual, de comprometimento do american way
of life e de perda de sua hegemonia mundial para a China. Paxton afirma que o
sucesso do fascismo depende da fraqueza do estado liberal que condena a nação à
desordem, declínio ou humilhação e à falta de consenso político. Paxton
acrescenta que a profundidade da crise política e econômica induz a elite a
cooperar com os fascistas. Esta situação aconteceu na Itália fascista e na
Alemanha nazista.
O terceiro
estágio - a transição para um governo abertamente fascista - começa. De acordo
com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivo quando há
uma escalada de protestos que resultam em espancamentos, assassinatos e a
aplicação de rótulos em certos grupos sociais para eliminação, como os judeus e
comunistas na Alemanha, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de
poder. Qual é a linha do perigo? Paxton afirma na obra acima citada que os
fascistas estão arraigados no Partido Republicano que representa grandes
interesses corporativos com ampla influência na cena política nos Estados
Unidos.
Segundo
Paxton, a História nos diz que uma vez que a aliança entre as corporações e a
tropa de choque fascista é formada pode destruir os últimos vestígios de um
governo democrático. No estágio quatro, quando o dueto (corporações e tropa de
choque) assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre
os fascistas e as instituições da elite conservadora - igreja, militares,
profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem
vencer esta disputa. Paxton caracteriza o estágio cinco como de
"radicalização ou entropia". A radicalização ocorre quando o novo
regime obtém uma grande vitória militar que consolida seu poder e aguça o
apetite para expansão como ocorreu na Alemanha nazista.
Noam
Chomsky, filósofo e professor no MIT (Massachusets Institute of Technology),
advertiu que o fascismo poderia vir a acontecer nos Estados Unidos (Ver o
artigo Chomsky Warns Of Risk Of Fascism In America! Publicado no website ).
Chomsky traçou um paralelo entre a República de Weimar na Alemanha com os
Estados Unidos da atualidade. A República de Weimar foi esmagada pelo nazismo
em 1933. O mesmo se repetirá com a democracia nos Estados Unidos?
Tomando por
base a campanha de Donald Trump nas eleições presidenciais nos Estados Unidos
pode-se constatar que o “ovo da serpente” ou o fascismo está em gestação nos
Estados Unidos. Donald Trump apresentou uma campanha baseada na defesa da lei e
da ordem na qual deixam evidenciados seus traços de personalidade autoritária.
Donald Trump afirmou durante sua campanha eleitoral que ele era a voz "de
quem trabalha duro enquanto ninguém fala por eles" vítimas de um
"sistema manipulado" que beneficiam apenas as "elites".
Trump se apresentou como o "campeão do povo", o único capaz de mudar
tudo.
O candidato
republicano procurou desenhar a imagem mais angustiante possível sobre os
Estados Unidos, alimentada por recordar crimes anteriores relacionadas com a
imigração ilegal, a violência contra a polícia, e uma situação econômica
considerada desastrosa haja vista haver no país mais de 45 milhões de
desempregados, entre 12 e 15 milhões de pessoas sem teto e sem recursos para
pagar a comida e o seguro de saúde e em certas regiões dos Estados Unidos como Louisiana
a pobreza é imensa. Olhando para além das fronteiras dos Estados Unidos, Trump
destacou "a morte, destruição e fraqueza" dos Estados Unidos como
grande potência. Porém, Trump enterrou dois credos conservadores: o livre
comércio e o intervencionismo na política externa.
Donald Trump
mostrou seu caráter ultranacionalista defendendo um princípio: "A América,
primeiro". Contra todas as previsões, Trump será o 45º presidente deste
país. Donald Trump que insulta estrangeiros, mulheres e pessoas com deficiências,
que prega o ódio e esnoba os parceiros mundiais mais importantes dos Estados
Unidos, comandará o país mais poderoso da Terra. Trump marcou pontos com
slogans odiosos contra o chamado establishment político e a mídia. Ele
conquistou uma classe média branca que ficou empobrecida e desestabilizada pela
globalização. "Só eu posso consertar isso", era o lema de campanha de
Trump.
Comenta-se
que toda a estratégia política de Donald Trump foi traçada por Stephen Bannon,
chefe da campanha presidencial de Donald Trump, que será o estrategista chefe
de seu futuro governo. Antes da campanha eleitoral, Bannon estabeleceu, através
de seu site, o Breitbart News, uma "plataforma para a alt-right" - a
"direita alternativa", guarda-chuva para neonazistas. Ao assumir a
campanha de Trump, Bannon se afastou do site que chefiava desde 2012, após a
morte do fundador, Andrew Breitbart. Bannon dará o tom do futuro governo Trump
que terá certamente conotações fascistas como evidenciou durante a campanha
eleitoral. Trata-se de uma imensa catástrofe política para a democracia
norte-americana.
O mundo e os
Estados Unidos agora estão ameaçados por uma perigosa fase de instabilidade.
Donald Trump fará um governo no qual serão abandonados o Acordo de Paris sobre
mudanças climáticas e o arduamente negociado pacto nuclear com o Irã e acordos
comerciais diversos. Trump trabalhará para dotar a Arábia Saudita e o Japão de
armas nucleares, enfraquecer a "obsoleta" Otan ao obrigar os aliados
europeus a pagarem por proteção militar
dos Estados Unidos criando, com isso, o risco de uma incursão russa nos países
bálticos, iniciar uma guerra comercial com a China por meio do protecionismo,
construir um muro de 3.200 quilômetros de extensão ao longo da fronteira
mexicana, barrar a entrada de muçulmanos no país, renegociar todos os grandes
acordos comerciais e elevar bastante os gastos militares. Isso desencadeará
conflitos significativos, incitará novas rivalidades e motivará novas crises.
No âmbito
interno, Donald Trump propôs a redução radical de impostos sobre empresas, além
de uma simplificação tributária extensa, quer aumentar gastos em infraestrutura
o que implicaria em aumento de déficit público. Disso tudo resultaria em
crescimento ainda mais rápido das taxas de juros. Trump perseguirá a mídia
hostil, atacará as mulheres que o acusaram de assédio sexual, reduzirá os
impostos, especialmente para os supérrimos, abolirá a reforma da saúde
promovida por Obama deixando 24 milhões de pessoas sem cobertura médica,
buscará gerar 20 milhões de empregos em dez anos, jogará por terra os
regulamentos ambientais, relançará a indústria do carvão, deportará imigrantes
ilegais aos milhões e lotará a Suprema Corte de conservadores ideológicos à
medida que forem surgindo vagas. Trump está preparado para deslanchar seu
ataque à democracia liberal. Será possível controlar Trump com um Congresso
majoritariamente republicano? É claro que ainda há a esperança de que o sistema
político dos Estados Unidos seja forte o suficiente para refrear um presidente
com tendências fascistas. Mas não há garantia de nada.
*Fernando
Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao
Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008),
The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of
the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no
Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora
CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais
que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet
(http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.
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