sexta-feira, 6 de março de 2015

QUEBRA DA BOLSA EM 1929: TRAGÉDIA EM WALL STREET

 
A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, marcou o fim de uma era de euforia e prosperidade e preparou o cenário para uma depressão mundial que culminaria na Segunda Guerra

Felipe Van Deursen

 Como fazia toda quinta-feira, naquela manhã de outubro de 1929 o mítico bilionário do petróleo John Rockefeller encontrou seu engraxate, com quem gostava de conversar sobre trivialidades. Enquanto lustrava o couro, o garoto olhou para o homem mais rico do mundo e disparou: “Fiquei sabendo de uns papéis que vão subir pra valer, senhor”. Rockefeller dobrou o jornal, fitou o guri e, ao voltar ao escritório, vendeu boa parte de seus papéis na Bolsa de Valores de Nova York. “Se o menino que lustra seus sapatos sabe tudo sobre o mercado, então algo muito errado está acontecendo”, afirmou.


Uma semana depois, no 24 de outubro que ficou conhecido como “quinta-feira negra”, a Bolsa da metrópole americana iniciava uma traumática queda, levando milhares de pessoas à falência. Bancos e indústrias foram arruinados. Pequenos investidores também foram à bancarrota. Eram professores, garçons, datilógrafos. Gente que havia sido atraída para o mercado de ações numa época de deslumbramento: os loucos anos 20.




É bastante provável que a história de Rockefeller, que se safou razoavelmente ileso da quebra (ou crack, em inglês, como o episódio ficou conhecido), seja lenda – criada por ele ter sido um dos poucos investidores a não perder muito dinheiro. Fato é que, três anos depois, engraxates como o do bilionário eram a profissão que mais crescia em Manhattan. O jornal The New York Times registrou que, além dos cerca de sete mil garotos lustrando sapatos para ajudar a família (cena praticamente inexistente no verão de 1929), havia uma multidão de camelôs vendendo gravatas baratas, balões coloridos e toda sorte de bugigangas. Nova York vivia seus dias de Terceiro Mundo. A Grande Depressão assolava a América.

Loucura, loucura...

Quando a Primeira Guerra terminou, em 1918, a Europa estava devastada e suas potências, enfraquecidas. Os Estados Unidos, já o país mais rico do mundo, passaram a suprir o continente de manufaturas e alimentos. Durante praticamente toda a década de 20, o aumento da produção gerou crescimento e prosperidade ao país, que dominou outros mercados, como a América Latina. Era tão grande o otimismo que se acreditava estar diante do fim da era dos ciclos econômicos – o vaivém da economia, períodos de recessão entre épocas de expansão, que ocorreram diversas vezes ao longo da história.

O governo facilitava a economia liberal, sem interferências, reduzindo impostos. Calvin Coolidge, eleito presidente americano em 1924, disse que “o negócio dos Estados Unidos são os negócios”. Com o mercado livre, leve e solto, surgiu uma nova moda, ao lado do Ford T e do jazz de Duke Ellington: investir em ações. A oferta de produtos como carros e eletrodomésticos só aumentava e empréstimos e vendas a crédito se popularizaram para ajudar as pessoas a comprar cada vez mais.



No meio da década, a Europa voltou a competir por clientela e a produção americana ficou superaquecida. Não havia consumidores para tanta oferta. Mas o otimismo não foi contido, afinal a “mão invisível” do mercado sempre se adaptaria para manter o país no rumo do crescimento. Em um discurso de 1928, o novo presidente, Herbert Hoover, declarou: “Estamos hoje mais próximos do triunfo final sobre a pobreza do que já esteve qualquer outra terra na história”.


Em 1928, a valorização das ações começou a dar passos bem mais largos do que o crescimento da própria economia. Novas tecnologias, como radiodifusão e carros, eram as queridinhas dos investidores. Uma ação da Radio Corporation of America, que em 1921 custava 1,5 dólar, valia 57 vezes mais sete anos depois. A especulação galopava. Em Salve-se Quem Puder, o historiador inglês Edward Chancellor afirma que em 1929 “os especuladores se tornaram surdos aos alertas. (...) Em vez de raciocinar, eles se alimentavam dos crescentes boatos sobre riquezas fabulosas ganhas no mercado acionário por motoristas, vaqueiros, atrizes”.

Em setembro, o índice Dow Jones, de avaliação do mercado, registrou seu pico máximo no ano e o mercado começou a sentir que uma queda se aproximava. O volume de negócios diminuiu até a situação se tornar insustentável. “Houve uma crise financeira, da bolsa, e uma econômica, de produção e força de trabalho”, explica o historiador Wagner Pinheiro Pereira, autor de 24 de Outubro de 1929. “A crise levou acionistas a colocar ações à venda. Com excesso de ações e poucos compradores, o preço caiu, arruinando as pessoas. Sem recursos, as empresas demitiram. Bancos e fábricas faliram, e os efeitos se espalharam pelo mundo.” O triunfo de Hoover nunca chegou. Mas o pior ainda estava por vir.



O ex-ministro das finanças do Reino Unido, Winston Churchill, dono de algumas ações em Wall Street, visitou a Bolsa naquele fatídico 24 de outubro. Presenciou um pânico silencioso – naquela época, não era permitido gritar ou correr no pregão –, mesmo sem o dia ter registrado nenhuma falência de grande empresa. O medo estava no ar pela simples queda dos preços das ações. Uma multidão nervosa se acotovelava do lado de fora, quando um homem subiu no alto de um prédio. O nervosismo aumentou. À toa, pelo menos naquele momento: era só um operário fazendo consertos de rotina. Porém, naquele dia foram registrados 11 suicídios, como o de uma funcionária de joalheria que se enforcou, com os papéis de cobrança sob seus pés. Para ela e outros 90% que se aventuraram na Bolsa, o investimento virou dívida.

Os preços caíram até a “terça-feira negra”, dia 29, quando o desespero tomou a Bolsa. Corretores berravam, agarravam-se pelo pescoço, rasgavam paletós. Rockefeller anunciou em público que voltaria a comprar ações diariamente, o que reanimou o mercado, mas acabou virando piada. O humorista de rádio Eddie Cantor não perdoou: “Eu bem que acredito. Quem mais ainda tem dinheiro, além dele?” Eddie, que perdera 1 milhão de dólares, tratou de criar lendas de suicídios que ficaram famosas, como a dos recepcionistas do Hotel Ritz que perguntavam a quem chegava ao hotel se iam se hospedar ou se matar, atirando-se de um andar alto – embora não tenha havido um aumento significativo de suicidas em relação ao ano anterior.

A crise, em si, acabou em novembro. Atingiu, além de Churchill, que ficou quase 600 mil dólares mais pobre, cerca de 1,2 milhão de pessoas nos Estados Unidos – menos de 1% da população. O ano de 1930 começou com novas promessas de emprego, mas a melhora do humor do mercado foi efêmera.



Em dois anos, o Produto Nacional Bruto (soma da renda de pessoas e empresas americanas) caiu 60%. Em 1931, faliram mais bancos que durante os anos 20 inteiros. “A Depressão foi de longe o pior momento da história econômica”, afirma o economista americano Randall Parker. A falta de dinheiro atingiu duramente as fábricas. Industriais faliram, entre eles William Durant, fundador da General Motors – empresa-símbolo da especulação. Em 1936, para se sustentar, Durant lavou pratos em Nova Jersey. Charles Mitchell, presidente do National City Bank (o atual Citibank) durante os anos 20, foi forçado a se demitir após ser acusado de não ter declarado impostos. Mesmo sem ser condenado por falta de provas, foi considerado um dos responsáveis pelo crack. A popularidade de Hoover afundou junto com a autoestima da nação.

Filas se espalharam pelo país. Filas por um prato de sopa rala, filas por um pedaço de pão, filas de homens em busca de emprego. No campo, o sinal de pobreza era claro: favelas com cabanas feitas de papelão e lata proliferavam e agricultores vagavam pelas estradas à procura de serviços temporários. Enquanto nas fazendas abandonadas maçãs apodreciam e urubus comiam a carne de carneiros sacrificados em cânions (atirados pelos proprietários que não queriam gastar dinheiro com o abate), na cidade as pessoas morriam de fome. Ninguém tinha dinheiro para consumir. Assim, ninguém vendia.

Em 1932, uma comissão foi organizada pelo governo para apurar as falcatruas em Wall Street. Constatou remuneração excessiva e manipulações. A Bolsa foi definida como um “cassino”, deixando a população ainda mais insatisfeita. Com um discurso que propagava intervenção do Estado na economia, o democrata Franklin D. Roosevelt foi eleito presidente e em 1933, auge da recessão, anunciou um pacote econômico para salvar o país: o New Deal (novo acordo, em inglês).


A essa altura, com um quarto de seus trabalhadores sem emprego, a recessão dos Estados Unidos atingiu a Europa e outros rincões. Em 1931, os franceses só tiveram tempo de caçoar da “presunçosa economia anglo-saxã” antes de também cair na Depressão, assim como os ingleses. O tabuleiro mundial estava de pernas para o ar, a ponto de a União Soviética de Josef Stálin tornar-se destino para muitos jovens nova-iorquinos.

Na Alemanha, traumatizada por uma enorme crise em 1923, o terreno para a ascensão de um sistema radical e nacionalista estava preparado. O historiador Eric Hobsbawn, em A Era dos Extremos, é enfático: a Grande Depressão transformou Adolf Hitler no senhor da Alemanha. O regime de Hitler, tal qual o de Mussolini na Itália, foi bem-sucedido ao modernizar seus parques industriais. Em 1935, a produção dos dois países já voltara ao nível de 1929. Enquanto isso, nações subdesenvolvidas precisaram se industrializar, já que suas economias agrárias de exportação foram para o ralo, como a do café brasileiro.

Nos Estados Unidos, as reformas de Roosevelt começavam a dar resultado. Os efeitos econômicos da Depressão só foram superados quase uma década mais tarde, com a eclosão da Segunda Guerra, que deu ao país a chance de aumentar sua produção.
  


Hoje, a recessão econômica dos Estados Unidos – que o Federal Reserve (o Banco Central do país) chegou a classificar como a pior desde 1929 – reforça o fantasma de uma nova crise mundial. As opiniões divergem. “No horizonte próximo, isso não acontecerá. O Fed está muito mais bem preparado que nos anos 20 e, no mercado de ações, já houve crises piores, como a de 1987”, diz Parker. “A crise é inerente ao sistema capitalista”, contesta Wagner Pereira. Edward Chancellor, em seu livro, diz que “no passado sempre se chegou a um ponto no qual tanto a especulação como o crédito atingiam os limites da expansão. Naquele momento, o ciclo econômico ressurge (...) e a nova era é relegada à história”. Mais cedo ou mais tarde, talvez tenhamos que apertar os cintos.

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