História bíblica
Judas
Iscariotes, o apóstolo
Judas Iscariotes (em hebraico יהודה איש־קריות, Yehudhah ish
Qeryoth; em grego bíblico Iouda Iskariôth ou Iouda
Iskariotes) foi um dos doze
apóstolos de Jesus Cristo, que,
de acordo com os evangelhos canônicos, veio a ser o traidor que entregou
Jesus aos seus captores por trinta moedas de prata. Judas, em grego Ioudas,
é uma helenização do nome hebraico Judá (יהודה, Yehûdâh, palavra que significa "abençoado"
ou "louvado"), sendo, por
sinal, o nome de apóstolo que mais vezes aparece nos Evangelhos (vinte vezes)
depois do de Simão Pedro.
São várias
as explicações etimológicas que, ao longo dos tempos, foram surgindo
para o nome "Iscariotes". Uma delas tem uma conotação política,
ligando-o ao grupo dos sicários, uma ramificação do grupo dos zelotes que
perpetrava violentos ataques – geralmente com punhais, e daí o seu nome latino
de sicarii – contra as forças romanas na Palestina.
Por isso, se argumenta que Judas Iscariotes, alegadamente, teria sido um membro
deste grupo e que o seu nome seria a
transliteração de homem do punhal, em hebraico ish sicari.
Outros derivam o seu nome do
aramaico saqar, palavra que significava alguém
"mentiroso", que é "falso".
Outra
possibilidade é que Iscariotes fosse usado como apelido, em
hebraico ish Qeryoth, que significa homem de Queriote.
(João 6:71; 13 26:). Também, podia
ser designado "filho" ou "descendente" ou
"natural" de Queriote. "Queriote" – de acordo com a interpretação inicialmente veiculada
por São Jerónimo – seria o nome simplificado da aldeia, ou mais
provavelmente um conjunto de aldeias, de Queriote-Ezron (Josué 15:21) – nome
que significa "cidades de Ezron" – localizada na província romana
da Judeia (no território da Tribo de Judá) e que é comummente
identificada com a moderna Qirbet el-Qaryatein, situada a cerca de
20 km a sul de Hebron.
Judas
Iscariotes foi escolhido como um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo, sendo
apresentado, na listagem dos seus nomes, sempre em último lugar (Mateus
10:2-4; Marcos 3:16-19; Lucas 6:13-16). Mais tarde, ele tornou-se infiel e iníquo, conforme apresentado
no Novo Testamento. Era o
encarregado da bolsa do dinheiro dos apóstolos: «tendo a bolsa,
tirava o que nela se lançava» (João 12:6). Teria demonstrado exteriormente a sua fraqueza na cena da unção
com óleo perfumado em Betânia, onde testemunhou que estava mais
apegado ao dinheiro do que propriamente aos gestos concretos com que Jesus
demonstrava a sua missão (João 12:1-6).
Judas
entregou Jesus por trinta moedas de prata, o preço
de um escravo segundo Êxodo 21:32. De acordo com o autor do Evangelho
de Mateus, os principais sacerdotes decidiram não colocar essas moedas no
tesouro do Templo de Jerusalém, mas, em vez disso compraram um terreno no
exterior da cidade para sepultar defuntos, conhecido ainda hoje como "Campo
de Sangue". Segundo Zacarias, profeta do Antigo Testamento, a
vida e o ministério do prometido Messias (ou Cristo) seria
avaliado em 30 moedas de prata (Zacarias 11:12-13). Isto significava que,
segundo a leitura dos acontecimentos feita pelo evangelista Mateus, os líderes
religiosos judaicos foram induzidos a avaliar a vida e ministério de Jesus
de Nazaré como dotados de bem pouco valor.
A motivação
da sua ação é justificada ou explicada, nos Evangelhos, de diferentes modos.
Assim, nos Evangelhos mais antigos, de Mateus e de Marcos, tal deveu-se à
sua avareza(Mateus 26:14-16; Marcos 14:10-11). Já nos Evangelhos de
Lucas e de João o seu procedimento é devido à influência direta de Satanás -
ο σατανας - (Lucas 22:3; João 13:2-27) sobre as suas ações.
O Suicídio
de Judas
A morte de Judas está relatada em Atos
1:18-19. Segundo o relato, ele «precipitou-se de cabeça para baixo,
arrebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram» (Atos
1:18) num local chamado "Campo de Sangue". Segundo Mateus 27,
ele se enforcou depois de tentar devolver o dinheiro aos sacerdotes.
Os autores do Novo Testamento, relendo a luz
da sua fé as escrituras do Antigo Testamento, procuraram, de algum modo,
mostrar que a morte de Judas fora análoga à que as Escrituras apresentavam para
o "desesperado" («Vendo Aitofel que se não tinha
seguido o seu conselho, albardou o jumento, e levantou-se, e foi para sua casa
[...], se enforcou e morreu» (II Samuel 17:23)) e para o "ímpio" (no deuterocanônico Sabedoria 4:19: «Em
breve os ímpios tornar-se-ão cadáver sem honra, objeto de opróbrio para sempre entre os mortos: o
Senhor os precipitará de cabeça para baixo, sem que digam palavra, e os
arrancará de seus fundamentos. Serão completamente destruídos, estarão na dor e
sua memória perecerá.»).
Existe uma
lenda de que Judas (segundo outros autores, seria Simão de Cirene) teria
sido crucificado no lugar de Jesus Cristo. A "teoria da substituição"
aparentemente se fundamentaria no Alcorão (ou Corão): «E
por os judeus dizerem: "Matamos o Messias, Jesus, filho de Maria,
o Mensageiro de Alá Deus", embora não sendo, na realidade, certo
que o mataram, nem o crucificaram, senão que isso lhes foi simulado. E aqueles
que discordam, quanto a isso, estão na dúvida, porque não possuem conhecimento
algum, abstraindo-se tão-somente em conjecturas; porém, o fato é que não o
mataram.» (Alcorão, surata 4 § 157)
Mas a
explicação mais coerente da Surata 4 § 157, à luz de todos os textos do Alcorão,
é que os judeus eram incapazes de se gloriarem de terem matado Jesus, porque
efetivamente era Deus quem estava no controle dos acontecimentos e quem
permitiu que Jesus Cristo morresse numa Cruz. A "Teoria da
Substituição" não é mais do que uma tentativa de harmonizar a declaração
de que Jesus não foi crucificado (na frase idiomática wa-lakin shubbiha
lahum) com a descrição dos Evangelhos sobre a sua crucificação. Na verdade,
nenhuma destas histórias tem apoio no Alcorão ou das Tradições
Islâmicas autênticas, apoiando-se, isso sim, sobretudo, nos escritos polemistas
do cosmógrafo do século XIV, ad-Dimashqï (Ref. "Encyclopedia
Britannica", "Judas").
O Evangelho
de Judas é um evangelho apócrifo, atribuído a
autores gnósticos nos meados do século II, composto de 26 páginas de papiro
escrito em copta dialectal que revela as relações de Judas com Jesus Cristo sob
uma outra perspectiva: Judas não teria traído Jesus, e sim, atendido a um
pedido deste ao denunciá-lo aos romanos.
Desaparecido por quase 1700 anos, a única cópia
conhecida do documento foi publicada em 6 de abril de 2006 pela revista
National Geographic. O manuscrito, autentificado como datando do século III ou
IV (220 a 340 D.C.), é uma cópia de uma versão mais antiga redigida em grego.
Contrariamente à versão dos quatro Evangelhos oficiais, este texto clama que
Judas era o discípulo mais fiel a Jesus, e aquele que mais compreendia os seus
ensinamentos. O seu conteúdo consiste basicamente em ensinamentos de Jesus para
Judas, apresentando informações sobre uma estrutura hierárquica de seres
angelicais e uma outra versão para a criação do universo.
De acordo
com alguns estudiosos, Judas de Iscariotes teria sido membro da seita dos zelotes. No quadro
de um Messianismo Político do 1.º Século, estaria convencido de que ele, com
todo o seu poder, concretizaria a chegada do Reino tão desejado por Israel.
Mas, com o tempo, terá começado a sentir-se desiludido, porque Jesus não terá
correspondido aos seus ideais e expectativas. Desencantado com Jesus, o teria
entregue ao Sinédrio, para assim unir o povo judeu numa revolta
contra Roma e desencadear o estabelecimento imediato do Reino de
Deus. (Ref.ª Diário de Noticias de 21 de
maio de 2006, Secção Opinião, Anselmo Borges, Padre e Professor de
Filosofia; National Geographic, Abril de 2006, pág.; História
Viva, Novembro de 2003, pág. 61-5; O Processo de Judas, Dr.
Remy Bijaoui, Imago, 1999).
Esta visão é apresentada em muitas obras literárias
e no cinema, com especial atenção para A Última Tentação de
Cristo (1988), baseado no romance do mesmo nome de Nikos
Kazantzakis (1954), mais tarde (1988) transformado em filme dirigido
por Martin Scorsese, além do filme O Rei dos Reis, clássico sobre a
vida de Jesus Cristo de 1961 dirigido por Nicholas Ray, onde
apresenta Judas (interpretado com brilhantismo por Rip Torn) como um
zelote, que auxilia Barrabás na luta contra a Opressão Romana, e que
ao se juntar ao grupo de Jesus, ele está convencido que o Galileu instalará o
Reino de Deus na Judeia, pois Jesus tem o poder de fazer milagres, e que
assim, liquidará com todos os opressores romanos. Para provar o poder de Cristo,
e também com a finalidade de forçá-lo a se proclamar Rei, ele
entrega-o às autoridades, mas quando vê o Nazareno subjugado, açoitado, e
carregando uma cruz, seu conceito sobre o Filho de Deus se desvanece, e
desiludido, ele resolve se enforcar.
Outros
sustentam que na realidade Judas não traiu Jesus Cristo por 30 moedas.
Argumentam que ele terá agido por ordem do próprio Jesus, precipitando dessa
forma a morte na cruz e a redenção da humanidade. Por fim, ele não se teria
suicidado como dizem os Evangelhos canónicos, mas antes se retira para o
deserto para meditar. O Evangelho sobre Judas, escrito gnóstico do 2.º Século,
"não deve ser visto como a versão verdadeira sobre o destino do apóstolo
de má fama, mas como mais uma peça no quebra-cabeças dos primeiros anos do
cristianismo". (Ref.ª Veja de 12 de
abril de 2006, ed. 1951, pág. 91).
Outros creem
que Judas apenas acreditava que Jesus iria reagir contra os guardas do império
romano quando eles fossem pegá-lo. Se isto
ocorresse, os Judeus (que não acreditavam que Jesus era o Messias) iriam se
unir a eles e assim derrotar Roma. Os Judeus não acreditavam em Jesus, pois
eles viam Messias como um libertador que viria de espada e destruiria Roma.
Como Jesus veio em paz algumas pessoas não acreditaram e continuaram a dizer
que Messias ainda viria dessa vez com uma espada na mão. Se Jesus reagisse
contra os guardas que o vieram prender, como no plano de Judas, muitos judeus
que antes não acreditavam iriam começar a acreditar e assim todos eles poderiam
derrotar Roma juntos.
Conhecida é, também, a leitura alegórico-sapiencial
que os Padres da Igreja dos primeiros séculos faziam entre o nome de
Judas e a sua iniciativa de vender Jesus às autoridades como sendo análoga à
venda de José, pelo seu irmão, Judá, aos ismaelitas (Génesis 37:26,27).
Curioso é, ainda, o facto de o valor gemátrico do nome Judas, em
hebraico, ser, precisamente, trinta - ou seja, o valor pelo qual ele entregou
Jesus -, por alguns intérpretes entendido como sinal de que, ao trair o seu
Mestre, Judas estava, igualmente, a trair a sua própria pessoa.
A tragédia
associada ao drama da vida e da morte de Judas Iscariotes foi, desde sempre,
uma das mais prolixas inspirações para a criação de obras artísticas. Assim
pode-se vê-lo:
na última Ceia: Leonardo da Vinci, Milão;
no pagamento da traição: Giotto, Pádova; Fra
Angelico, Florença;
na entrega de Jesus: mosaico de Santo Apolinário Novo, Ravena;
desenho de Rembrandt, Estocolmo; telas de Van Dyck, Madrid;
corroído de desespero ou no suicídio: capitéis da Igreja de Vézelay,
Saulieu; tímpano da entrada da Catedral, Estrasburgo.
Célebre é, também, a referência que Dante
Alighieri faz a Judas na sua "Divina Comédia" ao
colocá-lo, juntamente com Cássio e Bruto, assassinos de Júlio
César, na maior profundidade dos infernos e apresentando-o a ser continuamente
devorado pelo príncipe das profundezas, Lúcifer:
"Quell' anima
là sù c’ha maggior pena", / disse ’l maestro, "è Giuda Scarïotto, /
che ’l capo ha dentro e fuor le gambe mena."
"O que sofre
lá em cima a dor mais lancinante", / disse o Mestre, "é Judas
Iscariotes, / que tem a cabeça dentro e esperneia as pernas para fora."
O escritor italiano Ferdinando Petruccelli
della Gatinhar, no controverso romance Memorias de Judas (1867),
reabilita a figura do apóstolo, visto como um revolucionário que lutou contra a
opressão do Império Romano.
Em 1978, o cantor brasileiro Raul
Seixas gravou a canção Judas com a parceria de Paulo Coelho no
álbum Mata Virgem mostrando Judas sendo condenado e relatando que ele foi
escolhido para pregá-lo na cruz.
Em 2007, a cantora estadunidense Kelly
Clarkson gravou para seu terceiro álbum de estúdio, My December, a
canção Judas, escrita pela própria cantora, em parceria com Jimmy
Messer e Dwight Baker. A canção fala sobre uma traição de alguém que era tido
como verdadeiro amigo e cuja atitude a intérprete lamenta profundamente no
decorrer da melodia.
Em 2011, outra
cantora estadunidense, Lady Gaga, lançou uma canção de nome "Judas",
contida no seu terceiro álbum de estúdio, Born This Way, como single.
A canção narra uma luta pessoal da intérprete de querer amar a Jesus
Cristo, porém se vê amando a Judas Iscariotes.
O beijo
de Judas tornou-se símbolo da amizade falsa e da hipocrisia.
Em alguns países, adoptou-se o costume da Malhação de Judas, onde
se costuma espancar e queimar publicamente, no Sábado de Aleluia, um
boneco de palha que personificaria o traidor de Cristo.
O filme Jesus Cristo Superstar apresenta os últimos
dias de Jesus sob o ponto de vista de Judas.
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