publicado
em recortes por Ana Josefina Tellechea
Pode parecer meio egocêntrico, mas não é esta a intenção. Essa que vai
ler é talvez uma boa parte da história da minha vida e de uma angustiante falta
de noção de pertencimento, não porque não queira ou porque me demore a entender
uma cultura tão diversa ou até mesmo porque seja incapaz de desfazer-me de
raízes. Mas porque a burocracia - aquela que conhecemos como
"burrocracia" - brasileira ceifa as milhares de oportunidades que
poderia haver para estrangeiros no Brasil.
Tenho certeza que se
houver algum estrangeiro lendo esta parte da minha história haverá
identificação imediata em diversos aspectos.
Se sou brasileira?!
Sim e não, talvez seja essa a resposta. Nasci na Argentina, na cidade de La
Plata, província de Buenos Aires, aquela cidade com aroma de Europa e que
desperta sensações de liberdade mesmo num lugar de gente tão freneticamente
séria e obediente. Frenéticas por caminharem rapidamente rumo aos seus destinos
e tão obstinados e decididos a chegar até eles, sérias por parecerem frequentemente
vigiadas e compulsivas por um comportamento que respeite às regras. Sim, também
tem aquele sentimento de liberdade, porque basta o sol descansar que aquele ar
de seriedade traveste-se e a diversão toma conta... Os brasileiros devem saber
bem, afinal, ao caminhar pelas ruas de lá o que mais se ouve são pessoas
falando português, sejam eles estudantes, famílias à passeio ou simplesmente
pessoas em busca de diversão e de uma experiência agradável num pedacinho da
Europa na América Latina. Preciso parar por aqui, afinal, o meu conhecimento em
matéria de Argentina e argentinos é limitadíssimo!
Limitado sim, porque
eu nasci lá, mas aos 5 anos fui trazida por minha mãe ao Brasil pela primeira
vez. Tenho 26 anos, se fizermos as contas, vivo quase toda uma vida por aqui.
mais brasileira que isso, só nascendo aqui (ou em Portugal?)!
Cresci, aprendi a ler
e escrever,aprendi a cantar o hino do Brasil, vivi meus amores e dramas
adolescentes, conheci meus amigos, me formei, encontrei minha profissão, casei,
construí minha casa e planejei toda uma vida no país que insiste em pouco me
acolher. Posso estar parecendo mal agradecida, mas neste caso, é ao contrário!
Luto por causas, defendo, brigo, educo, sonho, construo, pago, contribuo e
ainda assim, o sistema faz questão de excluir os estrangeiros de todas as
formas possíveis.
Para se ter uma
ideia, basta ler um edital de qualquer - há exceções - concurso público e ver
que lá constarão as seguintes informações nos requisitos para investidura em
algum cargo: "Ser brasileiro nato ou naturalizado, ou ainda(...) estar
amparado pelo estatuto de igualdade entre brasileiros e portugueses."
(Oi!???) Percebam que o embrião chamado Brasil ainda não consegue cortar o
cordão umbilical com seus colonizadores e pelo visto, também é incapaz de ser
uma mãe adotiva sem burocracias.
Se fizermos uma
pequena busca no Google, podemos encontrar na Wikipédia o termo
"argentino-brasileiro" e uma enorme lista de
"argentinos-brasileiros notáveis" (juro que me surpreendi). São
incontáveis os argentinos que, por algum motivo, vieram parar no Brasil e
fizeram dele sua casa e ainda assim, são inúmeras as dificuldades burocráticas
que enfrentamos aqui, mesmo estando aqui há muitos anos. Talvez isso seja algo
que ocorre em diversos países, mas temos de convir que aqui a burrocracia é uma
pedra no sapato de todos nós, estrangeiros ou não.
Nos meus 21 anos de
vida no Brasil conheci incontáveis argentinos que vivem aqui, mas muitos deles
escolhem dois caminhos principais: a vida "anônima", em ilhas onde a
maioria dos moradores são estrangeiros (talvez tenha algo a ver com a
necessidade do sentimento de pertencimento); a vida acadêmica, onde nos é
permitido (quando temos visto permanente, como eu) atuar e participar de
concursos de uma forma menos (eu disse M-E-N-O-S) burocrática. Existem, ainda,
aqueles que se naturalizam e conseguem juntar uma lista de documentos feita com
um papiro de 100 metros e têm dinheiro para pagar as 300 guias de recolhimento
exigidas.
Bem, exageros (pero
no mucho) à parte, a vida de um estrangeiro no Brasil, principalmente de um
argentino, quando se trata de relações sociais, é bem diferente do que se possa
imaginar, tendo em vista a rivalidade no futebol. Na grande maioria das vezes o
que ocorre é o oposto. Somos muito bem recebidos e valorizados por nossas
virtudes. Tirando o fato de que algumas pessoas ainda se ofendem quando critico
o meu país (Brasil), por me sentir no direito de fazê-lo, como qualquer
cidadão. Critico porque me sinto parte, critico porque amo e quero o progresso
do lugar onde vivo e que escolhi para ter e criar meus filhos.
Com todos os
defeitos, escolho o Brasil para ser meu país (não, não deixei de ser
argentina). Um filho não pode ter duas mães?
Sonho com o dia em
que o meu sentimento como brasileira caminhará de mãos dadas com os meus
direitos de sê-lo. Sonho com o dia em que seremos realmente
"Hermanos"
.
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