Escândalo joga sombra sobre empresa que tem papel estratégico na
política externa
FLÁVIA MARREIRO São Paulo,
El
PAÍS – O JORNAL GLOBAL
Marcelo Odebrecht, Dilma e Raúl Castro na inauguração do Porto de
Mariel. / ISMAEL
FRANCISCO/CUBADEBATE
Discreto,
com seus óculos de aros finos e terno bem cortado, Marcelo
Odebrecht parecia mais um na entourage de jornalistas e
assessores que acompanhavam Dilma Rousseff nas viagens a
Cuba e Haiti. Na ilha dos Castro, visitada dias antes, a Odebrecht já se
firmara como a empresa a fazer o maior investimento desde 1959, com quase
um bilhão de dólares no Porto de Mariel. Agora, no país caribenho em
reconstrução, havia negócios a prospectar. "Atuamos em alinhamento com a
política externa brasileira", limitou-se a dizer e se pôs fora de alcance.
A cena de 2012 serve como moldura para a
onipresença da Odebrecht, a maior construtora da América Latina, nas grandes
parcerias estratégicas do Brasil nos últimos 12 anos. Se foi pioneira no
esforço de internacionalização brasileira desde 1979, o conglomerado de Marcelo
Odebrecht aproveitou como poucos os anos de brilho internacional e prestígio
capitaneado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e continuado, apesar
dos problemas, por sua sucessora. De mãos dadas com Lula e suas relações com
uma América Latina e na África, Odebrecht amealhou superlativos. Em Cuba, além
do porto, entrou no negócio do açúcar, uma deferência para um aliado íntimo, e
na reforma de um aeroporto. Na Venezuela, é a maior construtora estrangeira. No
Panamá, ganhou o cobiçado projeto de ampliação do aeroporto. Em Angola, toca
a hidrelétrica de Laúca, tido como o maior empreendimento em curso na
África. A maioria dos projetos contou com financiamento do banco público
brasileiro BNDES — só entre 2007 e 2014, o banco brasileiro financiou a
exportação de bens e serviços para essas e outras obras no valor total de 8
bilhões de dólares (outra investigada, a Camargo Correa, teve financiados
para obras suas no exterior pouco menos de 3 bilhões no período).
Com Lula já
fora da presidência, foi a vez de a Odebrecht apostar no ex-presidente
como caixeiro-viajante e interlocutor de luxo. Não causava espanto em Caracas, por
exemplo, que o então presidente Hugo Chávez anunciasse na televisão que
pagaria milhões em atraso à Odebrecht exatamente um dia antes de Lula discursar
em um evento da empresa na capital venezuelana. Na superfície, nada
muito diferente do papel feito por ex-mandatários do mundo, de Bill Clinton a
Vincent Fox e Tony Blair. O complicador é que não há legislação clara
sobre lobby no Brasil, e em meio à intensa polarização política, críticos e
oposicionistas defendem que a influência
política do petista foi muito mais além do que seria saudável para os trâmites
institucionais. Às anedotas e coincidências, se somaram documentos do
Itamaraty sobre as viagens de Lula ao exterior já analisados pela imprensa
brasileira. Tudo alimentou o desejo do
Ministério Público de apurar, em investigação preliminar desde o mês passado,
se houve tráfico de influência do petista favorável à Odebrecht.
A prisão preventiva de Marcelo Odebrecht nesta
sexta marca uma nova inflexão.
"Acreditamos
que é significativo que Alexandrino Alencar, o executivo da Odebrecht que
acompanhou Lula em algumas viagens internacionais, tenha sido um dos
detidos", escreveu a consultoria de risco Eurásia a seus clientes.
"Se Lula é implicado, nós tememos que isso possa gerar uma disputa ainda
maior entre o PT e a administração Rousseff."
Agora, o alinhamento de Marcelo Odebrecht com a política externa brasileira
pode cobrar um preço em termos de imagem. A transferência
do integrante frequente das comitivas presidenciais brasileiras para a prisão,
por supostamente está vinculado ao maior escândalo brasileiro recente, joga um
manto de sombra sobre ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário