Literatura
Publicado por Leandro
Dupré Cardoso
Se você leu até o final
eu lhe agradeço. É um bom sinal cujo real caminho desconheço. Mas espero que, afinal,
ele te leve a um novo começo. . .
Não adianta resistir mais,
Capitu, você está cercada. É melhor colaborar com a gente: traiu ou não traiu?
Eu sei que vou ganhar esta aposta. Confesse, rápido! E Capitu respondeu. Quem
acertou, de imediato celebrou. Quem errou, naturalmente chiou. Porém, quem saiu
realmente perdendo foi a própria Capitu: não por ter o seu segredo revelado,
mas pela sua sincera expressão da verdade ser tratada meramente como objeto do
julgamento alheio.
À mulher de César não basta ser séria. Ela
tem que parecer séria.
Sinceramente, este é um dos provérbios que
mais me perturba até hoje. Ele não é como a maioria que possui intrínsecas
lições de moral inseridas habilmente entre suas poucas palavras: tem um ar meio
cínico, um estilo um bocado irônico. Parece um refinado discurso político que
por trás de suas belas explicações está secretamente zombando das nossas caras.
"E o melhor ainda estará
por vir: os seus salários serão cada vez mais utilizados para o desenvolvimento
da nossa grande e distinta nação!" Puxa, só falei que vou aumentar os
impostos e ainda terminei aplaudido...
Valores considerados ideais pela sociedade
estão sempre contidos nos provérbios como a valorização do bem, do esforço, da
falta de cobiça de exacerbada, do controle dos impulsos, entre outros. Porém,
um ideal de comportamento que também é muito estimulado é justamente o de se
dar maior importância ao caráter do que à aparência, certo? Pois não é bem o
que se tira da mulher de César, a qual subentende-se que será vista como séria
caso o pareça, mas o mesmo não é tão garantido caso ela realmente o seja.
Qualquer perceptível suspeita já é indício de que algo anda fora dos trilhos. A
Capitu de Machado de Assis e seu tão famoso olhar dissimulado já seriam mais do
que motivo para que a moça fosse tranquilamente condenada sem a mínima
necessidade de um julgamento para tal.
Mesmo assim, devo admitir que cada vez que
coloquei a mulher de César à prova, mais eu tive que engolir que a sua aparente
seriedade tinha grande importância no resultado da equação. “A propaganda é a
alma do negócio.” Na prática é o que estamos quase sempre fazendo com a nossa
imagem perante os outros: vide as entrevistas de emprego, as comparações entre
notas escolares, os apurados debates entre leigos ou até em encontros com o
sexo oposto. Estamos sempre vendendo o nosso próprio peixe, ainda mais nestas
situações em que somos levados a acrescentar aquele brilho extra em suas
escamas para que a freguesia não preste tanta atenção nas outras peixarias que
também adotam procedimento semelhante. E assim gira a bola de neve.
Mas não que este seja o modo ideal para se
comportar. Funciona mais ou menos como uma especulação na bolsa de valores: se
o investimento parece ser bacana, todos se animam e apostam até o último
centavo no que pode se tornar uma nova multinacional de sucesso ou se revelar
um novo golpe de empresa fantasma. De todo jeito, o risco ainda é bem grande.
E um risco ainda maior de uma sociedade de
aparências é para quem deve sustentá-las. Essa máscara de perfeição que
carregamos pode nos incorrer numa cilada fatal: o orgulho. Quando, depois de
tanto contarmos vantagem perante os outros, começamos a acreditar em nossas
palavras assim como uma mentira dita muitas vezes se torna verdade
.Sempre é bom lembrar: quanto mais fantasiado, menos atenção você chamará
dentro de uma sociedade escondida sob os próprios trajes extravagantes...
O diploma, o curso, a viagem. Todos eles são
conquistas reais que exigiram bastante esforço e dedicação para serem concretizados,
sem dúvida. Mesmo assim, ainda não são suficientes para dar mais valor a uma
pessoa em detrimento de outra. A vida não é como um videogame em que uns estão
encerrando o nível 54 enquanto outros seguem empacados no nível 6. Todos
vivemos a mesma realidade só que pelos nossos próprios pontos de vista à época.
Enquanto você fazia aquele curso dos sonhos, os demais provavelmente faziam
coisas bem diferentes. Mas se estas coisas eram mais ou menos edificantes que
tal curso só as suas próprias consciências irão dizê-lo.
Ninguém é a última bolacha do pacote. Todos
somos de carne e osso, indivíduos que tiveram um início e também terão um fim.
Mas, na prática, o dilema permanece: ao longo prazo as máscaras invariavelmente
caem para mostrar a realidade que se esconde, mas até lá quem vive de curto
prazo já se aproveitou bastante da situação. O que inicialmente dá a falsa
impressão de que se colhe muito mais frutos pelo ato de parecer em comparação
àqueles que colhem seguidos insucessos por simplesmente serem e nada mais.
É por isso que eu ainda reluto, mas cada vez
mais admito que a mulher de César realmente também tenha de parecer séria ao
menos até que a poeira assente e a sua verdadeira face possa ser finalmente
valorizada. Porém, enquanto isso, é bom que ela tenha ao menos caráter
suficiente para sustentar a sua versão dos fatos. E que não se precipite ao
ponto de julgar uma ruga de qualquer outra esposa: talvez a mulher de César
ainda não tenha percebido que Capitu simplesmente não usa maquiagem.
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