Literatura
Por Sílvia Marques
“Sou
paulistana, escritora, bacharel em Cinema, professora universitária e doutora
em Comunicação e Semiótica. Entre meus livros estão "Como identificar e se
livrar de um babaca: Guia de sobrevivência feminina, "Hispanismo e
erotismo: O cinema de Luis Buñuel", "O cinema da paixão: Cultura
espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação", indicado ao
Jabuti 2013. Defendo a ideia de que filmes inteligentes e críticos podem
estimular a longo prazo novas atitudes, pensamentos e sentimentos. Autora do
blog Garota desbocada. Lancei recentemente em versão e-book pela Cia do ebook o
romance O corpo nu.”
Exaltar o recato feminino vai
muito além do elogio aos modos elegantes e discretos de uma mulher. É uma
tentativa subliminar de enterrar qualquer tipo de potencialidade feminina que
ultrapasse a capacidade de combinar sapato com bolsa e cuidar bem dos cabelos e
da pele. Pois mesmo que uma mulher vista saias na altura do joelho e batom nude
, mas se expresse politicamente, não será considerada uma mulher recatada, pois
ainda relacionamos o poder com o masculino.
Sim, ainda tentam amordaçar as mulheres.
Ainda tentam nos encaixar num modelinho fechado e tradicional que nada tem a
ver com a maioria das mulheres. Que nada tem a ver com aquilo que pensamos e
sentimos de mais profundo e verdadeiro. Que nada tem a ver com aquilo que
realmente fazemos em nossas jornadas de lutas constantes.
Como defensora do livre pensamento e do livre
arbítrio, me parece que não existe um modelo a seguir. Quer ser
"recatada"? Seja! Independente do significado que cada um proporciona
ao termo. Para uns , ser recatada é usar saia na altura dos joelhos e batom
nude. Para outros, ser recatada é ser fiel aos seus valores.
Para uns ser recatada é ser discreta,
independente do que se faça na vida íntima. Para outros, ser recatada é ser
fiel e leal às parcerias afetivas e simplesmente se relacionar sexualmente por
amor.
Cada mulher e cada homem tem o direito de
fazer suas escolhas e viver sua vida da forma que considera melhor, contanto
que não desrespeite a liberdade alheia.
A discrição em si não é um problema. Pode até
ser muito elegante. O problema é o conteúdo que se esconde por detrás da
exaltação à discrição feminina. Exaltar mulheres discretas é uma espécie de
eufemismo. É uma forma sutil ...ou nem
tanto de dizer o seguinte subtexto: "Mulheres não se expressem, não
opinem, apenas acompanhem seu parceiro, o líder, o cabeça do casal. Mulheres,
não participem da vida pública, não deixem suas marcas na sociedade. À mulher
cabe simplesmente seguir e concordar, consolar e amparar os homens , a quem
cabe as decisões mais importantes".
Ao exaltar uma mulher discreta, colocando-a
como um modelo único, como um modelo ideal, retrocedemos em nossas conquistas,
mergulhando num saudosismo ranço, num saudosismo que não cabe mais em nossa
realidade porque quem vê a luz não consegue voltar passivamente à caverna. Quem
bebe do vinho da liberdade , do saber, não consegue regressar a um estágio de
submissão intelectual.
Exaltar o recato feminino vai muito além do elogio
aos modos elegantes e discretos de uma mulher. É uma tentativa subliminar de
enterrar qualquer tipo de potencialidade feminina que ultrapasse a capacidade
de combinar sapato com bolsa e cuidar bem dos cabelos e da pele. Pois mesmo que
uma mulher vista saias na altura do joelho e batom nude, mas se expresse
politicamente, não será considerada uma mulher recatada, pois ainda
relacionamos o poder com o masculino.
Toda mulher com poder é uma espécie de
aberração, um ser híbrido e estranho, entre o feminino e masculino, algo digno
de zombaria, terror e admiração perplexa e constrangida para as camadas mais
conservadoras da população que fazem vistas grossas aos problemas reais da
sociedade, mas que se agarram fortemente à mesquinharias pseudo moralistas. Infelizmente,
ainda confundimos moralidade e ética com moralismo de fachada que serve para
escamotear a incapacidade de lidar com o novo, com o complexo, com aquilo que
não se encaixa num modelo pré-estabelecido.
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