Literatura/Arte cinematográfica
Publicado por diana ribeiro
“Gosta de
cores, comer algodão doce, ouvir as ondas do mar, cheirar e tocar em livros
novos. Não dispensa o uso de nenhum dos sentidos.”
A adaptação
cinematográfica da premiada obra de Chico Buarque “ Budapeste”, chegou
recentemente às salas portuguesas. O realizador Walter Carvalho afirmou não ter
sido completamente fiel à história do músico. Nós confirmamos e perguntamos:
leu o livro? (já)viu o filme ou até ambos? Qualquer que seja a resposta,
embarque conosco neste vaivém entre o Rio de Janeiro e Budapeste, onde José
Costa ou Kosta Zsoze, escritor anónimo pago para produzir textos que outros assinam,
procura um encontro com o seu verdadeiro eu.
“Devia ser proibido debochar de quem se
aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metro por engano numa
estação azul igual à dela, com um nome semelhante à estação da casa dela,
telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase”.
De facto, devia mesmo ser proibido troçar de
quem “mergulha” em novos universos linguísticos, para mais quando se trata,
segundo as más-línguas, do único idioma que o Diabo respeita: o húngaro. José
Costa, personagem principal, carioca de gema e escritor de profissão,
apaixona-se por Budapeste e principalmente pelo húngaro, quando se vê obrigado
a passar a noite na cidade ao regressar de um congresso em Istambul.
Rapidamente, estes sons e novas palavras “estranhas”
tornam-se numa obsessão a dominar o mais rapidamente possível. José trabalha
com Álvaro numa pequena agência, onde produz e escreve textos, mas quem os
assina são outros. Ghost-writer, é o seu ofício. Ele é o pensamento e a mão por
detrás da cara e do sucesso de conhecidos talentos. Mas isto, que para qualquer
pessoa seria motivo de embaraço e até frustração, provoca em José um sentimento
de orgulho ao saber que outros “somam vitórias” com os seus escritos.
Num vaivém entre duas cidades, duas identidades,
vive também entre duas mulheres: no Rio de Janeiro ama Vanda, mas (re) lembra
Kriska; em Budapeste ama Kriska, mas sente saudades de Vanda.
A obra de Chico Buarque, que venceu entre
outros o Prémio Jabuti em 2004, coloca no protagonista os dilemas e as questões
de quem procura encontrar-se a si mesmo. Na adaptação de Walter Carvalho, falta
(quase sempre) um dos ingredientes fundamentais: emoção. O realizador, que
afirmou em várias entrevistas não ter sido completamente fiel ao livro, pecou
pela pouca espontaneidade transmitida pelos personagens e pela falta de ligação
coerente entre várias cenas, ao mesmo tempo que captou deslumbrantes imagens de
Budapeste e deu vida a uma Kriska feita à medida da nossa imaginação.
Para quem lê a obra e depois assiste ao
filme, torna-se inevitável fazer comparações. A maioria acaba sempre por eleger
a primeira como a melhor das duas. Mas se cortar passagens faz parte do
processo natural de um guião de cinema, em “Budapeste” há pequenos grandes
detalhes omitidos, que aos olhos dos mais atentos (onde me incluo, sim) são os
responsáveis pela tal falta de emotividade.
José Costa, Vanda e Kriska estão em ambos e
são representados por Leonardo Medeiros, Giovanna Antonelli e Gabriella Hamori.
O filme não começa da mesma forma que o livro, não é referida a irmã de Vanda e
Álvaro ganha um novo físico, porém estes pormenores em nada afetam a própria
história. Aliás, ela está lá, só que o percurso que acompanhamos ao longo da
leitura, as interrogações e questionamentos que sentimos da parte de José, não
nos chegam através do grande écran.
Só quem leu as páginas de Chico Buarque se
apercebe de que quando Álvaro contrata um novo assistente e passado algum tempo
outros tantos, o estilo próprio de José deixa de o ser. Estes foram treinados
para escrever da mesma forma que este escrevia, fingindo ser outro. E a partir
daí, o que José dava como a única certeza em si, fica abalada.
No livro, para além de estar dividido entre o
Rio de Janeiro e Budapeste, está claramente com metade do coração em Vanda e
com a outra em Kriska. Até ao fim ficamos na dúvida onde terminará o
protagonista. No filme, a escolha fica clara bem mais cedo: o coração de José
pouco ou nada está dividido.
O mesmo se pode dizer de várias pequenas
coincidências e situações deliciosas de ler, e que ficam só mesmo para os
leitores. O melhor de Budapeste? O final. Sem dúvida, um inesperado e grande
desfecho. As imagens de sonho da cidade e a fantástica atuação de Kriska
(Gabriella Hamori). Confesso que quando vi a atriz (e não a conhecia antes) ,
era exatamente como a tinha imaginado ao ler o livro. É, sem dúvida, aquela
lufada de ar fresco que trouxe juntamente com Kosta Zsoze os
momentos mais marcantes e também humorísticos de todo o filme.
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